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Stablecoins têm o potencial de reforçar negócio da Visa e Mastercard

De acordo com os analistas ouvidos pelo Jornal Económico (JE), as stablecoins podem ter o potencial não só de manter a vantagem competitiva das duas empresas, como eventualmente de reforçar a sua força no mercado.
15 Julho 2025, 07h00

A Visa e a Mastercard têm estado ultimamente sob forte pressão nos mercados financeiros. Primeiro, com a investigação sobre as taxas cobradas a comerciantes, que está a ser analisada pelos reguladores europeus, e mais recentemente com as stablecoins e a aprovação do Genius Act, lei que regula estes ativos, pelo Senado dos Estados Unidos, em junho.

As stablecoins são criptomoedas que estão associadas a um outro ativo, como, por exemplo, uma moeda (euro ou dólar) ou até mesmo ao ouro, de modo a manterem um preço estável. Este tipo de criptomoedas também não tem passado alheio a empresas como a Walmart e a Amazon, que têm interesse em avançar com stablecoins próprias.

Em junho, a Visa e a Mastercard chegaram a cair 6% e 7%, perdendo, de forma combinada, cerca de 60 mil milhões de dólares de valor de mercado, salientou a Yahoo Finance, devido à intenção demonstrada pela Walmart e pela Amazon em avançarem com stablecoins próprias.

A aprovação do Genius Act, pelo Senado dos Estados Unidos, a 17 de junho, com 68 votos a favor e 30 contra, veio dar também uma nova legitimidade às stablecoins. A legislação, no fundo, vem criar regulamentação para que empresas possam emitir dólares digitais com a ‘luz verde’ do governo norte-americano.

“O Genius Act vai proteger os consumidores, possibilitar uma inovação responsável e salvaguardar o domínio do dólar americano”, disse a senadora democrata, eleita por Nova Iorque, Kirsten Gillibrand, uma das apoiantes da legislação, aquando da aprovação do documento pelo Senado norte-americano, citada pela CNBC.

Mesmo a Visa e a Mastercard já oferecem soluções que envolvem stablecoins.

“Faça parceria com a Visa para ajudar a integrar stablecoins na sua estratégia. Pode utilizá-las para melhorar a sua carteira digital. Oferecemos cartões ligados a stablecoins que permitem aos seus clientes fazer compras com stablecoins em toda a rede de estabelecimentos Visa”, diz a empresa na sua página oficial. A empresa, no que diz respeito às stablecoins, oferece serviços de consultoria e análise, cartões ligados a stablecoins, movimentação de dinheiro entre fronteiras e uma infraestrutura.

A Mastercard também já promoveu várias iniciativas que envolvem stablecoins. Aqui incluem-se as parcerias com a MetaMask, Kraken, Gemini, Bybit, Crypto.com, Binance, Monavate e Bleap, que permitem usar stablecoins em carteiras de criptomoedas através de cartões tradicionais que podem ser utilizados em mais de 150 milhões de estabelecimentos no mundo que aceitam Mastercard, além de poder retirar stablecoins para contas bancárias através do Mastercard Move.

Além disso, a Mastercard também já tinha anunciado que se ia unir à Nuvei e à Circle (empresa que recentemente entrou em bolsa e tem acumulado uma forte valorização), dando a opção aos comerciantes de receber pagamentos em stablecoins como a USDC (da Circle), independentemente de como o consumidor escolher pagar. “A Mastercard também está a trabalhar de perto com a Paxos de modo a permitir que essa funcionalidade esteja disponível nas stablecoins emitidas pela Paxos”, refere a empresa na sua página oficial.

Stablecoins ameaçam Visa e Mastercard?

Mas serão as stablecoins, de facto, uma ameaça para o negócio da Visa e da Mastercard ou, por outro lado, terão a capacidade para reforçar a fortaleza destas duas empresas? De acordo com os analistas ouvidos pelo Jornal Económico (JE), as stablecoins podem ter o potencial não só de manter a vantagem competitiva das duas empresas como, eventualmente, de reforçar a sua força no mercado.

Para o analista de mercados do Banco Best, Ângelo Custódio, a nova legislação (Genius Act) sobre as stablecoins “é uma vitória significativa” para a indústria cripto. Isto porque cria uma “regulação efetiva com exigências de auditorias mensais, assim como normas de combate ao branqueamento e lavagem de capital para estes instrumentos subjacentes” ao dólar.

“Estas medidas são um passo para legitimar cada vez mais estes ativos e impulsionar a sua aceitação pelo público em geral”, adianta Ângelo Custódio.

O analista de mercados do Banco Best considera também que as implicações de tal movimento são significativas, com os comerciantes “potencialmente atraídos” pela capacidade das stablecoins em “reduzir custos, contornando as redes de pagamento tradicionais” como a Visa e a Mastercard.

“Ao contrário das transações com cartão de crédito, que envolvem taxas de intercâmbio e atrasos de liquidação de vários dias, os pagamentos com stablecoins podem ser liquidados quase instantaneamente”, defende Ângelo Custódio.

Para Ângelo Custódio, a possível integração de stablecoins por parte de empresas como a Visa e a Mastercard é vista como uma medida “para [estas empresas] se manterem à frente da curva” através da reinvenção da sua estrutura de pagamentos global, com a “redução da sua dependência e custos” face aos sistemas bancários tradicionais e aumento da sua eficiência, reforçando assim a sua “relevância tecnológica e adaptando-se à nova era digital” no domínio dos pagamentos eletrónicos.

“Os investidores podem vir a aplaudir, com a sua ‘capa de touro’, estes potenciais desenvolvimentos tecnológicos, que tendem a reforçar a sua vantagem competitiva, ajudando estas empresas a permanecerem relevantes, mesmo que o setor aponte em direção ao cripto, e a maximizarem a sua performance nos mercados financeiros no médio e longo prazo”, defende Ângelo Custódio.

O analista de mercados do Banco Best considera também que a potencial decisão da Visa e da Mastercard em acompanhar a evolução que está a fazer-se sentir no setor “pode estar ligada, num primeiro contexto, a demonstrar ao mercado que as ‘gigantes dos pagamentos’ estão atentas a esta tendência” e que “não estão a ser deixadas para trás” pela disrupção do blockchain, aumentando a confiança dos investidores e impulsionando a medida na bolsa de valores.

Já o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, considera que a integração de stablecoins permite à Visa e à Mastercard “adaptarem-se à natural evolução” do sistema financeiro e preservarem, assim, a sua “atual relevância” num contexto de disrupção tecnológica.

“Ao suportarem pagamentos com stablecoins, estas redes, nomeadamente a Visa e a Mastercard, protegem o seu papel central nas transações globais, mesmo com a crescente popularidade de sistemas descentralizados”, refere Paulo Monteiro Rosa.

O economista sénior do Banco Carregosa considera também que a integração das stablecoins nos serviços da Visa e da Mastercard poderia levar à atração de novos utilizadores e empresas, como, por exemplo, a Amazon, que já anunciou que pondera aceitar stablecoins.

“Esta estratégia permite-lhes ainda oferecer soluções híbridas (cartões ou wallets com suporte às stablecoins), beneficiando da sua infraestrutura de segurança e compliance como fator diferenciador face a players exclusivamente focados em criptoativos”, salienta Paulo Monteiro Rosa.

Paulo Monteiro Rosa diz ainda que a Visa e a Mastercard, ao evitarem a desintermediação, ou seja, a possibilidade de os utilizadores realizarem transações diretamente numa blockchain, excluindo as redes tradicionais, “transformam uma potencial ameaça numa oportunidade de expansão, consolidando a sua vantagem competitiva (o moat) num novo paradigma monetário”.

O economista sénior do Banco Carregosa considera também que a aprovação do Genius Act pode afetar materialmente o potencial de valorização da Visa e da Mastercard, pelo menos de duas formas.

“Por um lado, cria um risco imediato porque permite a grandes empresas, sobretudo retalhistas, como a Amazon ou a Walmart, emitir as suas próprias stablecoins e processar pagamentos diretamente, reduzindo a dependência das redes tradicionais, como a Visa e a Mastercard”, refere Paulo Monteiro Rosa.

Isso, sublinha Paulo Monteiro Rosa, “poderá diminuir” as receitas que as duas empresas têm ao nível das taxas de transação (interchange fees), “explicando talvez a queda das ações destas duas empresas de cartões de crédito aquando da aprovação” do Genius Act.

“No entanto, se a Visa e a Mastercard conseguirem integrar as stablecoins nos seus serviços, oferecendo soluções que combinam os seus serviços tradicionais com novos serviços baseados nesta nova ferramenta monetária e aproveitando a sua infraestrutura de segurança e compliance, poderão transformar esta potencial ameaça numa oportunidade de crescimento, reforçando a sua posição num novo sistema de pagamentos digitais que se desenha a cada dia que passa”, diz Paulo Monteiro Rosa.

“Assim, a valorização futura destas duas empresas de cartões de crédito dependerá muito provavelmente da forma como se adaptarem a este novo cenário competitivo”, refere o economista sénior do Banco Carregosa.

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