Confesso que adoro que reparem em mim, que me abram a porta, que me deem passagem, que me surpreendam agradavelmente e, de quando em vez, me estraguem com mimos. Não acredito que estes não sejam sentimentos gerais e que alguma mulher prefira, antes, ser ignorada, deixada para segundo plano, para trás, e esquecida. Se existe, não conheço, nunca falámos.

Aliás, nem imagino como seria: “Hoje tentaram abrir-me a porta, mas fulminei-o com o olhar e esperei até que ele passasse primeiro”; ou “dei-lhe uma descompostura. Não é que me apareceu aqui com um ramo de rosas?”; ou ainda “fiquei chateada. Cheguei a casa e tinha um presente embrulhado à espera. Uma Michael Kors azul petróleo, vê lá tu! Não ficavas chateada?”. Não, não ficava. Nem acredito que, em condições normais, uma mulher fique sequer próximo de aborrecida. Não há nada melhor que ser querida e cortejada, o que é muito diferente de ser abusada.

Isto tudo para falar da grande confusão que vai em algumas cabeças com as balizas da ética comportamental, que de repente se tornaram difusas com a enxurrada de escândalos de assédio sexual, que começou por abalar Hollywood, mas que vai abanando a sociedade como um todo – no mundo ocidental –, deixando a descoberto relações e situações, muitas delas conhecidas e permitidas, que, afinal, não são, nem podem ser, aceitáveis.

Tenho para mim que estas situações traduzem, apenas, uma manifestação de algo mais profundo, de práticas antigas, muitas vezes toleradas, das relações entre sexos; e de conceitos – se calhar já não expressos, mas impostos na prática – de diferenças entre homens e mulheres. Quando a excitação, o sensacionalismo e, também, o politicamente correto definem os limites do comportamento, é preciso dizer que não estamos todos a falar das mesmas coisas.

No caso do assédio – o cerne do escândalo –, do que estamos realmente a falar é de poder. É a existência de uma relação de poder que define que aquilo que poderia passar por exercício de sedução é, afinal, coação. Neste jogo em que se estabelece a relação, quando alguém tem poder sobre o outro – físico ou psicológico –, está sempre implícita uma chantagem, porque uma das partes tem a capacidade de impor a sua vontade à outra ou de fazer com que o incumprimento dessa vontade acarrete custos. Isso são os Harvey Weinstein, todo-poderosos empregadores, que se impõem a atrizes, empregadas, que podem penalizar se recusarem os seus avanços. Como Annabella Sciorra ou Mira Sorvino, que disseram “não!” e ficaram sem trabalho, com uma carreira limitada, mesmo tendo sido premiadas.

Já os limites do galanteio, são as regras de educação e o bom gosto.