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Turismo ‘on the road again’

Há quem diga que a geração Instagram se rendeu às ‘road trips’, há quem não prescinda da liberdade sobre rodas há largos anos e há também os estreantes nestas andanças. Certo é que o negócio de aluguer de autocaravanas e ‘campervans’ não para de crescer.
8 Setembro 2018, 20h10

“Viajar! Perder países! Ser outro a cada dia”, já escrevia Fernando Pessoa. E nós arriscamos dizer que tem duas opções:

1. Ou corre para o check-in no aeroporto e enfrenta uma fila de passageiros à beira de um ataque de nervos, e ainda descobre que a bagagem tem excesso de peso e que terá de pagar um valor extra para ter o lugar que mais lhe agrada – sim, se viajar numa companhia low cost é o que o espera; ou,

2. Escolhe “ser outro” e ter pela frente uma paisagem diferente a cada dia. Em suma, pode fazer-se à estrada e ter a última palavra sobre o percurso, destino e com quem quer partilhar essa odisseia. Entre autocaravanas e campervans, a escolha é sua quando o que está em jogo é fugir a hotéis, aviões e aeroportos, para viajar ao seu ritmo, sem dia nem hora marcada, e mudar de planos as vezes que quiser.

Na era do turismo massificado, há quem diga que “viajar sobre rodas” é regressar à liberdade de movimentos, ao espírito de partilha e de comunidade. Em países como a Austrália, Nova Zelândia, EUA e Reino Unido, é uma forma de estar com várias décadas de história. Por cá, não sendo novidade, ganhou estatuto de tendência e tem conquistado cada vez mais pessoas que procuram formas alternativas de viajar. Não será um back to basics, pois a oferta no mercado, não chegando ao luxo, já atinge níveis de conforto e customização interessantes. A liberdade de surfar a estrada sem passar pela receção para fazer check-in e check-out é um dos argumentos mais invocados por quem aluga este tipo de veículos para fazer férias.

Portugal, um destino desejado

Tennessee Williams escreveu que “há um tempo para partir, mesmo quando não há um lugar certo para ir”, mas, ao que parece, há um “lugar certo”. Já sabemos que Portugal está na moda, mas também ficámos a saber que foi um dos países mais pesquisados pelos utilizadores da plataforma Yescapa, a startup que nasceu em França em 2012, desde a sua criação. Julie Da Vara, Chief Operating Officer, refere a propósito que, “em 2017, Portugal foi o destino mais pesquisado pelos utilizadores franceses e alemães”. A plataforma cresceu para outros países europeus – Espanha, Alemanha, Itália e Inglaterra – e chegou este ano a Portugal. Porquê? Porque é um destino que “se presta muito a esta forma de viajar. Tem uma grande diversidade de recursos naturais, culturais e gastronómicos, além de ser um dos destinos mais desejados pelos surfistas”. Segundo a European Caravan Federation, o número de novas matrículas de autocaravanas e campervans em Portugal registou um crescimento de 123,1% entre 2016 e 2017.

Por cá, a plataforma foi lançada em junho e já conta com “mais de três mil utilizadores portugueses com conta ativa e cerca de 160 veículos para alugar. Num só mês, passámos de 200 visitas por dia para cerca de oito mil no site”, diz Julie. Aos estrangeiros, sendo que a nacionalidade que se destaca é a alemã, juntam-se os portugueses que querem viajar pelo país e pela Europa sobre rodas. No total, a comunidade que aderiu a esta plataforma “ronda os 220 mil utilizadores” e disponibiliza “mais de cinco mil veículos em toda a Europa”.

Na Yescapa existe uma vasta panóplia de marcas e modelos, mas os clientes “procuram mais as Volkswagen Transporter por serem muito fáceis de conduzir, e também por terem um toque hippy que as pessoas gostam. Assim como as autocaravanas Capucino (sem preferência específica de marca) porque têm mais lugares e as crianças adoram dormir na cama que fica por cima do lugar do condutor”, explica Julie da Vara.

Os preços variam consoante a época do ano e o tipo de veículo pretendido, mas para ter uma ideia, as campervans oscilam entre 30 e 70 euros/dia, enquanto as autocaravanas custam entre 50 a 95 euros por dia. A empresa aconselha os proprietários dos veículos na definição do valor a cobrar, “em função do tipo/modelo, equipamentos e número de quilómetros, e os preços indicados no site incluem o seguro e os custos de serviço”. A empresa é igualmente responsável pelas questões relacionadas com a segurança, como a verificação da identidade dos proprietários e do estado operacional de todos os veículos disponíveis na plataforma.

Em Portugal, a operação da Yescapa tem duas mulheres à frente do leme, Julie Da Vara, que acumula as funções de COO e Country Manager, e Carolina Azevedo, Business Developer. Nos quase três meses de atividade em terras lusas, o volume de negócios já ronda os 110 mil euros, sendo que “estão muito otimistas quanto ao desempenho nos próximos meses”, sublinha Julie.

Sonhar em família

A escala do negócio não é um problema e, em certos casos, é o conceito de empresa familiar que prevalece. É o caso da The Getaway Van, que nasceu de uma promessa de Abílio e Graça Ferreira ao filho Paulo, hoje com 36 anos. Na reforma, iriam comprar uma autocaravana e fazer-se uma vez mais à estrada, deixando para trás a roulotte que lhes servira de abrigo. Aí chegados, pensaram: “Porque não comprar meia dúzia, em vez de uma, e montar um negócio?” Com a possibilidade de “aproveitar as épocas baixas para fazer umas escapadinhas também”.

A empresa arrancou em finais de 2014 com três veículos, está sediada no Porto e aposta com “carinho” na divulgação do Norte do país. “Para isso estabelecemos uma rede de parcerias com operadores locais nas áreas de aventura e lazer, surf e parques de campismo. Cada cliente leva consigo um dossiê completo com sugestões de itinerários ajustados às suas preferências e uma lista de parceiros onde podem receber descontos nos seus serviços”, explica Cláudia Gonçalves, responsável de marketing e comunicação da The Getaway Van.

“Somos uma empresa pequenina e assim queremos continuar”. Até porque a qualidade passa pela “customização e muita proximidade, acompanhamento e ajuda durante a viagem do cliente”, realça. “Criámos também um grupo no Facebook, Getaway Suggestions, onde fazemos algumas sugestões de eventos e locais a visitar, e onde todos podem também partilhar as suas sugestões”, diz Claúdia, um dos cinco elementos que compõem atualmente a equipa da The Getaway Van.

Não foi só a equipa que cresceu, a frota também. A empresa passou a ter seis Ford Transit Custom, “curtas e de teto alto. Todas iguais, mas todas diferentes. O motor é de 2000 cm3, com 125hp, o que faz com que a performance em estrada  e cidade seja idêntica à de um automóvel normal. São frequentes os elogios dos clientes quanto ao seu desempenho. Dizem que são uma agradável surpresa”, esclarece Cláudia. “Nos próximos três anos, o objetivo é chegar às dez unidades, uma vez que os pedidos de reserva vão muito além da nossa capacidade de resposta em termos de oferta”, acrescenta.

Há sazonalidade? Há. “Os meses de janeiro a março teimam em manter níveis de ocupação bastante baixos”, mas a evolução da faturação líquida desde 2015 a julho deste ano tem evoluído muito positivamente. Em 2017, ainda com três veículos, as receitas atingiram os 73.500 euros. Em 2018, só no primeiro semestre, passaram os 40 mil euros, sendo que a empresa estima alcançar no final do ano a fasquia dos 110 mil euros, com seis viaturas no ativo.

As Ford Transit adquiridas pela empresa acomodam confortavelmente quatro pessoas. O banco do passageiro da frente pode rodar para trás para conversas mais intimistas e pode também levantar uma mesa entre os bancos da frente e de trás para uma refeição mais cómoda. A bancada inclui lava-loiças e fogão elétrico, além de um minifrigorífico, cofre, painel solar, depósitos de água e resíduos, sistema GPS, wi-fi e, não menos importante, móveis com arrumação e uma sanita química. Em “modo noturno”, a carrinha disponibiliza duas camas de casal. Os preços do aluguer variam entre os 59 e os 119 euros por dia, dependendo da época do ano. Tal como o tempo mínimo de aluguer, que, em julho e agosto, é de cinco dias. Ao aluguer acresce o valor do seguro escolhido.

A origem dos clientes é muito diversa, mas a nacionalidade que mais se destaca é a alemã, seguindo-se os holandeses, belgas, franceses e britânicos. Ao nível das reservas confirmadas, os números falam por si: os estrangeiros são a maior fatia, com 89%, enquanto os clientes nacionais representam 11%. “O peso dos clientes nacionais, ao nível dos pedidos de cotação, tem algum significado (20%). Mas é um cliente que pede cotações muito em cima da hora e a maior parte das vezes já não temos campervans disponíveis para as datas que pretendem”, sendo que a média de dias vendidos não excede os quatro no caso dos portugueses (5%), ao passo que a média dos clientes estrangeiros é de dez dias (95%).

Uma viagem inspiradora

A West Coast Campers também iniciou a sua atividade com três veículos em finais de 2010. Ricardo Grijó, surfista desde miúdo e fã de road trips, é um apaixonado por mecânica e transformação. Um dia adaptou a sua carrinha para ter onde dormir quando se fazia à estrada com a namorada. Casaram e escolheram a Nova Zelândia para passar a lua-de-mel. Ricardo “nunca tinha visto tantas caravanas por metro quadrado” e, como se costuma dizer, uma coisa leva a outra, e assim nasceu a ideia do negócio, ou não fosse esta uma excelente forma de “explorar a costa portuguesa e todo o país”. Regressou a Portugal e pôs a ideia em prática.

Em 2012 duplicou a frota e, entre 2013 e 2015, a mesma cresceu para 12 veículos. “Em 2017, a empresa apostou novamente na expansão e aumentou a frota para 40 veículos”, detalha Francisco Lisboa, responsável pela área comercial. “Trabalhamos com a Fiat e a Renault, sendo que a Hang Five e a Dawn Patrol são os modelos mais procurados”, acrescenta. Durante o dia são veículos ágeis, aptos para três pessoas viajarem, ou cinco no caso da Hang Five (daí o nome) e, dadas as suas dimensões, não estão sujeitos às restrições de circulação e parqueamento impostas às autocaravanas. Durante a noite, com uma simples operação, o espaço traseiro transforma-se em duas confortáveis camas.

O número de clientes tem crescido “todos os anos na ordem dos 120%” e, em 2018, “temos tido muito mais adesão, até porque cobrimos mais localizações na Península Ibérica. Estamos esperançosos que este valor seja bastante mais elevado no final do presente ano”, diz Francisco, realçando que, neste momento, “20% dos nossos clientes são reincidentes”, um número de que a empresa “muito se orgulha”.

Quisemos saber se os portugueses têm aderido ao conceito e a resposta veio em forma de agradecimento: “Até 2016, os portugueses eram a nacionalidade que se destacava. É verdade que ainda estão a descobrir este tipo de turismo, mas são curiosos e querem conhecer o seu país através de novas experiências. Devemos muito do nosso crescimento ao mercado local e estamos eternamente gratos por isso. Sem o apoio dos clientes portugueses não seríamos a West Coast Campers que somos hoje”.

Com a expansão da frota, outras geografias começaram a ganhar protagonismo. Espanha e países nórdicos “entraram na corrida e estão a ganhar cada vez mais peso. E posso dizer que são aficionados pelo nosso país”, remata Francisco. A identidade visual de cada carrinha não passa despercebida e muitas vezes é quanto basta para fomentar a interação. Quanto a números, a empresa optou por não revelar os valores da faturação, mas fica a informação sobre os locais disponíveis para recolha e entrega do veículo: Lisboa, Porto, Faro, Málaga e Sevilha.

A título de curiosidade, refira-se que a prática do autocaravanismo continua a crescer em Portugal. Apesar de, em média, os proprietários não usufruírem do veículo mais do que 70 dias por ano, os dados facultados pela ACAP – Associação Automóvel de Portugal atestam que a aquisição de autocaravanas grandes, novas e usadas, tem vindo a aumentar: em 2016, o total foi de 566 veículos, valor que quase duplicou em 2017 para 1.025, sendo que entre janeiro e julho deste ano já foram comercializados 859 veículos. Resta saber se a tendência de crescimento deste segmento do mercado turístico veio para ficar.

Em todo o caso, para quem que já se rendeu ao turismo itinerante e se considera “embaixador” do mesmo, o desafio que tem pela frente é o de sempre: explicar ao comum dos mortais – leia-se aqueles que gostam de ter tudo programado, que não passam sem uma cama de hotel, que não gostam de imprevistos e por aí diante – esta paixão de viajar sem planos, de ir até onde a estrada os pode levar, de fazer amigos em qualquer lado, de acenar a outros cúmplices estrada fora ou algures à sombra de uma árvore, do quão divertido isto é para as crianças… Enfim, há quem diga que, para compromissos rígidos, já bastam os outros trezentos e poucos dias do ano.

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