A falência do banco norte-americano Silicon Valley Bank em março do ano passado resulta de uma tempestade perfeita que não tem qualquer paralelo na União Europeia e muito menos em Portugal. De facto, os três grandes fatores que fizeram resvalar para a falência o 16º maior banco do mercado dos Estados Unidos resultou de uma deficiente avaliação do risco de crédito de uma carteira baseada essencialmente em títulos da dívida soberana do próprio país – que desvalorizaram rapidamente quando as taxas de juro começaram a subir; do excesso de exposição a apenas um sector (56% das startup’s chegaram a ser suas clientes), e finalmente do facto de 94% dos depósitos estarem acima do montante máximo coberto pelos fundos federais (150 mil dólares).
Um colóquio sobre a matéria organizado pela Católica Porto Business School e em que estiveram vários especialistas, entre eles o ex-CEO do Novo Banco. António Ramalho, foi unânime nesta apreciação. O agora Industry Fellow na Católica Porto Business School e co-diretor do Curso Executivo de Banca para Empresas explicou, por outro lado, que o risco reputacional, deficientemente gerido pelo board foi também uma das causas da falência. E essa gestão deficiente deu-se desde 22 fevereiro, uns 15 dias antes da falência, quando um artigo do jornal “Financial Times” fazia uma análise técnica que apontava para várias deficiências. Logo aí, a direção do banco andou mal: afirmou que tinha margem para rever essas deficiências. Aparentemente ninguém acreditou e a 8 de março houve uma corrida (digital, uma novidade) aos depósitos que delapidaram em poucas horas 40 mil milhões de dólares.
António Ramalho forneceu dados comparativos: o banco Wachovvvia teve de restituir depósitos de 10 mil milhões de dólares em 8 dias e o Washington Muttual 19 mil milhões em 15 dias. 40 mil milhões em um dia são “uma brutalidade e a administração disse que no dia seguinte iria ter de restituir mais 100 mil milhões. Estava liquidado o banco e outros mais seguiriam o mesmo caminho se a administração Biden (os democratas costumam ser mais práticos que os muito liberais republicanos) não tivesse assegurado o pagamento integral de todos os depósitos – incluindo os 94% que não estavam cobertos pelo fundo de garantia das operações passivas.
António Ramalho não se esqueceu de falar brevemente da gestão do risco reputacional no Novo banco, que considerou sólida e eficaz quanto baste a todo o instante. Apesar de considerar que “o culto da transparência ultrapassa o sigilo do negócio”. De qualquer modo, gestão do nível reputacional era observada com grande proximidade, “com convicção e honestidade”. E deixou um conselho: “nunca usar redes sociais para compor as coisas, não têm relevância””, exatamente ao contrário do que sucede com os media tradicionais, como por exemplo os jornais.
E deixou também uma novidade: “a nova imagem do banco estava preparada desde 2017” mas só avançou em 2021 para marcar uma nova etapa da instituição “que lançasse uma perceção de reputação” reforçada e marcasse o fim do processo de reestruturação.
Coube a Gonçalo Faria, Associate Dean na Católica Porto Business School e co-diretor do Curso Executivo de Banca para Empresas, traçar o quadro geral do histórico. E focou essencialmente o facto de “66% dos depósitos virem da indústria tecnológica, o que é relevante para se perceber o que se seguiu. O perfil dos ativos (a dívida soberana) era “de baixíssimo risco de crédito, com retorno previsível se detidos até à maturidade e maturidades muito longas”. Num contexto de subidas de taxas de juro, o risco sobe enormemente, recordou – e aí deu-se um erro que pode dizer-se infantil: num quadro de aumento global das taxas de juro (com a guerra na Ucrânia, a crise energética e o já anterior aumento da inflação), o board do banco decide apostar na descida rápida das taxas – ou seja, do rápido regresso dos ativos à sua condição de baixo risco. Ora, deu-se precisamente o contrário – e tudo se precipitou, uma vez que o banco teve de passar a oferecer juros aos depósitos, sob pena de perder os clientes depositantes para a concorrência. Rapidamente a remuneração dos ativos passou a ser muito inferior à dos passivos (os depósitos).: o precipício estava a um passo.
Depois, em 8 de março é público que o SVB tem de fazer uma reestruturação do balanço, por falta de liquidez. Os depósitos não garantidos induzem levantamentos mais rápidos na tentativa de escapar a perdas e o passa-palavra “entre os clientes muito concentrados numa única indústria piorou tudo”. Os 42 mil milhões de dólares levantados pelos clientes a 9 de março correspondiam a 25% dos depósitos. Nunca antes se vira tal coisa – patrocinada pelo digital. A 10 de março a precisão (da própria administração) é que mais 100 mil milhões saiam dos cofres e em 17 de março entra chega o processo de falência.
Luís Costa Ferreira – Head of Banking Prudential Supervision Department do Banco de Portugal – não tem qualquer dúvida. Em Portugal, não há qualquer hipótese de suceder semelhante coisa, até porque, ao contrário do que se passa nos Estados Unidos, a regulação não é demasiado flexível e a supervisão não é apenas mais ou menos exigente. E recordou: 70% dos depósitos em Portugal estão cobertos por garantia total de retorno e não há exposição excessiva do sistema à dívida soberana.
Para quem gosta de numerologia, ciência que não existe, o SVB era o 16º maior banco dos Estados Unidos. “Qual é o 16º maior banco da Europa?”, perguntava António Ramalho. E respondeu: “era o Credit Suisse” – o que levou o ex-CEO do Novo Banco a deixar um conselho aos supervisores: “o melhor é fazer passar os rankings do 15º lugar diretamente para o 17º”. Para os numerologistas, convém deixar claro que António Ramalho estava a brincar.
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