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Um jogo de lego

Luís Tavares Bravo, Economista, Board Member do Think Tank International Affairs Network, analisa a proposta do Governo para o Orçamento do Estado para 2022.
13 Outubro 2021, 10h49

A proposta de Orçamento do Estado de 2022 (OE) traz algumas novidades, sendo que umas merecerão debate alargado, mas na verdade não traz nenhuma alteração estrutural no que respeita à estratégia fiscal do país.

Ou seja, na essência o documento traz algumas alterações de peças ou medidas que criam uma maior diversificação das fontes de financiamento de receitas fiscais do Estado, e uma primeira formatação ao programa europeu de recuperação das economias (o PRR) no que toca ao investimento público. Na prática, estas alterações representam mais uma espécie de “jogo de lego”, onde as várias peças fiscais vão sendo ajustadas, mas no final suportam uma tendência de manutenção dos níveis significativos de carga fiscal, que será em tudo muito semelhante ao que temos registado nos últimos anos.

Sem dúvida que as condições económicas dos últimos dois anos representam uma condicionante relevante para que se procedesse a uma revisão significativa da tributação, no sentido de levar à descida significativa da carga tributária. Mas os sinais que vão sendo dados estão longe de poder ser considerados como indicadores avançados de uma trajetória de descida dos impostos nos próximos anos.

Algumas das medidas são passíveis de debate aceso sobre o impacto final na carga fiscal das famílias e empresas, sobretudo quando falamos dos novos escalões. Na verdade, e no ponto de partida, haverá uma menor incidência de IRS – e essas são também as conclusões da consultora PWC que simulou para todos os cenários – embora marginais.

Contudo, outras medidas, como o englobamento obrigatório dos rendimentos provenientes de ganhos de capitais, ou seja, de produtos financeiros detidos por menos de um ano, podem a médio prazo afetar estes equilíbrios – sendo que o sinal de passar a tributar os ganhos em bolsa de 28% para a taxa máxima de IRS, que poderá atingir os 48% no escalão que está afetado pela medida, é um sinal negativo para os mercados financeiros sobre futuras alterações neste espeto para os investidores, num mercado bolsista já muito fragilizado há várias décadas.

Olhando além de 2022, as expectativas de ajustamento estrutural do défice continuam a ser muito ténues, apesar da importância que construir esta estratégia comporta para lidar com uma eventual normalização da política monetária europeia e internacional.

O ecossistema nacional continua a ser o de um país com um dos maiores níveis de carga tributária sobre rendimentos de particulares, ou sobre empresas a nível europeu, e um dos países onde a carga fiscal mais invisível ao bolso dos consumidores – como os impostos sobre combustíveis e energia – é mais elevada. Ainda assim, o país apresenta dificuldades de resposta em cenários de crise (foi dos que menor percentagem do PIB alocou em termos de resposta autónoma à pandemia na União Europeia), e apresenta dificuldades em gerar crescimento económico indutor de mais emprego sustentável e de melhores condições salariais.

Por último, muita da consolidação dos últimos anos fez-se por condições, ou que não são repetíveis por muito mais tempo (como as taxas de juro baixas e programas do BCE), ou que não são adequadas ao propósito, como as receitas provenientes do Banco de Portugal, ou cortando no futuro – i.e. em investimento. Por outras palavras, muito do trabalho de consolidação orçamental está ainda por fazer, embora essa perceção não seja ainda visível a olho nu.

Os próximos anos poderão, contudo, ser marcados por uma normalização da política monetária, e para que as métricas de endividamento nacional – cujo stock de dívida subiu imenso durante a pandemia – sejam manuseáveis, será fundamental promover mais a discussão sobre crescimento económico e menos a narrativa política orçamental assente em tributação que não cria condições aceitáveis para crescer.

O PRR pode ajudar a mitigar este efeito. Mas, só por si, não será capaz de devolver a Portugal uma dinâmica empreendedora que crie confiança mobilizadora para criar emprego e valor para as empresas e famílias. Um enquadramento orçamental que aponte para uma política fiscal competitiva e estável pode dar os sinais corretos para melhor capitalizar e proteger a economia portuguesa na próxima década, que poderá ser de grande transformação.

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