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Thomas Piketty: “Capitalismo de Trump é frágil e desesperado”

A Europa tem os meios para enfrentá-lo, desde que recupere a confiança em si mesma, forme novas alianças e analise com calma os pontos fortes e as limitações desta matriz ideológica, diz o economista no ‘Le Monde’.
18 Fevereiro 2025, 12h56

Thomas Piketty, um dos mais reputados economistas europeus – autor de ‘O capital no século XXI’ – e diretor de Estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da Escola de Economia de Paris, não tem dúvidas: “O capitalismo nacional trumpista gosta de exibir a sua força, mas é, na realidade, frágil e desesperado”, escreve em crónica impressa pelo jornal francês ‘Le Monde’.

“Os Estados Unidos, que vêm seguindo más políticas desde Reagan, estão prestes a perder o controlo do mundo”, afirma o economista: o atual endurecimento nacionalista agravará esse declínio “e acabará dececionando as expectativas populares”. “Para quem tinha dúvidas, Donald Trump pelo menos tem o mérito de esclarecer as coisas: a direita existe e fala alto. Como muitas vezes aconteceu no passado, ela assume a forma de uma mistura de nacionalismo brutal, conservadorismo social e liberalismo económico desenfreado”.

Para Thomas Piketti, aquilo a que chama o trumpismo “poderia ser chamado de liberalismo nacional ou, mais precisamente, capitalismo nacional. As investidas de Trump sobre a Gronelândia e o Panamá demonstram o seu apego ao capitalismo autoritário e extrativista mais agressivo, que é basicamente a forma real e concreta que o liberalismo económico mais frequentemente assumiu na história”.

“A Europa tem os meios para enfrentá-lo, desde que recupere a confiança em si mesma, forme novas alianças e analise com calma os pontos fortes e as limitações desta matriz ideológica”. Para Piketti, “a Europa está bem posicionada para isso: há muito tempo que baseia seu desenvolvimento num modelo militar-extrativista semelhante, para o bem e para o mal”.

“Se o Partido Republicano se tornou tão nacionalista e virulento em relação ao mundo exterior, é, em primeiro lugar, por causa do fracasso das políticas de Reagan, que deveriam impulsionar o crescimento, mas apenas o reduziram e levaram à estagnação do rendimento da maioria. A produtividade dos EUA, medida pelo PIB por hora trabalhada, era o dobro do nível europeu em meados do século XX, graças ao avanço educacional do país. Desde a década de 1990, está ao mesmo nível dos países europeus mais avançados (Alemanha, França, Suécia e Dinamarca), com diferenças tão pequenas que não podem ser distinguidas estatisticamente”.

Perante aquilo que parece mas não é a maravilhosa economia dos EUA, o economista refere que os analistas que assim pensam “esquecem que essas capitalizações são explicadas pelo poder monopolista de alguns poucos grandes grupos e, de forma mais geral, que os valores astronómicos em dólares resultam em grande parte do altíssimo nível de preços impostos aos consumidores americanos”. É como analisar a evolução dos salários esquecendo a inflação, refere. “Se raciocinarmos em termos de paridade de poder de compra, a realidade é muito diferente: a diferença de produtividade com a Europa desaparece completamente”.

Com essa medida, recorda, “vemos também que o PIB da China superou o dos Estados Unidos em 2016. Atualmente, é mais de 30% maior e chegará ao dobro do PIB dos EUA até 2035. Isso tem consequências muito concretas em termos da capacidade de influenciar e financiar investimentos no Sul, principalmente se os Estados Unidos se aprisionarem na sua postura arrogante e neocolonial. A realidade é que os Estados Unidos estão prestes a perder o controlo do mundo, e as investidas de Trump não mudarão isso.

“A força do capitalismo nacional é exaltar a vontade de poder e a identidade nacional, ao mesmo tempo em que denuncia as ilusões dos discursos fantasiosos sobre harmonia universal e igualdade entre classes. A sua fraqueza é que ele esbarra em conflitos entre poderes e esquece que a prosperidade sustentável requer investimentos educacionais, sociais e ambientais que beneficiem todos”.

E deixa um conselho: “face do trumpismo, a Europa deve primeiro permanecer ela mesma. Ninguém no continente, nem mesmo a direita nacionalista, quer regressar às posturas militares do passado. Em vez de gastar os seus recursos em escaladas sem fim (Trump agora exige orçamentos militares que cheguem a 5% do PIB), a Europa deve basear a sua influência na lei e na justiça. Com sanções financeiras direcionadas e realmente aplicadas a alguns milhares de líderes, é possível fazer com que a voz de alguém seja ouvida de forma mais eficaz do que empilhando tanques em hangares. Acima de tudo, a Europa deve ouvir a procura por justiça económica, fiscal e climática vinda do Sul. Deve renovar os investimentos sociais e ultrapassar definitivamente os Estados Unidos em formação e produtividade, como já fez em saúde e expectativa de vida. Depois de 1945, a Europa foi reconstruída graças ao bem-estar social e à revolução social-democrata. Este programa não está completo: pelo contrário, deve ser considerado como o início de um modelo de socialismo democrático e ecológico que deve agora ser pensado a uma escala global.

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