A actual solução governativa em Portugal, em que o Governo do PS é minoritário, mas tem apoio parlamentar à sua esquerda, e não o colaboracionismo abstencionista à direita, é a primeira vez que se verifica na história da democracia e, até ver, com resultados positivos.

Sim, as contas da República portuguesa nunca estiveram tão equilibradas e é importante que se mantenham nessa senda – há muito a poupar em Portugal em termos de eficiência, sem cortar nos serviços, como diminuir a corrupção, a evasão fiscal, os gastos inúteis ou duplicados, as burocracias excessivas ou o pagamento de rendas usurárias a privados – mas é também fundamental que Portugal encete um verdadeiro processo de transformação estrutural em termos de qualificação da sua população e modernização da gestão do sector público e privado.

Ao mesmo tempo, precisa de combater a recessão demográfica, a pobreza, a desigualdade, o desemprego, a precariedade e a macrocefalia territorial.

Para conseguir tudo isso, não pode enveredar pelo programa neoliberal que vai dominando o mundo, não se pode entregar às lógicas da privatização (da saúde, educação, segurança social e serviços públicos), da destruição dos empregos com direitos e dos pequenos empresários, não pode enveredar pelo Estado caritativo, mas pelo Estado de seguro social, não pode submeter-se às ditas reformas estruturais, que mais não são que a implementação de um programa radical da direita liberal.

Pelo contrário, tem que garantir um programa social-democrata, que só consegue ser defendido se o PS estiver ancorado à sua esquerda. Caso contrário – maioria absoluta do PS ou PS minoritário com apoio da direita – as forças internacionais não encontrarão resistência interna, e acelerarão a destruição do já débil Estado Social português, enquanto que os lobbies do centrão sentir-se-ão livres para retomar o habitual desbaratar dos recursos estatais.

Uma geringonça madura será aquela que compreender bem esta situação e que aceite prolongar por mais quatro anos a estratégia de negociação até aqui encetada, mas com o reforço do compromisso, isto é, com a participação governativa de todos – só assim se verificará verdadeiramente o fim do chamado arco da governação.

O centro-direita, e a direita dentro do PS, tudo farão para que a geringonça não se renove. Cabe à esquerda dentro do PS, e aos partidos à esquerda do PS, terem a maturidade para perceber que estes são tempos decisivos para se lutar contra as forças erosivas da globalização desregulada e que só unidos o conseguirão fazer.

Por mais que os partidos tenham a sua ideologia e convicções – uns mais que outros – na prática, a actividade governativa diz respeito à concretização de leis específicas.

Nesse sentido, a realidade da governação é muito mais pragmática do que puramente ideológica ou programática. É nesta compreensão que se terão de apoiar aqueles que percebem que é mais importante salvar Portugal da destruição do Estado Social do que guerrear por futuros imaginários.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.