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Venda do Novo Banco há 4 anos “foi indispensável para garantir a estabilidade financeira”, diz Máximo dos Santos

Faz esta segunda-feira quatro anos que o banco que Bruxelas queria que fosse liquidado foi vendido à Lone Star. Luís Máximo dos Santos e Sérgio Monteiro, ambos protagonistas na operação de venda de 75% do Novo Banco, defendem ao JE que foi a solução que melhor salvaguardou a estabilidade. Numa trajetória de lucros, o Novo Banco prepara-se para apresentar a nova imagem esta semana.
18 Outubro 2021, 18h20

Faz hoje quatro anos que os fundos de investimento geridos pelo gestora norte-americana Lone Star adquiriram uma participação maioritária de 75% no Novo Banco, que assim deixou de ser banco de transição. Essa entrada incluiu uma injeção de capital no valor total de mil milhões de euros e um mecanismo de capitalização contingente do Fundo de Resolução (FdR) de 3,89 mil milhões de euros.

A capitalização feita em 2017 pela Lone Star – sobretudo a que ficou a cargo do Fundo de Resolução no âmbito do polémico Acordo de Capitalização Contingente – permitiu salvar o Novo Banco da mais que provável insolvência, dada a má qualidade do seu balanço em 2017.

Em declarações ao Jornal Económico, o presidente do Fundo de Resolução e vice-Governador do Banco de Portugal (autoridade de resolução em Portugal), Luís Máximo dos Santos, defende que a venda do banco que nasceu das cinzas do BES foi a melhor opção para a estabilidade do sistema financeiro. “Independentemente das diferenças de opinião e divergências que possam existir sobre este tema, considero inegável que a venda do Novo Banco em 2017 foi indispensável para garantir a estabilidade financeira e, nessa medida, foi um acontecimento fundamental para o sistema financeiro português e para garantir as condições de normal desenvolvimento da economia portuguesa”, refere Máximo dos Santos.

Também em declarações ao Jornal Económico, Sérgio Monteiro – ex-secretário de Estado das Obras Públicas e arquiteto do negócio Novo Banco–Lone Star – explica que a venda de 75% do Novo Banco foi “a melhor solução de entre as que eram possíveis à luz dos Compromissos de Portugal com a Comissão Europeia. Permitiu preservar a estabilidade do sistema financeiro e dos seus depositantes”. “E dá sinais claros de estar, finalmente, a entrar na normalidade, sem necessidade de apoios públicos adicionais”, lembrou o ex-governante.

Os impactos da liquidação do Novo Banco seriam mais gravosos para o sistema financeiro, estimou recentemente a Deloitte num estudo feito a pedido do BdP. Os custos da liquidação do banco, indica o mesmo trabalho, ascenderiam a entre 20 e 25 mil milhões de euros, com um impacto direto e imediato equivalente ao valor dos depósitos cobertos, que ascendia a 14 mil milhões de euros, a serem pagos pelo Fundo de Garantia de Depósitos.

O polémico Acordo de Capitalização Contingente (CCA) nasceu da divergência entre comprador e vendedor quanto à valorização de um conjunto de ativos do Novo Banco e permitiu à Lone Star, enquanto comprador, ter uma compensação por custos de funding, perdas realizadas e imparidades relativas a um conjunto delimitado de ativos, caso os níveis de capital descessem abaixo dos níveis previamente definidos.

Foi este acordo que pôs o banco no olho do furacão político que culminou com uma Comissão Parlamentar de Inquérito este ano.

O montante total de chamadas de capital recebidas pelo Novo Banco, incluindo os 317 milhões recebidos a 4 de junho de 2021, foi de 3,29 mil milhões de euros (ficam por esgotar 600 milhões de euros). Mas existe uma diferença de 112 milhões de euros calculados entre 429 milhões de euros, que o FdR apurou como devido após conclusão do processo de verificação e os 317 milhões de euros recebidos, que estão a aguardar a avaliação da PwC e que podem ainda ser injectados no banco.

O Novo Banco, antes da venda ao Lone Star era um banco que estava ligado à máquina, e obteve em 2021 os seus primeiros lucros. No primeiro semestre teve resultados positivos de 137,7 milhões de euros, valor que compara com um prejuízo de 555,3 milhões de euros que o banco liderado por António Ramalho tinha registado na primeira metade do ano passado.

“O Novo Banco está agora a entrar na fase lucrativa”, referiu na última Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo Banco, Evgeny Kazarez, presidente do conselho de administração da Nani Holdings, empresa criada em 2017 pela Lone Star, para deter os 75% do banco, acrescentando que não está previsto haver mais utilizações do CCA (mecanismo de capitalização contingente) porque “na medida do possível” o plano de reestruturação está concluído.

O período de reestruturação do Novo Banco tinha de ficar concluído a 31 de dezembro de 2021.

“O Novo Banco apresentou pelo 2º trimestre consecutivo um resultado líquido positivo”, disse o banco ao mercado, acrescentando que “este desempenho demonstra a capacidade do negócio em gerar capital”.

O banco liderado por António Ramalho prepara-se para revelar a nova imagem do banco, deixando o verde e adotando o turquesa, já na sexta-feira.

Antes da venda (à Lone Star) Bruxelas queria mandar o Novo Banco abaixo

Em 2017 o optimismo quanto ao futuro do Novo Banco não era o mesmo de hoje, e os protagonistas do negócio descrevem a venda como “uma operação de dificuldade extrema e de elevada complexidade”.

Se há coisa que se pode dizer é que a venda do Novo Banco, de tão difícil, foi quase um milagre. Bruxelas olhava com desconfiança para o sucesso da operação e venda que a equipa do BdP e Fundo de Resolução (com Sérgio Monteiro ao volante) conduzia. O banco de transição que saiu do BES apresentava uma má carteira de crédito, com baixa cobertura, e baixo capital para fazer face aos riscos.

António Ramalho não se tem cansado de lembrar que “em 2015 o Novo Banco vivia numa situação dramática, em que 35% da carteira eram ativos problemáticos. Eu não geria um banco, geria um fundo de reestruturação”.

Para conseguir vender o Novo Banco depois de uma primeira tentativa falhada, foi preciso assegurar um conjunto de autorizações ao nível do Mecanismo Único de Supervisão (MUS), foi ainda preciso lidar com o Mecanismo Único de Resolução visto que se o plano da venda falhasse teria de haver um Plano B e as autoridades europeias faziam disso uma exigência.

Foi preciso assegurar a aprovação da direção da DG Comp (Direção da Concorrência) europeia. O MUS e a DG Comp foram exigentes e prudentes e era preciso, que apesar de todas as exigências, o comprador se mantivesse interessado e finalmente era preciso garantir, do ponto de vista do Fundo de Resolução que os bancos seus contribuintes não se sentiam mais penalizados face à situação anterior. Desde 4 de novembro de 2014 houve mais de 20 reuniões no plenário do supervisory board, eram reuniões em Frankfurt semana sim, semana não em que se discutiu o Novo Banco à exaustão.

“O Novo Banco manteve o franchising enquanto banco de transição, conseguiu atrair um investidor privado que põe 1.000 milhões de euros e cresceu em depósitos, são feitos que nenhum outro banco europeu nas mesmas circunstância conseguiu”, disse na altura o Banco de Portugal.

“O setor bancário nacional está hoje melhor preparado para fornecer o financiamento necessário ao desenvolvimento da economia portuguesa”, disse o então Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa há quatro anos quando a Lone Star assinou a compra de 75% do Novo Banco.

Por seu turno, a Lone Star prometeu em 2017 devolver ao Novo Banco o estatuto “de grande instituição financeira portuguesa”.

“Hoje, o Novo Banco é uma instituição financeira sólida e bem capitalizada, posicionada para apoiar os seus clientes e ajudá-los a alcançar os seus objetivos”, tem defendido António Ramalho, que não se cansa de lembrar que o banco que dirige é o mais escrutinado da história da banca portuguesa.

Numa carta a propósito da Comissão Parlamentar de Inquérito que foi realizada este ano, o CEO do Novo Banco fez referência ao facto de durante largos meses o banco ter sido “escrutinado pela comunicação social, talvez pela opinião pública, pelo seu auditor independente, pelo Tribunal de Contas, pelo auditor especial escolhido pelo Ministério das Finanças e, finalmente, pelos deputados da Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) ao Novo Banco”, ao mesmo tempo que lembrou que banco nasceu de “uma das decisões mais difíceis e dramáticas da nossa história recente, o fim do universo BES”.

Além de ter sido o banco que mais auditorias teve, entre regulares e extraordinárias. Foi escrutinado já por todas as ‘big four’ do mercado da auditoria.

Seis contratos para vender o Novo Banco

Ao todo, a venda do Novo Banco ao fundo Lone Star implicou a assinatura de seis contratos, sendo que apenas dois são públicos. São eles o Acordo-Quadro entre as Finanças e o Fundo de Resolução, que permitiu os empréstimos anuais do Estado até um limite anual de 850 milhões de euros, enquanto durar um outro acordo (o de Capitalização Contingente). Mas que já não existiu em 2021 e está contemplado para 2022. Há depois um acordo entre o Estado português e a Comissão Europeia e que fundamenta a autorização de Bruxelas à venda de 75% do Novo Banco ao Lone Star.

Este acordo contempla, tal como foi tornado público, a cláusula de emergência (‘fall back’ ou capital backstop). Trata-se de uma autorização para o Estado conceder ao Novo Banco “capital adicional limitado”, que será disponibilizado apenas se surgirem necessidades de capital em circunstâncias adversas graves que não possam ser resolvidas pela Lone Star ou por outros operadores de mercado. É uma cláusula opcional com validade de cinco anos, proposta pela própria Direção-Geral da Concorrência (DG Comp) da Comissão Europeia. A validade acaba no fim do ano e o valor da capital backstop acordada entre o Estado e a Comissão Europeia (por iniciativa desta) para garantir a viabilidade a longo prazo é de 1,6 mil milhões de euros, segundo revelou este ano o Tribunal de Contas.

Além dos dois contratos públicos e do contrato de venda do banco assinado entre a Nani Holdings (da Lone Star) e o FdR, há mais três contratos. Um consiste no contrato que criou o mecanismo de capital contingente (CCA), celebrado entre o FdR e o Novo Banco, nos termos do qual o FdR, enquanto acionista, se compromete a realizar injeções de capital no caso de se materializarem certas condições cumulativas relacionadas com o desempenho de um conjunto delimitado de ativos do Novo Banco e com a evolução dos níveis de capitalização do banco.

Há ainda um contrato de servicing entre o FdR e o Novo Banco, assinado em 2018, no qual ficaram definidas as regras de gestão dos créditos improdutivos, e através do qual o FdR contratou o banco (que atua como servicer) para fazer essa gestão, sem que isso implique o pagamento de qualquer fee. Isso mesmo descreve o FdR no seu site. “Compete ao Novo Banco a gestão corrente e o servicing dos ativos abrangidos pelo CCA, sem qualquer encargo por esse serviço, pelo que será celebrado um acordo de gestão dos créditos (servicing) para regular os procedimentos e as relações entre o FdR e o Novo Banco” nestas matérias – o que acabou por ocorrer em 2018. Por último há um acordo parassocial entre os dois acionistas, anexo ao contrato de venda, assinado entre o FdR e a entidade compradora dos 75% do Novo Banco.

O relatório da CPI descreve os contratos inerentes à venda do Novo Banco em 2017, a que chama de “instrumentos jurídicos da operação”. A saber, “o Contrato de Compra e Venda e de subscrição de Ações (CCVA) do NB; o Acordo Parassocial (AP); o Acordo de Capitalização Contingente, determinando que o FdR assinasse, nesse mesmo dia, o CCVA e o AP e que praticasse todos os atos jurídicos e elaborasse os materiais necessários e adequados à boa execução dos acordos, fossem eles próprios ou do NB, incluindo a assinatura do CCA”.

O Acordo Parassocial (Shareholders Agreement) em matéria de Governação estabelece a previsão de o FdR assumir a obrigação de não exercer o seu direito de indicar membros quer para o CAE, quer para o Conselho Geral e de Supervisão, conforme imposição da Comissão Europeia, no âmbito do diálogo conduzido nos termos do regime de auxílios de Estado, subsistindo apenas os direitos de informação do Fundo que tem 25% do banco, previstos no Acordo Parassocial.

O Contrato de Compra e Venda e de Subscrição de Ações do NB (SPA) tem a previsão da obrigação de realização de um investimento total de 1.000 milhões de euros por parte do comprador em contrapartida de uma participação de 75% no capital do NB, assim como um exercício de gestão de passivos (Liability Management Exercise – LME) cuja geração de capital (CET1) não seria inferior a 500 milhões de euros.

Na cerimónia de assinatura que formalizou a venda estiveram presentes na altura o então Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa; o vice-Governador e presidente do Fundo de Resolução, Luís Máximo dos Santos; Sérgio Monteiro, que foi o responsável por ‘montar’ a operação; e o presidente do Novo Banco, António Ramalho, entre outros administradores do banco.

Assinaram a venda Donald Quintin, da Lone Star, Carlos Costa e Luís Máximo dos Santos.

A Nani Holdings, empresa criada em 2017 pela Lone Star para deter os 75% do Novo Banco, é detida pela LSF Nani Investments, no Luxemburgo, uma entidade supervisionada pelo BCE e pelas autoridades luxemburguesas.

 

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