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Como é que a Sisqual nasceu e como é que chegou até ao ponto em que está hoje?
A Sisqual começou com uma empresa de recolha de dados fabris, em 1992. Para isso tínhamos um produto, que desenvolvemos na altura, para fazer o acompanhamento da produção em tempo real, portanto medir o número de peças que eram fabricadas, os tempos por peça, por máquina, etc, para que os gestores da produção da fábrica pudessem acompanhar a produção em tempo real, descobrirem onde é que há estrangulamentos, alterarem as linhas, alterarem o equilíbrio das linhas. E começámos a trabalhar com isso. E como isso implicava a recolha de informação directamente de máquinas e de pessoas… Nessa altura, a nossa empresa era realmente uma startup e as startups têm que ouvir o que o cliente pede. Os clientes iam-nos pedindo cada vez mais coisas a ver com o pessoal e não com as máquinas. Depois foram-nos pedindo, a certa altura, para registar presenças e faltas, etc. Até que, em 2003, nos foi pedida uma aplicação muito específica para um hospital, que era o Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, em Lisboa, para controlar a presença de doentes, de enfermeiros.
Não dos doentes, só o corpo médico e de enfermeiros?
Não, só os médicos e os enfermeiros. E nós lá instalámos o sistema. O nosso sistema, na altura, tinha um registo biométrico, que era uma coisa revolucionária, e havia sempre muita resistência das pessoas em serem controladas a sério. E então era natural ouvirmos feedback de resistência, de coisas inventadas para que não se usasse o sistema. Então, não dávamos muito ouvidos a essas queixas, porque depois o tempo encarregava-se de despistar essas queixas, que eram falsas. Só que, neste caso, no hospital, as queixas não iam embora e tivemos que averiguar a coisa mais a sério.
O que é que descobriram?
Descobrimos que, naquele hospital, como desde aí descobrimos em todas as instituições onde há trabalho 24 por 24 horas – portanto, há turnos nocturnos, há turnos no dia de Natal, há turnos no dia 1 de Maio – os hospitais não podem ficar sem pessoas, não é? Quando se fazem os turnos, as pessoas aceitam-nos, mas depois, de acordo com as necessidades familiares, acabam por ter que os trocar. E trocar muito. E então há milhares – naquele hospital na altura havia 400 enfermeiros – milhares de trocas de turnos, milhares num mês. Acho que estávamos a falar em 3.000 trocas de turnos, o que quer dizer que controlar a presença das pessoas tornava-se quase impossível no fim do mês, porque todos tinham trocado de horário, portanto o registo de presença não batia certo com o horário que tinha sido escalado.
Como é que a Sisqual resolveu o problema?
A única forma de resolvermos isso era que houvesse algum incentivo para o chefe de registar a alteração do horário no sistema, para que no fim do mês a coisa batesse certo uma com a outra, até porque os salários depois dependem destes acertos. E pronto. Aí começámos a desenvolver um sistema de planeamento de horários, onde o rebuçado para os chefes era quando se trocam o horário, por vezes trocam-se duas pessoas com competências diferentes. Por vezes, ao trocar incorre-se em incumprimentos da lei laboral. Portanto, por esses dois motivos os chefes não querem fazer asneiras. Portanto passaram a simular sempre no nosso sistema se a troca dava erro ou não. A partir daí, todas as trocas, as milhares de trocas eram feitas no nosso sistema, o que quer dizer que chegava ao fim do mês e o nosso sistema já comparava registos com o planeamento. Pronto, daí nasceu um produto, em 2003. Nós ainda temos clientes dessa altura, portanto temos clientes há 20 anos, e esse produto não tinha nome. Hoje em dia chama se Workforce Management.
Só em 2008 é que a Gartner, uma empresa que classifica sistemas de informática a nível mundial e recomenda às grandes empresas, reconheceu este produto. E nós estamos lá na lista da Gartner como uma empresa, um player mundial nesta área. Então nós aí avançamos para muitos hospitais em Portugal. Isto porque no hospital a venda é fácil. Se faltam pessoas chave podem morrer pacientes, portanto é fácil de vender. E todas as outras áreas em que há trabalho 24 por 24 horas, com turnos. Portanto, fomos crescendo aqui em Portugal até que esgotámos o mercado. Portugal é pequeno e, portanto, somos uma empresa antiga e sempre com ambições de crescermos muito internacionalmente. E só há pouco tempo é que essas ambições se tornaram realidade.
Com a Mercadona, em Espanha?
Não. O nosso sonho é sermos uma empresa verdadeiramente mundial, certo? No entretanto, fomos abrindo mercados: abrimos no Brasil, onde já temos 400 hospitais e para aí dez cadeias de supermercados.
É vosso core é gestão de força de trabalho em hospitais?
Ramos hospitalar e retalho, porque ambos trabalham praticamente 365 dias por ano e ambos têm muitos turnos. Um supermercado, se não tiver três turnos, no mínimo tem dois. E tem as dificuldades de trabalhar ao domingo. Portanto, trabalhar horas que não são sociais. Horas difíceis. Portanto, todas as áreas – hotéis, logística – que trabalham fora do horário normal são candidatos para o nosso tipo de produto. O que é que nós fazemos? Nós estudamos o passado. Vou dar o exemplo do supermercado, que é capaz de ser o mais fácil de se entender. Nós estudamos os últimos ‘x’ anos – quantos mais anos, melhor – da actividade dos clientes num supermercado, por exemplo. E dizemos ao cliente, graças a motores de predição, quantos clientes lhe vão entrar no supermercado nos próximos 15 minutos, e a que áreas do supermercado se vão dirigir para serem servidos. A partir daí direcionamos as equipas. Portanto, o número de horas que é preciso para servir o cliente.
E quando é que cada funcionária tem de estar em cada seção, certo?
Isso. Exactamente. É complicado porque inclui – além dos algoritmos todos, da matemática – inclui a distribuição de tarefas. Porque eu de manhã, por exemplo, posso ter que estar na padaria, mas a partir das 10h00 horas já não sou necessário na padaria. Então as pessoas devem ir trabalhar por tarefa e não por secção ou por horário. A partir daí geramos os horários, consultamos as preferências das pessoas no mês anterior, necessidades familiares, etc, para saberem a que horas podem trabalhar ou preferem trabalhar e geramos os horários em automático e distribuímos pelos trabalhadores esses horários em automático, que têm que obedecer à lei laboral e têm que obedecer aos costumes culturais do trabalho, que variam muito de país para país. Portanto, é um desafio grande. E no fim do mês, como eu tinha explicado com o hospital, vamos reconciliar o que foi trabalhado com aquilo que estava planeado. Classificamos todos os tempos trabalhados a mais e a menos – com aqueles códigos todos que há, se é 50% ou 100% do tempo, aquela confusão toda – e passamos esses códigos directamente ao sistema que paga os salários.
Portanto, evoluiu de um sistema de controlo de pessoal num hospital para uma ferramenta de produtividade. São dados e mais dados que permitem a um gestor de recursos humanos perceber onde é que pode obter ganhos e onde é que pode evitar evitar excesso de custos.
Sim, sim. É esse o objetivo. E com qualidade de vida para os trabalhadores, porque como consultamos os trabalhadores – eles têm uma app – como os consultamos acerca das suas necessidades familiares e pessoais, se o fizermos com antecedência suficiente, conseguimos gerar os horários e colmatar essas esses necessidades pessoais, porque vai a tempo de poder utilizar turnos de compensação que estavam em dívida para com a empresa, horas extraordinárias ou seja o que for. E depois, hoje em dia, temos uma outra ferramenta: se eu não consigo fazer a festa, portanto não consigo ter o número de pessoas necessário ao número de horas necessária dentro da empresa, eu posso recorrer a trabalho extraordinário ou posso fazer leilões de turno.
Como assim?
Portanto, eu tenho as pessoas inscritas – mesmo que não pertençam à minha empresa, mas que foram validadas pelos recursos humanos – estão inscritas numa plataforma. E quando aparece um turno onde eles disseram que estavam interessados, naquele naquele tipo de horário, digo-lhes ‘olha, há um horário agora no supermercado tal, na tua zona, na próxima quinta-feira, que se tornou disponível. Estás interessado?’ E ele faz a licitação. Diz sim ou não. E aí a empresa vai buscar as pessoas que lhe estão a fazer falta.
E como já está inserido no sistema, o vencimento até pode entrar automaticamente, porque a pessoa já está com a ficha lá.
Sim, é tudo automático. É muito usado por estudantes, por mães que estão em casa, mas que podem trabalhar em alguns dias da semana, pessoas que estão em biscates. Os biscates é uma tendência do mercado.
Pode explicar?
Já agora, aproveito para falar disso, porque eu acho que é uma coisa interessante para as pessoas saberem. Nós temos dois (ou três) fenómenos agora que tornam difícil conseguir ter pessoas para trabalhar. O primeiro é que, com o Covid, houve muita gente que estava com mais de 50 anos, 55 anos que foi dispensada e que já tinha a sua casa paga e os filhos a sair de casa. E que se safaram muito bem na vida a fazer biscates.
Portanto, essas pessoas todas – que representam aí uns 20% da massa da força de trabalho, porque se nós trabalhamos 40 anos, dos 25 aos 65, portanto dos 55 aos 65 é 25% – essa gente que se habituou a trabalhar com biscates e a ter melhor qualidade de vida. Porque escolhe quando quer trabalhar e quando não quer, porque escolhe quando vai de férias e não vai, essa gente desapareceu do mercado de trabalho. Muitos deles desapareceram e não voltaram ao mercado de trabalho. Mas gostam de fazer biscates, portanto não se importam de trabalhar uma tarde, um dia, aqui e ali, e portanto nós conseguimos abraçá-los com esta tecnologia. Com as mães é a mesma coisa. Há muito, por exemplo, no retalho. Muitas das melhores vendedoras são mães que, devido às circunstâncias, por exemplo um segundo filho, desistem de poder ter horas fixas de trabalho.
Deixam de poder fazer um horário regular?
Sim. Todos os dias da semana, não. Mas têm muitos dias, aqui e ali, onde poderiam ir trabalhar. E o empregador precisa delas, mas não tinha maneira de as acomodar ou de absorver, sem haver este tipo de tecnologia. O nosso sistema agora abraça essas pessoas, tal como abraça estudantes que querem aproveitar para ganhar dinheiro, porque há muita falta de gente na hotelaria e na restauração. E este assunto da mão de obra tem ainda uma terceira vertente que é complicada, mas que nós não resolvemos.
E qual é?
É que as pessoas, com o enriquecer das sociedades, os jovens e com o hábito que têm – que é muito bom de ir fazer Erasmus lá fora – ficam apaixonados por viajar. E então, desde que acabam o curso até se casarem ou até, talvez, terem um filho, o objectivo principal são as férias… Eu estou a falar genericamente, mas mais de 60% ou 70% dos jovens será. Então, as pessoas trabalham o necessário até ganhar dinheiro para fazer as próximas férias. E, portanto, o mundo aí está muito diferente, porque a lealdade que havia do início de carreira desapareceu. A pessoa, durante dez anos, que são outros 20% a 25% do mercado, não quer uma carreira, quer trabalhar para tirar férias.
Mas a própria empresa também gosta dessa flexibilidade, ou não? Gosta de poder de poder ter essa pool de trabalhadores à sua disposição, que pode ir buscar à medida das suas necessidades? Ou as empresas preferiam ter mais pessoas nos seus quadros full time a fazerem os turnos exactamente como como se fazia há 20 ou 30 anos?
Preferiam, sim. É muito difícil andar a tapar buracos. Porquê? Porque numa equipa há competências. Eu se for chefe de uma equipa já sei quem é que é bom a atender o cliente nos telemóveis e quem é que é bom nas televisões. Pronto, isso desaparece e é um problema. Mas pronto, é uma realidade. Portanto, as empresas não conseguem ter isso, mas gostam de ter os leilões de turnos. O terceiro ponto que eu falei não tem a ver com a nossa solução, mas é uma tendência do mercado. O que está a acontecer agora é que as empresas oferecem aos trabalhadores a hipótese de comprarem férias. Portanto, eu gosto tanto de férias que se a minha empresa me disser ‘olha, em vez de 20 dias de férias ou 25, podes-me comprar mais dez’. Tens licença sem vencimento e passa a não ser assunto. É uma maneira de conseguir manter mais esses jovens ou de eles se decidirem a ficar nessa empresa, para poder ter a sua carreira.
Há pouco não chegamos a falar mais da internacionalização.
Falou-me da Mercadona. A Sisqual fez o caminho de abrir operações em Espanha, de abrir operações no Brasil. E em Espanha ganhou efetivamente a Mercadona, que até há pouco tempo era o nosso maior cliente, com 115 mil colaboradores na Península Ibérica. Mas o ‘game changer’ não foi esse. Foi o facto de há um ano termos ganhado um concurso, finalmente, que era um grande objetivo nosso. E era uma grande frustração minha: ter o melhor software, o Workforce Management, o melhor software de gestão de mão de obra do mundo, mas que não saía de três ou quatro países. Então, finalmente ganhámos um concurso com a Metro AG, que é uma empresa alemã muito reputada a nível mundial. São donos da Makro aqui em Portugal, que nos escolheram para 25 países pela Europa e pela Euroásia fora. Portanto, inclui Turquia, Índia, Alemanha, França, Itália. Isso realmente foi uma grande vitória para a Sisqual. Trabalhávamos para isso há dez anos. Chegávamos quase sempre aos dois últimos. A Metro AG normalmente consulta seis fornecedores mundiais e reduzem para os dois que gostam mais. Nós chegámos aos dois últimos em quatro anos e, no final, éramos preteridos porque não tínhamos experiência internacional suficiente.
Mas não sendo escolhidos, nunca podiam ter a experiência necessária também…
Porque é que os nossos concorrentes têm? Isto é importante dizer-se porque os portugueses que conseguem internacionalizar-se com operações internacionais têm muito valor. Nós estamos a chegar lá, portanto não me estou a elogiar a mim, estou a elogiar os outros. Porquê? Nós, além de sermos muito pequenos, não temos multinacionais com operações lá fora. Isso é raro. Temos a Jerónimo Martins, que está em três países, temos a Sonae, que está também em três, temos a Galp.
Há a EDP também.
Sim, mas é sempre dois ou três países. Duas ou três geografias. E com duas ou três ninguém se torna mundial. Há quase 200 países, e na lista dos países ricos, há 50. Portanto, com duas a três geografias não se ganha o nome de ter experiência internacional, nem se sente internacional. E até temos algumas empresas que estão presentes em muitos países, mas é por franchising. Ora, como nós vendemos sistemas de gestão, o franchising usa os sistemas de gestão lá do país deles, não adoptam um sistema de gestão da matriz. Portanto, a Sisqual nunca conseguiu cavalgar nenhum cliente português que fosse suficientemente internacional para nos levar lá para fora. E então é caríssimo para uma empresa como a nossa abrir operações lá fora, porque demora cinco anos. Nós temos este exemplo com o Brasil e com a Espanha, porque primeiro tem que arranjar um cliente pequeno que não tenha muito a perder e que consiga convencer o dono a comprar o sistema. Isso demora dois anos, para ter referência e estar a funcionar bem. Depois desse, consegue ir a um médio. E depois, para chegar a um grande, demora três ou quatro anos e, no entretanto, está a perder dinheiro e a financiar a operação esse tempo todo.
Isso agora muda com a Metro AG, correto?
É. Nós agora, com a Metro AG, tivemos que meter 30 pessoas na empresa para ajustar o software às leis laborais destes 25 países. Mas vamos ter o sistema instalado nos 25 países. Portanto, o investimento necessário para isso está a ser financiado, indiretamente, pela Metro AG. E vamos ter a referência, uma das maiores referências do mundo. Portanto, eu chego a França e digo a qualquer empresa de supermercados ou hospitalar que temos uma proposta e ele pergunta ‘onde é que está?’. E eu digo que estou na Makro ou na Metro AG. Portanto, o cartão de visita é fantástico. O software já está adaptado. Portanto, esta dificuldade que todas as empresas portuguesas têm é uma dificuldade real.
Mas não é a única dificuldade, imagino.
Imagine vir de um país como Portugal, que vai à falência de vez em quando, e ir à Alemanha dizer que tem um software para organizar a vossa força de trabalho, ou para organizar seja o que for. É difícil de convencer. Temos esse handicap também, que é um handicap que resulta da nossa má governação. Um país que, de quando em quando, precisa de mandar vir para cá a salvação do FMI, não é um país exemplo para andar a organizar os outros países na gestão deles.
A Sisqual teve uma faturação alta no ano de 2023. Qual é que a vossa perspetiva para o ano de 2024? E quais é que são os próximos passos que vão dar à boleia desse concurso ganho na Metro AG?
Com a Metro AG ainda estamos a faturar pouco, porque é um projeto que tem um rollout longo. Mas, no entretanto, aaté este mês a nossa faturação aumentou 40%. Não sei se foi pelo nosso entusiasmo, se é coincidência, mas entre Portugal, Espanha e Brasil, a nossa faturação este ano até ao fim de Abril tinha aumentado 40%. Portanto, não vamos acreditar que isto vai continuar assim, mas no mínimo 20% este ano vamos crescer. Nós projetamos 20%, mas a contar pouco com o grupo Metro. Em 2025 é que o grupo Metro AG vai trazer um aumento grande. Será um aumento de 20%, mas acrescido dos 20% normais será 40%. Pode ser.
E qual é o próximo concurso que a Sisqual gostaria de ganhar?
Nós agora temos vários grandes, mas o nosso foco agora é abrir escritórios na Alemanha, em França e na Turquia. Na Colômbia e no México temos umas perspetivas muito grandes de vender lá grandes operadores. Portanto, dentro de um mês ou dois, poderão ser mais dois países onde vamos estar, mas nestes, como já estamos a fazer rollout da nossa solução, vamos abrir presença ou operações nesses países.
E isso vai representar que investimento por parte da Sisqual neste ano e no próximo?
Neste momento, estamos a convidar parceiros para investirem em nós. Estamos a falar de 2,5 milhões de euros para fazer este próximo crescimento, num prazo a três anos. Para o ano vamos abrir essas três e depois no ano a seguir outras cinco. Portanto, os 2,5 milhões são durante três anos para abrir em dez geografias.
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