O anúncio feito pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nesta quarta-feira, de que produtos brasileiros passarão a ter uma tarifa de 50% a partir de agosto apanhou de surpresa os diversos setores da economia, que defendem uma negociação por vias diplomáticas e o distanciamento do Brasil de questões geopolíticas.
Na carta em que anunciou o imposto, Trump citou o ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) num processo que apura sua participação na trama golpista de 2022.
José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que a tarifa anunciada não é uma medida económica. “É certamente uma das maiores taxações a que um país já foi submetido na história do comércio internacional, só aplicada aos piores inimigos, o que nunca foi o caso do Brasil”, diz.
A leitura de que se trata de uma medida política é também expressada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que vê impactos graves no setor. Numa nota, a instituição defende a intensificação das negociações com Trump para “preservar a relação comercial histórica” e também a necessidade de uma “comunicação construtiva”.
Para José Ricardo Roriz, presidente do conselho de administração da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), o Brasil “perdeu uma grande oportunidade de ficar fora do cenário de guerras e disputas comerciais”.
No setor que ele representa, o efeito do ‘tarifaço’ deve ser pulverizado por diversos segmentos da indústria e do agronegócio. “Qualquer produto manufaturado é embalado por plástico ou feito de plástico.” Roriz considera que, nesse nível de tarifa, as exportações ficam praticamente inviabilizadas, especialmente as de produtos mais caros, de maior valor agregado.
Marcos Matos, diretor-executivo do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), diz que a entidade acompanha com atenção o anúncio e que vem, junto à National Coffee Association e às empresas que a integram, trabalhando numa agenda positiva para tratar da taxação.
Os Estados Unidos representam, para a indústria do café, o maior mercado consumidor do mundo. O Brasil tem cerca de 30% desse mercado.
Segundo Matos, um dos argumentos dessa agenda positiva vem do quanto o café movimenta na economia americana –o conselho calcula que um dólar de café importado gere 43 dólares localmente; em empregos, o setor possui 2,2 milhões de postos de trabalho.
“Temos a esperança de que o bom senso prevaleça e a previsibilidade de mercado, porque nós sabemos que quem vai ser onerado é o consumidor norte-americano. E tudo que gera impacto sobre o consumo é ruim para o fluxo do comércio, é ruim para a indústria.”
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) afirmou numa nota que “qualquer aumento de tarifa sobre produtos brasileiros representa um entrave ao comércio internacional e impacta negativamente o setor produtivo da carne bovina”.
Os Estados Unidos são hoje o segundo maior comprador de carne bovina do país, com uma participação de 12,33% no volume total exportado no primeiro semestre, com 181,3 mil toneladas. O volume mais do que dobrou em relação ao mesmo período de 2024, com a proteína brasileira a despontar como alternativa para complementar a escassez da produção local.
Afirmou ainda que “segue atenta e à disposição para contribuir com o diálogo, de modo a que medidas dessa natureza não gerem impactos para os setores produtivos brasileiros nem para os consumidores americanos.”
Na indústria têxtil, os efeitos da decisão de Donald Trump serão diretos e indiretos, mas o risco é o de inviabilizar o comércio com o país. “Uma tarifa de 50% coloca-nos fora do mercado”, afirmou à Folha o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel.
Os Estados Unidos representam apenas 7% das exportações brasileiras de têxteis, contudo, elas estão concentradas em produtos de maior valor agregado, de marcas famosas ou nichos, como a moda praia.
O setor tornou-se uma grande aposta após as tarifas impostas à China, que melhoraram a competitividade da produção nacional. “Recebemos recorde de empresas interessadas em participar numa feira na China em setembro. As pessoas estavam animadas”, conta Pimentel.
Os impactos diretos, portanto, serão sobre o preço das exportações de empresas já estabelecidas no país e pelo fecho de oportunidades para novos exportadores. “A gente vinha tentando ganhar espaço e agora perderemos.”
Indiretamente, Pimentel diz que as tarifas devem impactar também as vendas no Brasil, ao afetar outros setores da economia e, em consequência, a atividade económica do país. “O Brasil tem uma balança com os Estados Unidos de bens de maior valor agregado.”
Na indústria do calçado, a percepção também é a de interrupção de um processo de recuperação de mercado. Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), diz que o anúncio é um “balde de água fria”.
Os Estados Unidos são o principal destino do calçado brasileiro no exterior. Em junho, 1 milhão de pares entraram no país, pelos quais as indústrias receberam 20,76 milhões de dólares, um crescimento em volume (39,4%) e em receita (25,4%) na comparação com o mesmo período do ano passado.
Deficitário nas relações com os Estados Unidos e alvo de ataque de produtos americanos, o setor químico pode beneficiar de uma eventual resposta brasileira à tarifa de 50%.
O setor teve um défice comercial de 8 mil milhões de dólares em 2024, com exportações de 4 mil milhões de dólares e importações de 12 mil milhões de dólares. A enxurrada de produtos americanos, principalmente resinas termoplásticas, levou a utilização da capacidade do setor ao pior nível desde os anos 1990.
“Se o governo adotar reciprocidade, é bem possível que mercado americano acabe se saindo mais prejudicado do que o brasileiro”, disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Cordeiro. “A gente espera que se abra um processo de negociação para que as coisas voltem ao normal, mas como as razões são políticas, esse processo pode ser mais difícil”, completou.
O setor de aço já tinha tarifas de 50% desde o ‘tarifaço’ de Trump em abril e entendemos que a nova alíquota anunciada nesta quarta não será cumulativa, disse o presidente do Instituto Aço-Brasil, Marco Polo de Mello Lopes.
Mas teme que o “stress político” interrompa negociações sobre o estabelecimento de quotas para vendas de aço brasileiro no mercado americano sem as tarifas. “Todo o trabalho que vinha sendo muito bem feito pela diplomacia brasileira para renovar o acordo de quota de 2018, essa busca da renovação provavelmente vai sofrer algum prejuízo por conta dessa situação”, afirmou.
Produtos siderúrgicos representam quase 10% das exportações do Brasil para os Estados Unidos, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio (Mdic). Para o setor, o mercado americano representa cerca de 40% das exportações.
A Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), uma das mais atuantes bancadas do Congresso, disse numa nota que o anúncio de Trump representa “um alerta ao equilíbrio das relações comerciais e políticas entre os dois países.”
Para a frente, que com frequência se posiciona como oposição ao governo Lula (PT), a saída diplomática é “o caminho mais estratégico para a retomada das tratativas.” A entidade defendeu, em comunicado, uma resposta firme e estratégica. “É momento de cautela, diplomacia afiada e presença ativa do Brasil na mesa de negociações.”
Também do Congresso, a Frente Parlamentar pelo Livre Comércio disse que a tarifa é “consequência direta das violações à liberdade de expressão, ao Estado de Direito e à segurança jurídica promovidas por autoridades brasileiras.”
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