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Síria: províncias autónomas causam forte polémica em Genebra

Não são reconhecidas por nenhum país, mas tiveram um importante papel na luta contra o Estado Islâmico e não querem ficar para trás na história. O regime sírio mas também o turco (por causa da presença dos curdos) não as toleram. Entretanto, al-Assad esteve no Kremlin.
22 Setembro 2021, 17h40

Há quase uma década que representantes do governo sírio liderado por Bashar al-Assad e a comunidade internacional se encontram em Genebra, Suíça, onde mantém negociações com vista à pacificação do martirizado país e à sua reconstrução. Al-Assad, que ganhou as presidenciais deste ano, quer mudar as negociações para Damasco, mas entretanto surgiu uma forte polémica onde ninguém a esperava.

A Administração Autónoma do Norte e Leste da Síria (AANES) abriu um escritório de representação em plena Genebra, a partir do qual tem como “objetivo fortalecer as relações com a Suíça, devido às reuniões ali realizadas para resolver a crise síria” e assistir da primeira fila ao desenvolvimento de questões que necessariamente impactam na região, disse, citado pelas agências internacionais, o seu representante, Hekmat Ibrahim. Evidentemente, a organização quer ser reconhecida como interlocutora pela Suíça, pelos países europeus pela ONU às negociações.

A AANES tem várias representações na Europa (França, Alemanha, Suécia e Benelux), mas apesar de ter ganho autonomia em 2012 – em plena guerra civil síria – e existir de facto desde 2018, não é oficialmente reconhecida como uma região autónoma da Síria por nenhum país do mundo, para além de ser evidentemente detestada pelo regime de al-Assad. A entidade é formada pelas regiões de Afrin , Jazira , Eufrates , Raqqa , Tabqa , Manbij e Deir Ez-Zor, cerca de 30% do território sírio – é pelo menos esta a mais recente descrição da sua composição – e assume-se como um enclave de diversidade étnica e democrática, onde vivem entre quatro a cinco milhões de pessoas. Curdos (a maioria), árabes, arménios, circassianos e yazídis parecem viver ali numa harmonia étnica difícil de encontrar na região. O seu exército (Forças Democráticas Sírias) contribuiu fortemente para a derrota do Estado Islâmico, tendo sido apoiado pelos Estados Unidos.

O seu maior problema atual é saber o que fazer com os refugiados sírios que se encontram nos campos por si controlados, mas também com os prisioneiros de guerra do Estado Islâmico (cerca de 10 mil homens de 58 nacionalidades), que nenhum país quer receber no seu território.

Mas se a Síria recebeu muito mal o desplante da abertura da representação, a Turquia não lhe ficou atrás – uma vez que persegue tudo o que tem a ver com os curdos. Refira-se, a propósito, que os curdos já tiveram no passado (nos anos de 1990) um escritório de representação em Genebra.

A autonomia é de facto liderada por um partido curdo, o PYD (Partido de União Democrática), que, segundo a Turquia, é próximo do PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, uma organização política armada que Ancara considera terrorista, costumando insistir com a comunidade internacional para que faça o mesmo.

Vários analistas consideram que a abertura das portas das negociações à presença da AANES é o mínimo que a comunidade internacional pode fazer em relação à Síria, mas nada indica que quer o governo de al-Assad quer o de Recep Erdogan aceitem o ‘descaramento’.

Entretanto, e sem que a notícia tenha despertado o interesse do Ocidente, Bashar al-Assad esteve na semana passada na Rússia, tendo sido demoradamente recebido pelo seu homólogo Vladimir Putin. Oficialmente, o governo russo – que é principal apoiante do regime sírio – explicou que o encontro serviu para lançar bases mais sólidas para a cooperação económica, mas os analistas afirmam que a-Assad, tendo percebido que uma parte do mundo (União Europeia e Estados Unidos incluídos) não tem por ele qualquer apresso, está a tentar cimentar a sua posição com o auxílio dos poucos países que ainda o toleram – e onde se conta também o Irão e a que se acrescenta uma espécie de indiferença da parte da Liga Árabe.

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