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Terrorismo: Estado Islâmico e Talibãs disputam poder no Afeganistão

Décadas de instabilidade e o enfraquecimento das forças de segurança governamentais tornaram o Afeganistão um terreno fértil para a propagação de forças terroristas. No meio do “caos político”, os talibãs e o Daesh semeiam o medo entre os civis.
11 Fevereiro 2018, 17h20

Os recentes ataques no Afeganistão revelam uma mudança no modus operandi dos talibãs. Se antes o grupo se dedicava a ataques sectários, visando alvos específicos, hoje privilegiam ataques em grande escala contra civis, como forma de marcar a sua presença num território onde o autoproclamado Estado Islâmico tem vindo a avançar sucessivamente.

“As forças talibãs dominam hoje uma área superior à que tinham quando foram destituídos do poder na sequência da invasão norte-americana do Afeganistão”, explica André Pereira Matos, professor da Universidade Portucalense (UPT). “O grupo quer mostrar que a luta islâmica não está perdida e que, ao contrário do que os norte-americanos fizeram parecer, não desapareceram de todo”, acrescenta.

Em apenas duas semanas, foram dois os atentados terroristas levados a cabo pelos talibãs na capital do país. O Hotel Internacional de Cabul foi palco do primeiro ataque dos extremistas a alvos civis, a 20 de janeiro. Seis combatentes invadiram o hotel de luxo e, depois de terem feito explodir uma granada para abrir caminho, começaram a disparar sobre seguranças e clientes. A troca de tiros entre as forças de segurança afegãs e os insurgentes prolongou-se durante 16 horas e resultou na morte de 22 pessoas, a maioria estrangeiros.

Uma semana depois, os talibãs regressaram às ruas de Cabul com o mesmo objetivo. O grupo terá conseguido fazer passar uma ambulância por um dos postos de controlo do Exército afegão na cidade, tendo aquela explodido a poucos metros da embaixada norte-americana e do quartel-general da NATO. O ataque aconteceu à hora de almoço e apanhou desprevenidos centenas de cidadãos que circulavam pelas ruas. Ao todo morreram 103 pessoas e cerca de 230 ficaram feridas. Este foi o segundo atentado mais mortífero desde a invasão norte-americana do país, em 2001, apenas superado pela explosão de um camião-bomba em maio do ano passado, perto da embaixada da Alemanha em Cabul, que matou 150 pessoas.

Mas estes ataques não são um caso isolado e escondem uma situação muito mais complexa. André Pereira Matos afirma que “a entrada do autoproclamado Estado Islâmico no Afeganistão veio fazer eclodir uma nova vaga de ataques ainda mais mortíferos”, numa espécie de competição para ver ‘quem é que dá mais nas vistas’ com os atentados e consegue recrutar o maior número de novos combatentes.

Um novo agitar de forças

A presença das forças do Daesh no Afeganistão foi durante mais de um ano ignorada pelo Governo. Enquanto isso, o grupo terrorista anunciava a criação de um califado na Síria e no Iraque, e começava aos poucos a conquistar áreas outrora dominadas pelas forças armadas e policiais ligadas ao regime afegão presidido por Ashraf Ghani. Só depois de o Daesh ter anunciado a criação de uma base militar é que as dúvidas em relação à origem da nova vaga de ataques se dissiparam.

Curiosamente, durante este período, também os talibãs avançaram no terreno, beneficiando do enfraquecimento das forças de segurança afegãs. Apesar de as ofensivas terem ocorrido em simultâneo, os dois grupos jiadistas nunca foram aliados, apesar de serem ambos sunitas. “O Daesh tem uma visão mais universalista da luta islâmica. Querem criar um califado islâmico não só na região, mas também com uma maior abrangência territorial e, por isso, são mais flexíveis. Já os talibãs são mais radicais e conservadores. Fazem uma interpretação mais estrita da sharia (a lei islâmica) e da sua aplicação”, esclarece o professor universitário.

Além disso, o Daesh deixou claro quando entrou no Afeganistão que o seu propósito é o de se afirmar como o verdadeiro representante da maioria sunita no país, contestando a legitimidade dos talibãs, a principal força rebelde afegã desde a invasão soviética em 1979. Logo aí, a inimizade ficou explícita.

O autoproclamado Estado Islâmico terá aproveitado as fraturas internas nos talibãs para estender a sua teia de influências. A morte do seu fundador e guia espiritual, o mullah Omar, em 2013 (anunciada aos combatentes talibãs apenas dois anos mais tarde), veio iniciar uma série de dissidências entre os membros da organização e terá sido um golpe de sorte para o Daesh. O grupo liderado por Abu Bakr al-Baghdadi terá conseguido absorver vários militares que encontraram fundamento para a jiade entre os preceitos islâmicos seguidos pela organização terrorista, depois de terem acusado os talibãs de se vergarem aos interesses de Cabul, ao ponderarem assinar um acordo de partilha de poder e divisão de território nas conversações para o processo de paz.

Nas mesmas duas semanas em que foram vítimas 125 pessoas às mãos dos talibãs, registaram-se também dois atentados reivindicados pelo Daesh. O primeiro aconteceu a 24 de janeiro, quando um carro armadilhado conduzido por um bombista-suicida foi detonado à entrada dos escritórios da organização humanitária não-governamental (ONG) Save the Children, na cidade de Jalalabad, no leste do Afeganistão. Um grupo de homens armados lançaram rockets sobre as instalações e dispararam indiscriminadamente durante várias horas. A ONG confirmou pelo menos 10 mortos e 26 feridos. Na segunda-feira, dia 29 de janeiro, deu-se um novo ataque. Cinco jiadistas do autoproclamado Estado Islâmico detonaram um colete de explosivos na Academia Militar do Afeganistão, em Cabul. Onze soldados afegãos morreram e 16 terão ficado feridos.

A crescente onda de ataques no país veio pôr fim à esperança depositada pelos norte-americanos no Governo afegão, depois de em 2014 – durante o mandato presidencial de Barack Obama – Washington e Cabul terem dado por concluída a missão da NATO no país, num acordo bilateral. Cerca de 40 mil militares mantiveram-se em missão no país para formação e aconselhamento, mas a decisão de retirar as tropas da NATO veio a revelar-se um fiasco e as forças afegãs mostraram pouca resiliência para lidar com os terroristas.

“Não é que o estado afegão seja um regime falhado ou que tenha sido deixado um vazio político [após a saída das forças da NATO], mas o enfraquecimento das forças de segurança abriu caminho para que várias fações islâmicas extremistas se instalassem e realizassem uma série de ataques no país, incluindo os talibãs e o Daesh”, sublinha André Pereira Matos.

Donald Trump, assim que chegou à presidência dos Estados Unidos, implementou uma nova estratégia militar para o Afeganistão. O presidente ordenou o lançamento da bomba GBU-43, conhecida como a “mãe de todas as bombas”, contra um dos bastiões do Daesh no país e anunciou um reforço das forças norte-americanas no Afeganistão, que deve passar de 8 mil para as 16 mil. No discurso do Estado da União esta quarta-feira, Donald Trump reiterou que uma das prioridades da sua agenda política é a luta contra o radicalismo islâmico, assumindo o Daesh como alvo número um. “Vamos continuar a nossa luta até que o grupo seja derrotado”, depois de anteriormente se ter referido ao Afeganistão como “um pântano irresolúvel”.

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