E, mesmo na serra de Sintra, na casa de Ranholas, não estamos frescos. As temperaturas descontroladas e o jet lag quase não o deixam dormir e, depois da insónia das quatro da manhã, só na companhia do Kindle e depois de umas dezenas de páginas, é que este devorador de livros recupera o sono.
Mas nada disto importa quando se está em Portugal para fazer algo que dá prazer a sério: contar histórias e ouvir outras tantas. O ator português volta a ser, pela quinta vez, o anfitrião da sexta edição do festival Grant’s Stand Together, o evento que desafia pessoas conhecidas de todos a contar histórias desconhecidas de todos. Hoje e amanhã no Cinema São Jorge, em Lisboa e dia 1 e 2 de julho na Fundação Serralves, no Porto: “São noites bem passadas. São duas horas em que o público vê seis pessoas diferentes a contar histórias. Algumas são engraçadas, outras dramáticas e tristes. Mas são todas muito pessoais. As pessoas ficam atentas e gostam, porque são pessoas que conhecem da vida pública, mas de quem não conhecem esta parte mais íntima”. E já que as histórias são como as cerejas, uma puxa a outra, pedimos a Joaquim de Almeida para nos contar uma história tão verdadeira que ninguém vai acreditar (o lema do festival). Quantas histórias cabem em 60 anos bem vividos? Tantas. Mas há uma que merece ser partilhada: o dia em que fez 50 anos.
“A minha mãe estava a morrer. Estava muito mal e eu tinha desistido de fazer a festa. Um amigo, que tem um restaurante em Sintra, disse-me: convida aí meia dúzia de pessoas e fazemos um jantar. E eu comecei a fazer uma pequena lista, de meia dúzia de pessoas. Apareceram 65. E como havia vários músicos, o Rui Veloso cantou, o Paulo Gonzo cantou”. Nesse dia, Joaquim de Almeida não chorou. “Chorei sete dias depois. A minha mãe acabou por morrer e eu não estava cá. Estava a começar um filme. Tinha vindo a Portugal antes, de propósito para ver a minha mãe. Eu sabia que ela estava nas últimas, mas depois começava a filmar a 23 e fui-me embora. O meu irmão ligou-me a 22 a dizer que a minha mãe tinha morrido. Não pude vir para o funeral. Ia começar a filmar no dia a seguir. E se eu não fosse filmar, o filme caía. O meu pai percebeu perfeitamente e os meus irmãos também. Eu já tinha vindo para dizer adeus, e isso é que era importante”. Joaquim de Almeida conta esta história de um trago, mas engole em seco. A vida foi, no mínimo irónica, para o filho que veio dizer adeus, que não pôde estar presente na última despedida e que, no dia seguinte, teve de se levantar, à hora de sempre, para ir trabalhar. “São aquelas histórias desta profissão. É como se diz: o palhaço tem de fazer rir, mesmo que esteja triste. Era uma comédia, que se chama ‘La cocina’, e tive de começar a filmar no dia a seguir”. E – não há experiência que valha – o ator também chora. “Correu tudo muito bem até à hora de almoço. Depois parei, fui lá fora e comecei a pensar na minha mãe. Caíram-me as lágrimas. Fiz ali um ‘prantozinho’ sozinho, escondido lá num canto. E depois aliviei, e preparei-me para a tarde. Mas acho que, de certa maneira, ajudou toda aquela mágoa. A minha mãe teve Alzheimer durante dez anos. E eu já estava preparado. Um dia, há-de ser. Mas, afinal, eu não estava preparado. E pronto. Aí tem a minha história”.
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