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Três anos de guerra na Ucrânia: líderes europeus em Kiev, americanos ausentes

Os Estados Unidos ficaram fora da cerimónia que assinalou os três anos de guerra na Ucrânia, dando mostras do inesperado afastamento da Casa Branca. Novas sanções a Moscovo marcaram a data.
Bucha, Ucrânia
25 Fevereiro 2025, 07h00

A Ucrânia recebeu dezenas de líderes europeus esta segunda-feira para marcar três anos de guerra com a Rússia, ao mesmo tempo que as autoridades norte-americanas fizeram questão de estar ausentes, marcando assim uma nova fase do relacionamento entre a Casa Branca e o presidente Zelensky – a que corresponde a tentativa de reatar relações entre Washington e Moscovo.

Na ‘ressaca’ de ter sido apelidado de “ditador não eleito” pelo presidente dos Estados Unidos, Volodymyr Zelensky recebeu dezenas de personalidades. A ‘lista de presenças’ era, numa altura em que a Europa assegura total empenhamento na Ucrânia, impressionante. Eram esperados 13 líderes com participação pessoal: o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez, o primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau, o presidente letão Edgars Rinkēvičs, o presidente lituano Gitanas Nausėda e a primeira-ministra estoniana Kristen Michal, que chegaram logo depois de António Costa, presidente do Conselho Europeu, e de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão. O presidente finlandês Alexander Stubb, a primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen, o primeiro-ministro norueguês Jonas Gahr Støre, o primeiro-ministro islandês Kristrún Frostadóttir e o primeiro-ministro sueco Ulf Kristersson também estavam na capital ucraniana. Até o antigo primeiro-ministro britânico Boris Johnson ‘impôs’ a sua presença.

Num contexto em que Zelensky se recusou a assinar um rascunho de acordo com Washington – que quer tomar posse da riqueza natural da Ucrânia – a Europa levou para Kiev mais uma mala de dinheiro, 3,5 mil milhões de euros (uma tranche do plano de ajuda de 50 mil milhões) e novas sanções decretadas contra Moscovo.

A União Europeia decidiu, na passada semana, impor uma nova ronda de sanções contra a Rússia, apesar da pressão de Donald Trump para a realização de negociações sobre o destino da Ucrânia. A decisão foi deliberadamente programada para chegar na véspera do terceiro aniversário da invasão russa da Ucrânia. É o 16.º pacote de restrições desde fevereiro de 2022. As novas sanções introduzem uma proibição das importações de alumínio primário russo, ideia que foi debatida no passado, mas nunca aprovada devido à reticência de alguns Estados-membros, preocupados com o impacto económico da medida nos seus mercados internos. A UE já tinha proibido certos produtos de alumínio provenientes da Rússia, como cabos, tubos e canos, embora estes representassem apenas uma fração das compras. Agora, a proibição é alargada ao alumínio primário, que é vendido sob a forma de lingotes, placas e biletes e que representa a maior parte do valor importado, detalha a mesma fonte. Para além do metal bruto, o pacote de sanções alarga a lista negra contra os petroleiros pertencentes à ‘frota sombra’ da Rússia, que o Kremlin utilizou para contornar as restrições ocidentais ao comércio de petróleo e manter uma fonte de receitas que é crucial para financiar a guerra contra a Ucrânia.

Também o Reino Unido impôs mais um pacote de sanções a Moscovo, o maior de sempre, visando a ‘frota fantasma’ e empresas estrangeiras que fornecem peças militares à Rússia, disse o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, esta segunda-feira. “Mais tarde hoje, discutirei outras medidas com o G7. E estou certo de que o grupo deve assumir mais riscos, incluindo o teto do preço do petróleo, sancionando as gigantes petrolíferas russas e perseguindo bancos que estão a permitir a evasão às sanções”, disse Starmer num discurso em vídeo na cimeira de Kiev. O novo pacote de sanções contém uma lista de 107 entradas, incluindo empresas sediadas na Ásia Central, China, Índia e Turquia que produzem e fornecem bens de uso duplo aos militares russos. A lista também inclui 40 embarcações da frota paralela usadas para evitar as sanções, 14 oligarcas russos, instituições financeiras que apoiam o esforço de guerra da Rússia e o ministro da Defesa norte-coreano, No Kwang Chol (e outros generais e altos funcionários norte-coreanos). Starmer recordou que o Reino Unido está pronto para fornecer à Ucrânia cerca de cinco mil milhões de euros em ajuda militar em 2025, a quantia anual mais volumosa fornecida desde o início da guerra.

A Austrália e a Nova Zelândia também anunciaram sanções adicionais contra a Rússia.

Entretanto, o presidente do Conselho Europeu disse hoje em Kiev que a União Europeia está disponível para “fazer tudo o que for necessário para a sua segurança e continuar a apoiar a Ucrânia”, defendendo mais apoio financeiro e militar. Citado pela Lusa, Costa afirmou que “a União Europeia está disposta a fazer tudo o que for necessário para a sua segurança e a continuar a apoiar a Ucrânia e é por isso que vou convocar um Conselho Europeu extraordinário para a próxima semana, no dia 06 de março, sobre o apoio à Ucrânia e o reforço da defesa da Europa, trabalhando em estreita colaboração com a Comissão Europeia e com a presidente Ursula von der Leyen”. Intervindo na Cimeira Internacional de Apoio à Ucrânia, em Kiev, que assinala o terceiro aniversário da invasão russa, Costa assegurou que a UE está pronta “para aumentar o apoio financeiro e militar à Ucrânia e para construir o futuro da Ucrânia na UE”. “Não haverá negociações credíveis e bem-sucedidas, não haverá paz duradoura sem a Ucrânia e sem a UE. Só a Ucrânia pode decidir quando estão reunidas as condições para iniciar esta negociação”, afirmou ainda hoje o presidente do Conselho Europeu.

O ano da paz

“Este ano deve ser o ano do início de uma paz real e duradoura. Putin não nos dará esta paz de presente, nem a dará em troca de nada. Temos de ganhar a paz pela força, sabedoria e unidade”, disse Zelensky. “Nesta luta pela sobrevivência, não é apenas o destino da Ucrânia que está em jogo. É o destino da Europa”, escreveu Ursula von der Leyen nas redes sociais, regressando a uma retórica que a Europa sustenta desde há três anos.

Segundo a imprensa ucraniana, a extensa comitiva prestou homenagens aos soldados ucranianos mortos na guerra, permanecendo em silêncio diante de um memorial feito de bandeiras na praça central de Kiev. Sirenes de ataque aéreo soaram quando se encontraram para conversas mais tarde, embora nenhum ataque de míssil tenha ocorrido. Segundo as mesmas fontes, milhares de cidadãos ucranianos morreram e mais de seis milhões vivem como refugiados no exterior desde que Putin ordenou a invasão por terra, mar e ar. As perdas militares são já catastróficas, embora permaneçam um segredo bem guardado. Estimativas públicas ocidentais baseadas em relatórios de inteligência variam muito, mas a maioria diz que centenas de milhares foram mortos ou feridos de cada lado das trincheiras.

Na noite anterior ao dia da comemoração, a Rússia lançou 185 drones contra a Ucrânia, mas não causou danos significativos, disse a força aérea do país, citada pelos jornais locais. Kiev disse que atingiu a refinaria russa de Ryazan, continuando a sua campanha para atingir as infraestruturas inimigas ligadas à produção de petróleo.

Entretanto, neste dia da cimeira, Zelensky revelou ter conversado com Donald Trump durante a reunião online do G7, esta segunda-feira. “Acabámos de ter uma conversa. Foi uma conversa muito boa dentro da estrutura da reunião do G7 liderada pelo Canadá”, disse Zelensky, agradecendo a Ottawa pela organização do telefonema. O presidente ucraniano expressou esperança de que os EUA mantenham o apoio à Ucrânia, enfatizando a necessidade de preservar a unidade entre Washington e os aliados europeus.

Uma batalha com três anos

Depois de quase um ano em que a guerra baixou de intensidade – e quase desapareceu dos jornais depois do início do conflito entre Israel e a Palestina – a chegada de novo ao poder de Donald Trump mudou tudo. E o tema está agora enquadrado pelas negociações diretas entre Estados Unidos e Rússia, com a exclusão tanto da própria Ucrânia como da totalidade dos países europeus. Autoridades americanas e russas realizaram conversas na Arábia Saudita em 18 de fevereiro passado, com uma reunião de acompanhamento agendada para 25 de fevereiro – mas cuja realização chegou a ser desmentida por Moscovo, o que deu mostras inequívocas de que Trump não consegue impor a sua agenda a Putin.

Nenhuma proposta formal de paz saiu do encontro de Riad, mas o certo é que foi a partir daí que a retórica de Trump para com a Ucrânia e particularmente com Zelensky mudou radicalmente. Para grande admiração do resto do mundo, a Ucrânia passou a ser a culpada pelo início da invasão russa e o presidente passou rapidamente à condição de ‘descartável’, até porque é um “ditador não eleito” e não pode representar o povo ucraniano, segundo Trump. Do seu lado, JD Vance, o vice-presidente, afirmou que Zelensky “é um ingrato” por não reconhecer a bondade da Casa Branca.

Foi talvez essa bondade que fez com que a administração da Casa Branca esteja agora a pressionar Zelensky para que abra mão da riqueza mineral do país, arriscando assim perder o solo para a Rússia e o subsolo para os Estados Unidos. A proposta inicial dos EUA tentava uma participação de 50% nos recursos naturais da Ucrânia, incluindo minerais essenciais, petróleo e gás, bem como participações em portos e outras infraestruturas importantes por via de um fundo de investimento conjunto – mas não compreendia qualquer medida que pudesse garantir o território da Ucrânia. Trump também pediu a reintegração da Rússia no G7, argumentando que a expulsão de Moscovo em 2014, após a anexação da Crimeia, foi “um erro”.

De qualquer modo, e segundo a imprensa ucraniana, as negociações entre os EUA e a Ucrânia sobre o uso dos recursos naturais estão nos “seus estágios finais”, já que “quase todos os detalhes importantes foram fechados”, disse a vice-primeira-ministra para a Integração Europeia e Euro-Atlântica e ministra da Justiça, Olha Stefanishyna, esta segunda-feira. “Estamos comprometidos em concluir isso rapidamente para prosseguir com a sua assinatura”, disse Stefanishyna, e, embora tenha elogiado as negociações como “construtivas”, não forneceu detalhes sobre as deliberações ou o conteúdo do acordo. “Esperamos que os líderes dos EUA e da Ucrânia assinem o acordo em Washington o mais rápido possível para mostrar o nosso comprometimento nas próximas décadas”, disse Stefanishyna.

Para trás ficaram três anos de uma guerra que ficou marcada pelos veementes pedidos de Kiev e as dificuldades de a Europa aceitar esses pedidos em toda a sua extensão. A ‘novela’ em torno dos mísseis e dos carros de combate (os famosos Leopard) que Zelensky pedia, mas a Europa não queria fornecer, estendeu-se por vários meses, para desespero de Kiev. Para os observadores – e repetindo uma forma de atuação que é sempre mais reativa do que pró-ativa – os europeus tiveram de ser confrontados com a mudança da administração norte-americana para finalmente demonstrarem um empenhamento e uma união que nunca tinham conseguido antes.

Para trás fica também, como um momento importante, o acordo em torno da possibilidade de exportação dos cereais ucranianos, o chamado Acordo do Mar Negro, mediado em primeira instância pela Turquia – país da NATO que entretanto perdeu o seu posicionamento como interlocutor privilegiado entre os dois beligerantes – e depois pela ONU.

A organização liderada por António Guterres também teve dias difíceis por causa da invasão. Guterres foi acusado de ter reagido muito tarde à invasão e de não ter feito tudo para acabar com ela. Para a história fica o facto de se ter encontrado primeiro com Vladimir Putin e só depois com Zelensky – mas o secretário-geral tinha de gerir o facto de a Rússia ser um dos cinco países do Conselho de Segurança da ONU, o que não era despiciendo.

Ainda na ONU, esta segunda-feira, os Estados Unidos abstiveram-se (como já tinham anunciado) na votação sobre uma resolução elaborada para marcar o terceiro aniversário da invasão, depois de a Assembleia Geral concordar em adicionar uma linguagem de apoio a Kiev ao texto de Washington. A votação foi considerada uma vitória para as nações europeias preocupadas com as propostas dos EUA à Rússia por parte de Donald Trump nas negociações para acabar com a guerra. O rascunho original dos EUA tinha três parágrafos: lamentando a perda de vidas durante o “conflito Rússia-Ucrânia”, reiterando que o principal propósito da ONU é manter a paz e a segurança internacionais e resolver disputas pacificamente, e pedindo um fim rápido para o conflito e uma paz duradoura. Mas as emendas europeias acrescentaram referências à invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia e à necessidade de uma paz justa, duradoura e abrangente, em conformidade com a Carta fundadora da ONU, e reafirmaram o apoio da organização à soberania, independência, unidade e integridade territorial da Ucrânia. “Várias resoluções exigiram que a Rússia retirasse as suas forças da Ucrânia. Essas resoluções falharam em parar a guerra”, disse, citada pela imprensa norte-americana, a embaixadora interina dos EUA, Dorothy Shea (escolhida por Trump), antes da votação. “O que precisamos é de uma resolução que marque o compromisso de todos os Estados-membros da ONU em conseguir um fim duradouro para a guerra”.

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