Uma ideia muito bem estabelecida na ciência económica diz respeito à importância da intervenção estatal quando nos deparamos com problemas de externalidades.

As externalidades dizem respeito aos efeitos que ocorrem na sociedade, ou em terceiros, e que não estão reflectidos nos preços nem nas decisões individuais de mercado. Nessas situações, as quantidades produzidas e transaccionados no mercado não representam bem os efeitos sociais, nem a satisfação das pessoas.

A difusão de mentiras e a abordagem sensacionalista aos conteúdos é um caso típico de externalidades. Isto é, quer os órgãos de comunicação social tradicional, quer as redes sociais, têm como modelo de negócio captar a atenção das pessoas para os seus conteúdos, nomeadamente para a publicidade que projectam.

A partir daí, com a utilização de conhecimentos da psicologia, do marketing e através de processos de tentativa e erro, estas empresas privadas vão adaptando os seus conteúdos e os seus modelos de negócio de forma a maximizar a atenção das pessoas. Quanto mais utilizadores “agarrados” tiverem, mais são as suas possibilidades de gerar receita.

Ora, acontece que os seres humanos são muito susceptíveis à novidade e ao extraordinário. Mais, são mais sensíveis às surpresas negativas do que às surpresas positivas.

Juntando tudo isto, é natural que os conteúdos disponibilizados nestas plataformas assumam uma natureza sensacionalista e/ou mentirosa. O sensacionalismo existe ao se dar atenção desmesurada ao excepcional, ao mal, à desgraça, à violência, ao medo, ao acidente, à morte. A mentira surge porque se quer enganar as pessoas, por causa de agendas próprias, ou porque as ideias passam melhor distorcendo a realidade, nomeadamente simplificando-a.

Estas empresas, na busca do seu lucro, calibram cada vez mais os seus conteúdos para essas dimensões. Os órgãos de comunicação social, avaliando as suas audiências. As redes sociais, ajustando os seus algoritmos de forma a viciar as pessoas no seu produto.

O problema surge quando se percebe que esta interacção livre de mercado – as pessoas não são obrigadas a ver certos programas, nem a estar nas redes sociais – acaba por ter efeitos perniciosos a nível colectivo, nomeadamente criando percepções distorcidas da realidade (que geram ansiedade, inveja, raiva, medo ou depressão) e incentivando comportamentos nocivos (violência e incivilidades).

Ao nível do sensacionalismo, temos as pessoas que vêem os programas sensacionalistas a passarem a acreditar, por exemplo, que Portugal é um país extremamente violento, cheio de pedófilos ou com graus inimagináveis de corrupção, quando os dados mostram o contrário: Portugal é um dos cinco países mais seguros do mundo, tem menos pedofilia que muitos outros e tem uma corrupção menor do que a percepção que as pessoas têm.

Ao nível das redes sociais, temos a propagação de informações falsas, com factos inventados ou manipulados, que tem consequências perigosas, tanto ao nível das percepções, como dos comportamentos, com pessoas a mudarem o seu sentido de voto ou a terem determinadas atitudes sociais, como não usar máscara durante uma pandemia, porque leram nas redes sociais que as máscaras não funcionam.

O fenómeno Trump pode até ser estudado como uma experiência natural dos efeitos perniciosos da circulação de mentiras nas redes sociais e do sensacionalismo televisivo (onde ele nasceu): a eleição de um presidente inepto na democracia mais rica do mundo.

Como vivemos numa economia de mercado, não podemos ficar à espera que as empresas tenham outro comportamento que não a busca incessante do lucro. E, como as regulamentações proibicionistas costumam ser mal acatadas pelas populações e acusadas de serem censura, acredito que se deve combater este fenómeno com outras ferramentas.

Assim, e seguindo a lógica standard da economia para correcção de externalidades, aquilo que deve suceder é a imposição de incentivos negativos à divulgação das mentiras e à utilização do sensacionalismo.

Em particular, sugiro a criação de impostos para esses conteúdos.

Com isso, as empresas que gerem as plataformas de difusão terão a liberdade de escolher o que fazem: deixar circular mentiras e/ou adoptarem uma abordagem sensacionalista, mas ficarem sujeitas a altos impostos, ou fazerem uma regulação daquilo que deixam passar, livrando-se, assim, dessas cargas tributárias.

Os algoritmos, no caso das redes sociais, e os directores, no caso dos órgãos de comunicação social, conseguiriam muito facilmente fazer esse filtro.

Seja no futebol, na política, no crime ou na sociedade, o enquadramento tablóide deveria pagar imposto. Nas redes sociais, as teorias da conspiração e todas as outras mentiras que pululam, deviam ser castigadas monetariamente.

As pressões públicas que têm sido feitas sobre as empresas das redes, para controlarem alguns destes problemas, começam a dar frutos – veja-se a recente decisão do Facebook de banir do Facebook e Instagram as mentiras acerca das vacinas contra a Covid-19, e outras relacionadas com a pandemia, assim como  de encerrar os grupos que propagandeiam esses mentiras.

Também o jornalismo de investigação – como a exposição que Miguel Carvalho fez das ligações dos “médicos pela verdade” ao Chega – ou de fact-checking (como o “Polígrafo”), ajudam no combate a esta poluição informativa e à eliminação de algumas teias da mentira. Mas não é suficiente. Já para não falar da inépcia das entidades reguladoras, que não têm sido capazes de controlar este problema.

Acreditem, só no dia em que se começar a ir aos lucros destas empresas é que elas tomarão atitudes definitivas, e serão as primeiras a acabar com a selvajaria e com o lixo comunicacional.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.