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“Vai ser jogo de cadeiras”: Paridade e Costa podem dar vantagem a Maria Luís Albuquerque na atribuição da pasta

A antiga ministra de Estado e das Finanças foi a eleita por Luís Montenegro para comissária europeia. Especialistas ouvidos pelo JE consideram a decisão do primeiro ministro “acertada”, enquanto os partidos de esquerda fazem uma “colagem” aos tempos da troika. “São críticas mais ou menos pavlovianas e quase o cardápio obrigatório”, diz António Bagão Félix.
Rafael Marchante/Reuters
29 Agosto 2024, 07h30

A escolha de Maria Luís Albuquerque para comissária europeia por parte do primeiro-ministro, Luís Montenegro, é vista como “acertada” e que pode tornar-se vantajosa na atribuição do cargo da antiga ministra de Estado e das Finanças em Bruxelas, não só pela presença de António Costa como presidente do Conselho Europeu, mas também pela questão da paridade, algo que tem sido um problema para a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Parece-me uma pessoa competente para ir para o plano europeu. Tem experiência política e de áreas importantes no contexto da União Europeia. Evidentemente, que agora o pelouro que lhe for atribuído é também importante que se ajuste ao perfil e experiência de Maria Luís Albuquerque relativamente às responsabilidades que lhe irão ser distribuídas”, refere, em declarações ao JE, António Bagão Félix.

O antigo ministro das Finanças, entre 2004 e 2005, defende que o facto de Ursula von der Leyen querer garantir a paridade entre homens e mulheres é também um aspeto positivo para Maria Luís Albuquerque, que poderá ver ser-lhe atribuído um cargo em torno das questões económico-financeiras, orçamentais e estruturais da União Europeia. “As pessoas não vão para lá em bruto, são indicadas e, obviamente, tendo em conta o seu conhecimento, experiência e o seu currículo, a presidente da Comissão Europeia provavelmente irá ponderar tudo isso”, afirma.

Quem também está de acordo com a escolha de Luís Montenegro é Paulo Sande, professor na Universidade Católica Portuguesa e especialista em temas europeus, apesar de reconhecer as críticas feitas pelos partidos devido ao facto de Maria Luís Albuquerque ter estado ligado ao período da troika em Portugal. “Vejo a coisa ao contrário. Se quisermos ser objetivos, num país que estava à beira da bancarrota em 2011, como aliás o próprio Governo da altura reconhecia, que não tinha dinheiro suficiente para pagar os salários por mais dois meses, para três anos, depois de o país ter sido ajudado e poder continuar a funcionar, sair do programa da troika com sucesso, acho que isso é muito bom”, afirma.

Sobre a escolha da pasta, o docente acredita que a questão da paridade e de António Costa na presidência do Conselho Europeu podem jogar a favor de Maria Luís Albuquerque. “Ser mulher, neste caso, até estrategicamente, é bom, porque sabemos que se há coisa que neste momento é um problema para a presidente da Comissão Europeia é o desequilíbrio de género. Vai ser um um jogo de cadeiras. É muito provável que haja aqui a questão do género a jogar muito nessa distribuição e o poder que Ursula von der Leyen tem na distribuição de pelouros. Segundo parece, desde ontem que está a fazer alguma pressão em relação a alguns países, para tentar que mudem as suas escolhas”, salienta Paulo Sande.

Pelo perfil de Maria Luís Albuquerque, o docente acredita que os pelouros mais desejáveis e cobiçados seriam sempre na área económico-financeira, da energia, mercado de capitais e economia, onde a antiga ministra tem experiência, mas também por serem aquelas mais procuradas. “Espero que seja uma destas e o papel de António Costa pode ser importante, tem uma boa relação com a presidente da Comissão Europeia, que tem interesse em ter uma boa relação com ele pode ser uma mais-valia, mas vai depender muito também da comissão dos outros países”, refere.

Ouvido pelo JE, José Filipe Pinto, professor catedrático da Universidade Lusófona e especialista em relações internacionais, considera que o facto de Portugal ter aceitado indicar uma mulher e não apresentar dois nomes, provavelmente um homem e uma mulher, significa que é alta a probabilidade de ter havido negociações nos bastidores entre Luís Montenegro e Ursula Von der Leyen, no sentido da pasta a atribuir a Portugal.

“O facto de ser nomeada é evidente que pressupõe que Luís Montenegro já saiba qual a pasta que ela irá tutelar e que será quase de certeza uma pasta que tem a ver ou com o elemento económico. Poderá ser uma pasta que tenha a ver com o quadro plurianual, com o alargamento e como tal, esse alargamento vai exigir estudos de previsibilidade. Terá de ser uma pasta em que o elemento económico, seja importante”, sublinha, acrescentando que não vê outra forma de Portugal indicar Maria Luís Albuquerque que não para uma área da sua especialidade.

“Representante da destruição social e má memória para o povo português”

Contudo, nem todos concordam com a opção de Luís Montenegro, nomeadamente os partidos de esquerda. O deputado do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo criticou a escolha do executivo, lembrando Maria Luís Albuquerque como “agente da troika no governo português” e uma das “principais autoras dessa política de destruição social”.

Já Paula Santos, líder parlamentar do PCP, juntou-se às críticas ao Governo e sublinhou que Maria Luís Albuquerque foi membro de um executivo de “má memória para os trabalhadores e para o povo português”, enquanto o Livre, através do deputado Jorge Pinto, criticou também o papel da candidata a comissária nos tempos como ministra e o Governo por falta de diálogo nesta escolha. Por sua vez, o PAN, pela deputada Inês de Sousa Real, criticou a escolha e anunciou também que o partido vai propor a audição da antiga ministra no parlamento para que possa explicar “a visão que vai levar para a UE em nome de Portugal”.

Para António Bagão Félix, estas críticas “são mais ou menos pavlovianas, quase o cardápio obrigatório e não parecem adequadas no momento em que o país está a indicar um o representante seu através de um órgão legítimo que é o Governo, para representar o país na Comissão Europeia, não faz sentido que as primeiras críticas venham de Portugal e, neste caso, partidos”.

Sobre a conexão de Maria Luís Albuquerque ao período da troika, o antigo ministro das Finanças relembra que criticou algumas medidas da então ministra de Estado e das Finanças, “num contexto difícil e agreste” também para os governantes e não apenas para os governados.

“Acho curioso os partidos de esquerda, desde o PS até a extrema-esquerda acharem que algum tipo de “manchas” ou “máculas” que na vida política os políticos possam ter, se forem de direita, essas “manchas” nunca desaparecem, se forem à esquerda, essas “manchas” são rapidamente esquecidas e amnistiadas. É curiosa essa dupla bitola que os partidos da esquerda têm em relação a personagens da direita”, sublinha Bagão Félix.

Em declarações ao JE, o socialista António Mendonça e antigo ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações de Portugal, entre 2009 e 2011, olha para a opção por Maria Luís Albuquerque como sendo da responsabilidade do Governo, que imagina terá falado e discutido com os parceiros e membros da oposição a escolha do representante de Portugal em Bruxelas.

“Logicamente que devemos propor uma pessoa que tenha currículo, experiência e que efetivamente possa dar um contributo positivo àquilo que são hoje as exigências de uma Comissão Europeia, que cada vez é mais exigente, tendo em conta o contexto atual da Europa, com as dificuldades económicas, a crise geoeconómica e geopolítica a nível internacional”, afirma.

De resto, António Mendonça não concorda que seja atribuída uma pasta de menor relevo a Maria Luís Albuquerque pelo facto de António Costa assumir o cargo de presidente do Conselho Europeu. “Acho que, à partida, devemos reivindicar sempre pastas de grande relevo e Portugal pode ter um importante papel na afirmação dessa identidade europeia, pela sua história, o relacionamento com os países lusófonos, a aceitação que o país tem a nível internacional, mesmo em sectores que eventualmente poderão não estar muito sintonizados com as atuais dinâmicas das relações internacionais e acho que Portugal não pode prescindir desse papel”, salienta.

Como tal, o antigo ministro não exclui nenhum cargo de relevo, mas tendo em conta o perfil de Maria Luís Albuquerque, aponta para algo que esteja relacionado com questões de natureza económica. “Tem que ser uma pasta que efetivamente possa permitir à nossa comissária ter um papel de relevo, julgo que seria importante”, refere.

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