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Turquia: Erdogan critica oposição e volta a ligá-la ao movimento curdo

O presidente acusa o partido do do autarca de Istambul, preso na semana passada, de instigar a violência. A oposição queixa-se de tentativa de calar o candidato às presidenciais de 2028. A Comissão Europeia condenou a prisão.
Recep Tayyip Erdoğan, presidente Turquia
25 Março 2025, 07h00

O presidente turco, Recep Erdoğan, lançou um ataque político à oposição em todas as frentes, acusando os adversários de incitamento à violência, desestabilização social e alegadas ligações a movimentos curdos que o regime de Ancara observa como terroristas. Os protestos da oposição surgiram em larga escala depois de o presidente da autarquia de Istambul, Ekrem İmamoğlu, ter sido detido por alegada fraude – sendo o principal elemento da oposição e o mais poderoso adversário do presidente. İmamoğlu foi detido na quarta-feira passada e acusado de diversos crimes, incluindo supostas ligações com o grupo curdo PKK.

Erdogan ainda minimizou o impacto das manifestações – que levaram milhares de turcos às ruas da antiga capital da Turquia e a outras cidades de dimensão – dizendo que se trata de um espetáculo orquestrado e prometendo que os responsáveis acabarão por enfrentar a justiça. “A atuação da oposição acabará por chegar ao fim e sentir-se-á envergonhada pelos danos que causaram ao nosso país”, declarou Erdoğan perante as câmaras das televisões.

Confrontos entre a polícia e os manifestantes causaram feridos e danos materiais, intensificando as tensões políticas – num quadro geral que Erdoğan diz ser da responsabilidade da oposição, particularmente do Partido Republicano do Povo (CHP, o partido do presidente de Istambul), responsabilizando-o por ataques a polícias e pela destruição de propriedades públicas e privadas. “Este movimento evoluiu para pura violência”, disse. “Aqueles que instigaram este caos serão responsabilizados.”

Erdoğan questionou a capacidade da oposição para governar o país, argumentando que as suas ações provam que não é confiável, seja a nível municipal quer nacional. “É evidente que não se pode confiar à principal oposição a responsabilidade de gerir o Estado, muito menos a gestão dos municípios”, afirmou. Aparentemente, Erdoğan não perdoa ao CHP ter conseguido ao longo dos anos tomar o poder autárquico em algumas das maiores cidades do país, nomeadamente Istambul.

“Em vez de abordarem as alegações de suborno, peculato e má conduta, passaram cinco dias a emitir as declarações mais vergonhosas e legalmente infundadas da nossa história política”, disse. O presidente sugeriu que o progresso da Turquia na eliminação do “terrorismo” curdo deixou a oposição a lutar por irrelevâncias – como se a ligação entre os interesses curdos e os partidos não alinhados com o regime estivesse evidente para todos. “À medida que nos aproximamos de uma Turquia livre do terror, aqueles que há muito exploram tais questões estão desesperados”, afirmou. E acusou os líderes do CHP de hipocrisia, apontando para divisões internas dentro do partido.

Erdoğan alertou contra a continuação da agitação nas ruas, instando o CHP a controlar os elementos radicais. “Parem de provocar os nossos cidadãos e perturbar a ordem pública. Se tiverem coragem, respondam pelas alegações de corrupção e suborno.” “Não permitiremos que os ganhos económicos dos últimos dois anos sejam comprometidos”, disse. Apesar da turbulência política, Erdoğan reafirmou a determinação da sua administração: “continuaremos a implementar o nosso programa económico com a mesma determinação. A nossa prioridade nestes tempos é manter a estabilidade macrofinanceira”, assegurou.

Recorde-se que, no final do mês passado, o líder preso do PKK fez um apelo histórico para que o grupo deponha as armas, marcando uma viragem em direção à iniciativa “Turquia livre de terror”, lançada no ano passado. “Como qualquer comunidade ou partido contemporâneo que não tenha sido dissolvido à força, peço que convoquem um congresso, se integrem no Estado e na sociedade e tomem uma decisão: todos os grupos devem depor as armas, e o PKK deve dissolver-se”, disse Abdullah Öcalan. O líder do PKK disse, citado pela imprensa turca, que a dissolução do grupo é necessária, pois surgiu num período marcado por “violência intensa, duas guerras mundiais, a ascensão e queda do socialismo real, a Guerra Fria e a negação da identidade curda”. E alegou que o grupo foi moldado por restrições às liberdades, particularmente à liberdade de expressão – numa conjuntura que entretanto desapareceu, tornando o partido irrelevante. O líder preso declarou que o segundo século da república turca deve ser construído sobre a democracia, a paz e a unidade, rejeitando quaisquer caminhos alternativos fora do consenso democrático. Para vários observadores, as declarações do líder histórico do PKK são difíceis de entender e pressupõem combinações políticas com o regime que estão longe de serem públicas.

Entretanto, a detenção de Ekrem İmamoğlu levanta questões sobre a “adesão da Turquia à sua tradição democrática de longa data”, disse a Comissão Europeia em reação à prisão, sem chegar a uma condenação explícita. “Como país candidato à UE, a Turquia deve defender os valores democráticos. Os direitos dos funcionários eleitos, bem como o direito de manifestação pacífica, devem ser plenamente respeitados”, disse um porta-voz da Comissão esta segunda-feira. Para alguns comentadores, a declaração foi no mínimo surpreendente, dado que o dossiê da adesão da Turquia está parado (para não se dizer suspenso) há vários anos. “Queremos que a Turquia se mantenha ligada à Europa, mas, para isso, é necessário um compromisso claro com as normas e práticas democráticas. E é fundamental que a Turquia respeite esses princípios fundamentais”, acrescentou, citado pela agência Euronews.

İmamoğlu é considerado um dos principais candidatos às eleições presidenciais de 2028. Numa primária realizada no domingo, dias após a sua detenção pela polícia, foi escolhido como o principal candidato do CHP com os votos de 1,7 milhões de membros do partido e 13,2 milhões de não membros. O CHP é o segundo maior partido no parlamento turco, depois do Partido AK do presidente Erdoğan. O presidente turco está limitado a um mandato e não pode concorrer novamente em 2023, embora a Constituição possa ser alterada de forma a permitir um terceiro mandato, que os críticos estão convencidos que venha a suceder. Há mesmo vozes que afirmam que o processo é precisamente uma mistificação para tornar essa possibilidade uma necessidade política. Aliás, a oposição descreveu a prisão de İmamoğlu como um ato de retaliação de Erdoğan para acabar com as esperanças eleitorais do seu maior adversário. O governo rejeita a acusação e insiste que os tribunais da Turquia funcionam de forma independente.

O Conselho da Europa (não confundir com o Conselho Europeu, liderado por António Costa), uma organização de defesa dos direitos humanos com sede em Estrasburgo, também condenou a prisão do presidente da câmara e exigiu a sua “libertação imediata”. “Esta é uma manobra calculada que visa minar a integridade e a justiça dos processos eleitorais e equivale a um ataque à democracia”, afirmou o presidente do Congresso dos Poderes Locais e Regionais do Conselho da Europa, Marc Cools, em comunicado.

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