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“The Guardian” na campanha do Chega: “Estranha colisão entre um casamento e uma noite de karaoke”

Uma reportagem do jornal britânico “The Guardian” esteve em Mouçós, Vila Real, a acompanhar as danças do presidente do Chega – as de salão e as políticas.
8 Março 2024, 11h14

“Para muitos eleitores portugueses descontentes, André Ventura, o antigo comentador de futebol que há cinco anos fundou o partido de extrema-direita Chega, é a escolha óbvia, numa altura em que o país se prepara para ir às urnas nas eleições legislativas antecipadas de domingo”. Sam Jones, jornalista do jornal britânico “The Guardian”, esteve esta semana a acompanhar o fenómeno do extremismo de direita português – que se inscreve num movimento europeu mais vasto e que promete uma espécie de refundação do Parlamento Europeu lá mais para o verão.

Dando nota de ter percebido o que quer dizer o slogan ‘Limpar Portugal’, o diário britânico identifica o Chega de André Ventura como um partido populista que descobriu (e escarafunchou) uma fenda no ‘sacrossanto’ sistema bipartidário nacional. Com os dois países ibéricos a serem uma espécie de campeões do bipartidarismo – ambos soçobraram mais ou menos ao mesmo tempo e sempre com o patrocínio da extrema-direita.

Diz o “The Guardian” que “as sondagens sugerem que, embora o Chega deva terminar em terceiro lugar, atrás do PSD, de centro-direita, e do PS, no poder, nas eleições, poderá ter entre 15% e 20% dos votos, tornando-se um potencial candidato a uma nova governação de direita”.

Presente num ato de campanha do Chega de André Ventura que misturava discurso político com dança, o jornal considerou que “se o ambiente na grande sala de eventos não era bem o de um concerto de rock de estádio – parecia mais uma estranha colisão entre um casamento familiar, uma noite de karaoke, dança de celeiro e palestra política –, as boas-vindas ao líder do Chega foram ruidosas”.

E depois segue a reportagem entre os presentes. “Diamantino de Sá Alves, 73 anos, membro reformado da GNR, aguardava a chegada de Ventura, com um lenço do Chega ao pescoço e uma bandeira do partido na mão. “A razão pela qual estou aqui esta noite é muito simples”, disse. “Votei em todos os partidos, mas acho que atualmente o Chega é o que oferece a melhor opção de mudança.” E disse que Ventura foi o único político no parlamento “cujas palavras o povo português consegue compreender verdadeiramente”.

A reportagem identificou as frases-chave de que Ventura falou – o combate a “50 anos de corrupção” e a “50 anos de impostos que foram usados para apoiar parasitas”; e as de que não falou: os ataques à população cigana, “uma comunidade que já tentou demonizar como tendo um problema crónico de dependência de benefícios, delinquência e violência”, e à imigração em geral.

O “The Guardian” dá voz a André Azevedo Alves, investigador da Universidade Católica e da Universidade de Santa Maria, em Londres, que atribui a subida contínua do Chega de André Ventura – obteve 1,3% dos votos nas eleições de 2019 e 7,2% em 2022 – ao aproveitamento do descontentamento. “É Ventura a sentir que há uma oportunidade política por causa deste descontentamento generalizado com a classe política, à esquerda e à direita”, disse. “Acho que essa é uma das principais coisas de que o Chega se alimenta.” “Para uma parte significativa dos eleitores que se alinhariam com o Chega”, acrescentou, a habitação, os serviços públicos e os salários continuam a ser as questões-chave nas eleições – daí os esforços de Ventura para martelar os dois maiores partidos pelo seu fracasso em melhorar as coisas para o português médio”.

O outro fator importante para a ascensão do Chega, disse Azevedo Alves, foi o próprio Ventura. “Acho que parte da razão pela qual teve existe esta exceção portuguesa de não ter um partido de direita radical bem-sucedido é porque até 2019, quando Ventura entrou no parlamento, não havia um político suficientemente qualificado que fosse capaz de capitalizar isso”, disse.

“Tivemos partidos de direita radical e de extrema-direita em Portugal nos últimos 50 anos, mas não conseguiram entrar no parlamento. Para ser franco, é porque eles foram realmente estranhos.” Ventura, ao contrário, é plausível – e pragmático e não profundamente ideológico. “Ele sabe mudar o seu discurso para atrair diferentes grupos de eleitores”, disse Azevedo Alves. “Pessoalmente, não acho que ele seja muito ideológico – e acho que essa também é uma diferença importante quando se compara Ventura com outros líderes de direita radical na Europa.”

Azevedo Alves disse: “Se houver uma maioria clara à direita, não acho que Montenegro vá voltar atrás na sua palavra e chegar a Ventura para um acordo. Mas acho que haverá uma pressão enorme sobre a direita para não permitir que o partido socialista derrotado continue no poder porque os partidos à direita não conseguem encontrar qualquer forma de acordo.”

“Prematuramente ou não, o clima no salão de banquetes de Mouçós era de júbilo e o evento incluiu um baile pós-jantar. Uma das últimas músicas tocadas – e cantadas com carinho foi ‘Conquistador’, dos Da Vinci, canção de Portugal no Festival Eurovisão de 1989, fala em “levantar bandeiras orgulhosas”, enumera as conquistas coloniais de Portugal – do Brasil a Angola e de Goa a Macau – e lembra que “já fui um conquistador”. É o que o Chega de André Ventura quer ser.

 

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