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Stephan Morais: “Não há bolha em Portugal nas startups”

A sociedade de capital de risco portuguesa Indico Capital Partners lançou um fundo de 46 milhões de euros para investir em empresas tecnológicas. Em entrevistaao Jornal Económico, Stephan Morais, o managing partner do fundo, revela um novo investimento e a estratégia para os próximos anos.
  • Indico Capital Partners
    Cristina Bernardo
9 Março 2019, 14h00

Este é o primeiro fundo de venture capital nacional, independente e privado, que irá investir nas fases iniciais de startups tecnológicas, com sede em Lisboa, considerado um dos centros tecnológicos em ascensão na Europa. O objetivo passa por identificar, investir e capitalizar as startups ibéricas mais promissoras, em particular as que se encontram sediadas em Portugal. Com o foco geográfico definido, o fundo irá direcionar os seus investimentos em empresas que atuem em áreas como SaaS (Software as a Service) B2B, Inteligência Artificial, Fintech e Cibersegurança, mas também em Marketplaces e Plataformas digitais B2C. Stephan Morais é o managing general partner do fundo e nesta entrevista ao Jornal Económico revela a estratégia de investimento.

O que é o Indico Capital Partners?

Esta é uma sociedade gestora de fundos de capital de risco, registada na CMVM. A forma como as coisas funcionam é como se fosse uma empresa, que depois gere um fundo. Estabelece-se duas coisas: uma sociedade de capital de risco e um fundo de capital de risco. E este fundo faz investimentos nas empresas, é assim que funciona a orgânica. É a primeira vez que há em Portugal um fundo privado de venture capital independente desta dimensão, com 46 milhões de euros e mais de 30 investidores de oito países.

Quais foram as principais dificuldades que encontrou?

A primeira coisa que as pessoas perguntam é se as pessoas que estão por trás do fundo têm o track record certo para gerir o dinheiro de terceiros. Há uma análise muito profunda sobre o que nós investimos no passado, quais foram os resultados e se acrescentámos valor. A segunda análise é quererem saber se há operações suficientes para que se justifique haver um fundo desta dimensão. Nós investimos entre 0,5 a 1% das operações que vemos. Isto é um jogo de números.

O vosso investimento pode ir até quanto?

O nosso investimento pode ir até aos cinco milhões durante a vida da empresa. O venture capital é uma classe de ativos em que se vai fazendo aumentos de capital. São as rondas de investimento. Vamos continuando a investir nas empresas que vão resultando. Quando a empresa chega a bom porto e entra em bolsa ou é vendida por centenas de milhões de euros, os fundos como o nosso têm que ter uma percentagem.

Quem são os principais investidores?

A entidade gestora independente somos nós os três [Stephan Morais, Cristina Fonseca e Ricardo Torgal]. Os investidores são os tais 30, alguns agrupados em conjunto. Estamos a falar do Fundo Europeu de Investimento (FEI), fundos de pensões, gestoras de fortunas e pessoas individuais. Temos ainda um grande fundo chamado Draper Esprit. Agora vamos a Berlim ter contactos com mais investidores. A Igreja de Inglaterra, que também investe nesta classe de ativos, também já nos contactou.

Que tipo de proteção têm os investidores?

As regras são iguais para todos, a transparência é total e o reporting é feito em moldes internacionais. As guidelines que nos são passadas pelos investidores internacionais são aplicadas para todos. Todos beneficiam de estar ao nível mais alto de transparência e de fiabilidade do fundo. De resto não garantimos nenhuma rentabilidade, porque isso nunca se sabe.

São investidores nas empresas Sound Particles, Bitcliq e Attentive. Este investimento irá avaliar a empresa em quanto?

Não podemos revelar. Posso dizer que, tipicamente, todas as rondas diluem os atuais investidores entre 10% a 30%. Ou seja, cada vez que entra um milhão de euros isso vale entre 10% a 30% da empresa. Porquê? Alinhamento de interesses. Muitas vezes, os investidores locais, mais pequenos, tendem a ficar com percentagens desproporcionadas das empresas. Se entramos, e depois entrarem outros, quando a empresa ainda é muito jovem, já os fundadores não são donos. Logo, não vão estar alinhados para construir um grande caso de sucesso durante 10 anos. Para nós, as avaliações – o resultado entre a diluição acordada e o montante necessário que entrou para escalar – não são muito importantes. O que interessa é quanto dinheiro é que é necessário para a empresa chegar à próxima fase;_quanto é que eu posso diluir os fundadores para que eles continuem motivados e seja um bom negócio para todos. Os fundadores, que teoricamente são as pessoas em quem nós estamos a apostar, são as pessoas mais importantes do assunto.

A vossa prioridade é apostar em tecnológicas?

Não é prioridade. São mesmo só tecnológicas. Vou-lhe explicar porquê. Qualquer empresa nova (um café, uma startup de software, uma empresa de brinquedos…) tem uma probabilidade muito alta de falhar. Os fundos têm 10 anos. O único tipo de ativos que são passíveis de gerar retornos grandes num prazo de 10 anos (ou seja, crescerem com uma velocidade tal que possam ser vendidas em bolsa ou a outras grandes empresas) é o software. O que envolve físico é muito difícil de escalar.

Há estudos que dizem que o investimento em startups tecnológicas caiu nos últimos cinco anos. Isso é preocupante para o fundo?

O que acontece é que há cerca de dois anos e meio a Caixa Capital abrandou significativamente nesta área, tal como a Portugal Ventures deixou de fazer investimentos e recuperou agora. Os dois principais operadores de mercado saíram. Portanto, o volume baixou brutalmente. O aparecimento de fundos vai voltar a canalizar capital para esta área.

A tendência é manter essa recuperação este ano? E pôr de parte o hardware?

Com a existência de fundos passa a haver capital disponível. Já vimos 800 e tal empresas, e vamos para o terceiro investimento. Paulatinamente, vamos investir, e aparecerão outros. Muito poucos operadores estão qualificados para o fazer. O produto físico é sempre muito mais difícil. É mais difícil fazer esta mesa, bem feita, sem estar lascada, do que fazer software.

Considera que existe uma ‘bolha’ nas empresas tecnológicas?

Estamos a viver num período económico de taxas de juro baixas há 10 anos, e obviamente, que isso gera deslocação de capital para áreas potenciais de maior rentabilidade. Os investidores que não põem dinheiro no banco pelas taxas de juro negativas vão começar a canalizar parte dos seus fundos para classes de ativos que tenham potencialmente maiores retornos: imobiliário, private equity, hedge funds e venture capital, um pouco – porque é uma classe de investimento pequena à escala mundial, apesar dos muitos biliões. É natural que os ativos se vão inflacionando. Por isso é que é tão importante ser-se criterioso na estratégia de investimento e na construção do portfólio e de estar na fase early stage. Não estou preocupado com a bolha em Portugal. Não há bolha em Portugal nas startups. Estamos é preocupados em investir nas empresas certas, em early stage, para que os operadores internacionais possam vir a agarrar algumas e levar algumas para o patamar seguinte.

Como é o dia a dia enquanto investidores?

É superdivertido. Reparte-se entre fazer fund -raising para o fundo até ao final do ano, garantirmos que temos mais investidores e rever novas empresas. Temos um sistema automatizado de marcação de reuniões. Falamos com toda a gente que quiser falar connosco, pelo menos, durante meia hora. Claro que há empresas a quem dizemos, ao fim de cinco minutos, que aquilo não é venture. Temos reuniões para perceber se faz sentido.

Quem toma as decisões?

As decisões são dos três, temos de estar todos de acordo. Além do fundrasing e da avaliação de novas oportunidades, grande parte do tempo é dedicado ao acompanhamento das empresas. As que já estão investidas requerem muito apoio da nossa parte: produto, estratégia, pricing, marketing, rondas de investimento, contactar parceiros e fornecedores.

Dois membros da equipa de gestão da sociedade Indico trabalharam na Caixa Capital, unidade de capital de risco da Caixa Geral de Depósitos. Porque decidiram sair?

Sabíamos que, em todos os mercados sofisticados, os operadores de referência são independentes. Portanto, vários investidores internacionais disseram que estava na altura de criar um fundo independente. Eu e o Ricardo informámos a Caixa que íamos sair e arriscámos.

Artigo publicado na edição nº 1977, de 22 de fevereiro, do Jornal Económico

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