O Governo irá levar ao Conselho de Ministros desta quinta-feira as medidas desenhadas para mitigar os efeitos das tarifas norte-americanas, isto depois de uma ronda negocial com diversas associações empresariais dos setores mais vulneráveis a aquele mercado. Ao JE, estes líderes empresariais sublinharam a necessidade de executar estes apoios com rapidez face às taxas já impostas pelos EUA, sobretudo dado o atual contexto de crise política interna, bem como a necessidade de diversificarem o destino das suas exportações.
Após dois dias de reuniões com diversas associações empresariais, o Governo irá submeter ao Conselho de Ministros o plano para limitar os impactos negativos das tarifas anunciadas na passada semana por Trump e que começaram a vigorar esta quarta-feira. O plano poderá ascender a mais de 2.000 milhões de euros no reforço de linhas de crédito à exportação e de seguros de crédito, bem como apoios à diversificação de mercados, competitividade e inovação, envolvendo ainda apoios do Compete e do Banco de Fomento.
Segundo o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro, o montante do envelope de apoios deve ascender a 2,5 mil milhões – mas, ainda mais importante do que desenhar um “plano de financiamento, é colocá-lo em prática”.
Isso mesmo foi sublinhado por José Couto, presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), uma das presentes nas reuniões de quarta-feira. Mostrando-se sensível ao problema adicional constituído pelo facto de o país estar em período de pré-campanha para eleições parlamentares antecipadas, o representante dos fornecedores automóveis é da opinião que o setor que representa – tal como todos os outros, aliás – “tem a expectativa de uma intervenção rápida”, sem a qual as medidas, quaisquer que elas sejam, correm o risco de chegar tarde demais. “Não podemos adiar as medidas”, concluiu.
Ainda na terça-feira, primeiro dia de reuniões, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) avançou ao JE que pediu “um plano ambicioso, rápido e exequível para termos conforto no apoio às empresas e esperança em melhores dias. A sua implementação tem de ser imediata, ainda este mês, pois as empresas não vão a eleições e não podem esperar”.
Por sua vez, Vítor Poças, presidente da Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal (AIMMP), classificou o encontro como “oportuno”, com uma equipa ministerial “muito ciente” dos problemas que a política comercial norte-americana poderá criar, mostrando otimismo com a reunião. Como ponto positivo, o responsável pelo setor madeireiro lembrou que as tarifas dos EUA foram aplicadas “numa lógica global”, pelo que Portugal não fica mais prejudicado comparativamente a outras economias.
Mário Jorge Machado, da ATP – Associação de Vestuário e Têxtil de Portugal, fala também num “pacote muito robusto com vários eixos de apoio” face às dificuldades esperadas, considerando que “é bem-vindo tudo o que sejam soluções que possam ir contra o fecho das economias, que têm consequências imprevisíveis, mas todas negativas”. Já José Robalo, presidente da Associação Nacional dos Industriais de Lanifícios (ANIL), destaca o carácter sobretudo consultivo das reuniões, mas também a coincidência entre o anúncio de Trump e a crise política nacional, que significam um período “sempre mais sensível”.
O ministro da Economia já tinha anunciado a criação de um grupo de acompanhamento da guerra tarifária e que estava a desenhar medidas de apoio ao nível do programa temático Compete do Portugal 2030 e do Banco de Fomento – através de novos avisos, garantias e financiamento para o apetrechamento industrial e reforço da internacionalização – para ajudar as empresas a resistir à escalada de tensão nas trocas comerciais.
O objetivo é, segundo Pedro Reis, “abrir um canal de diálogo com os setores que serão mais afetados pelo modelo das ‘tarifas recíprocas'”, designadamente a indústria automóvel, combustíveis, borracha, setor elétrico e eletrónico, metalurgia e metalomecânica, madeira e mobiliário, cortiça, calçado, curtumes, têxtil e vestuário, têxtil-lar e lanifícios, além das associações patronais AIP, CIP e AEP.
Inflação irá regressar
Também presente na ronda desta quarta-feira esteve João Vieira Lopes, presidente da CCP – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, que destacou os efeitos que a política comercial dos EUA terá na economia nacional – não só na atividade das empresas, mas também na vida diária dos portugueses.
“Os EUA, em termos de serviços, são um grande exportador para Portugal, muito superior à nossa balança de pagamentos, e isso é difícil de determinar em termos de números, mas isso pode afetar todo o tecido empresarial”, disse o presidente da CCP à agência Lusa.
Esta dependência significa que um regresso da inflação é uma possibilidade bastante real, com Vieira Lopes a admitir que esta é “uma grande preocupação” para a Confederação. Esta dinâmica é particularmente evidente nos produtos agroalimentares, para os quais o presidente da CCP abriu a porta a “alterações até de política fiscal” para acomodar os efeitos negativos para Portugal.
Recorde-se que o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, sugeriu um regresso ao IVA zero para um cabaz de produtos essenciais, à semelhança do que o seu antecessor, António Costa, fez enquanto primeiro-ministro, aquando da primeira crise inflacionista em Portugal.
As propostas da CIP
Nas propostas apresentadas pela CIP, destacam-se o reforço do apoio às estratégias de diversificação de mercados das empresas, “acionando, desde já, de forma mais rápida, mais intensa e mais focada”, os instrumentos que já existem no quadro do Portugal 2030. Em causa está o Sistema de Incentivos à Competitividade Empresarial (SICE) – Internacionalização das PME – Operações em conjunto e operações individuais, bem como o aumento das dotações, reclamando esta confederação empresarial o relançamento imediato dos avisos, em contínuo e com introdução de «cut-offs» regulares para avaliação (de acordo com a medida 24 do Programa Acelerar a Economia), com aumento das taxas de financiamento. E ainda o lançamento pelo BPF (Banco Português de Fomento) de uma linha de crédito com garantia pública dirigida a empresas exportadoras da indústria.
A Confederação pede ainda que o Governo equacione “reforçar a monitorização dos produtos acabados que entram no mercado nacional, que não cumprem as rigorosas normas e regulamentos da UE e que, por conseguinte, concorrem de forma desleal com as nossas empresas”.
Esta confederação empresarial pretende também a introdução de um regime de reporte dos prejuízos fiscais de 2025 para anos anteriores (tax losses carry back), possibilitando às empresas deduzir os prejuízos fiscais gerados neste ano aos lucros apurados nos últimos exercícios financeiros. “Permitiria um encaixe financeiro imediato para as empresas via reembolso de imposto”, defende a CIP, dando conta de que “é uma medida com provas dadas no ordenamento fiscal de diversos países, como a França, Alemanha, Países Baixos, Reino Unido, República Checa, Suécia, introduzida, nalguns deles, como resposta à crise de 2008 (foi recomendada pela Comissão Europeia como resposta à crise pandémica)”.
Com a UE a preparar a resposta, a CIP pede que Bruxelas privilegie os interesses europeus, rejeitando contramedidas “como um fim em si mesmas”. As palavras de ordem são, portanto, pragmatismo e negociação.
“A reação deve ser juridicamente sólida, proporcionada e orientada, evitando consequências indesejadas para o comércio e a comunidade empresarial da UE”, afirma Armindo Monteiro, lembrando, “por um lado, a concorrência com a produção industrial europeia; por outro lado, os potenciais efeitos disruptivos nas cadeias de valor e o aumento dos custos para os consumidores e para a restante indústria”.
Para tal, o bloco europeu deve manter-se coeso e coordenado, ganhando assim também poder negocial.
Além disso, a diversificação será prioritária, “de forma a reduzir dependências e construir a sua segurança económica”. Neste âmbito, acordos de comércio livre como o atingido no final do ano passado com o Mercosul são “cruciais”.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com