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“Uma semana no aeroporto”

O escritor suíço Alain de Botton foi convidado pela empresa proprietária do Aeroporto de Heathrow, em Londres, a fazer uma residência literária no local. Aceitou e foi o seu primeiro escritor-residente. Foi-lhe dado acesso ilimitado a todas as áreas. Falou com viajantes dos quatro continentes e este é o resultado da sua meditação.
  • Marta Teives
15 Fevereiro 2020, 10h42

 

 

“Cada novo dia trazia-me uma tal quantidade de histórias que o meu sentido de tempo se alongou. Pareceu-me que tinham decorrido semanas, quando tinham passado apenas dois dias desde que encontrei Ana d’Almeida e Sidónio Silva, ambos de Angola. Ana estava a caminho de Houston, onde cursava Gestão, e Sidónio partia para Aberdeen, onde estava a completar um doutoramento em Engenharia Mecânica. Passámos uma hora juntos, durante a qual falaram de um modo idealista e melancólico sobre o estado do seu país. Dois dias mais tarde, Heathrow não tinha qualquer memória deles, mas eu ainda lhes sentia a falta.”

Se nos pedissem para levarmos um marciano a visitar um único lugar que captasse a totalidade dos temas que permeiam o mundo moderno – desde a nossa fé na tecnologia até à nossa destruição da natureza, desde a nossa interligação até ao nosso romantismo em relação ao viajar –, teríamos de o levar às áreas das partidas e das chegadas de um aeroporto.

Se para Alain de Botton, os aeroportos, com todo o seu turbilhão, interesse e beleza, são os centros imaginários da nossa civilização, já para o etnólogo francês Marc Augé são “não lugares” – no sentido em que neles as relações interpessoais, cruciais para nossa identidade individual e coletiva, são nulas –, tal como, por exemplo, os hipermercados e os outlets gigantescos nas periferias das cidades.

No verão de 2009, o escritor suíço Alain de Botton – cujos livros têm popularizado a filosofia – foi convidado pela empresa proprietária do Aeroporto de Heathrow a fazer uma residência literária no local. Seria o seu primeiro escritor-residente. Surpreendentemente, sobretudo tendo em conta as restrições existentes nestas estruturas por razões de segurança, foi-lhe dado acesso ilimitado a todas as áreas deste que é um dos aeroportos mais movimentados do mundo.

Alain de Botton cruzou-se com viajantes de todo o planeta e falou com o pessoal, desde funcionários do handling de bagagem a pilotos, pessoal da limpeza, administradores e até o capelão do aeroporto ou um engaxador já com 30 anos de serviço. Preencheu vários cadernos de apontamentos que, depois de trabalhados, resultaram neste livro que é, acima de tudo, uma peça de meditação sobre a natureza das viagens, do trabalho, das relações e da vida quotidiana.

A edição portuguesa, da D. Quixote, inclui as fotografias de Richard Baker, fotógrafo inglês que viria a colaborar com Alain de Botton num outro projeto, dedicado às alegrias e tristezas do trabalho.

A sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

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