Se pesquisarmos online a expressão War on Drugs, os primeiros resultados falam-nos de uma banda que tocou este ano no Nos Alive, e não do movimento de luta contra a droga que teve início em 1971, quando Nixon era presidente dos Estados Unidos. Porque será? Possivelmente porque, cada vez mais, a discussão sobre as políticas de drogas se centra em ‘regular e proteger’ – o título de um excelente livro do João Taborda da Gama – e não em ‘combater e erradicar’.

Há cerca de 20 anos, Portugal foi pioneiro na adoção de uma estratégia pragmática e humanista para lidar com o consumo problemático de drogas. Esta estratégia tinha como ponto central a visão do consumidor de drogas como uma pessoa que precisa de proteção e ajuda, e não como alguém que merece um castigo.

Assim, a par da descriminalização do consumo de drogas, a estratégia consolidou caminhos na prevenção, na redução de riscos e minimização de danos (através do programa de troca de seringas, por exemplo) e no tratamento da toxicodependência. Desenhada por especialistas de diversas áreas, a estratégia procurou cuidar da dignidade do consumidor de drogas e proteger a sociedade em geral, tendo contribuído para reduzir diversos custos sociais, como os que estão associados à morte prematura por overdose e ao tratamento da hepatite e da SIDA.

Desde essa altura, vários Estados têm adotado políticas baseadas na regulação do consumo de drogas, especialmente de canábis, ou estão em vias de as adotar. É o caso do Uruguai, que legalizou o uso adulto de canábis em 2013; do Oregon, nos Estados Unidos, que regulou o consumo de canábis (e de psilocibina, o componente principal dos ‘cogumelos mágicos’); e, mais recentemente, da Alemanha, onde está a decorrer a audição pública de especialistas, com vista à regulação do uso adulto de canábis.

Estas não são políticas de liberalização do consumo, como frequentemente se diz, mas sim que envolvem a definição, pelo Estado, dos requisitos para a produção, comercialização e uso de canábis, como encontramos, com as necessárias diferenças, para substâncias como o álcool e o tabaco.

Como é evidente, a regulação do uso adulto de canábis (também chamado uso ‘recreativo’, para o distinguir do uso ‘medicinal’) implica a abertura de um novo mercado e, portanto, um conjunto de desafios de política pública: Qual deve ser o regime fiscal neste novo mercado de canábis? As receitas fiscais devem ser consignadas, por exemplo, à prevenção e tratamento de consumos problemáticos de drogas e outras substâncias, ou não? Qual deve ser o regime de licenciamento e controlo a adotar? Como e por quem deve ser feita a produção de canábis? E a venda?

Numa altura em que a Assembleia da República irá em breve discutir propostas que defendem a legalização da canábis para consumo pessoal, estas perguntas estarão necessariamente presentes. Todavia, convém lembrar outras questões que irão determinar o real funcionamento do novo mercado do uso adulto de canábis: Como assegurar que a regulação não chega a um ponto tal, que o preço da canábis neste mercado deixa de ser competitivo com o do mercado negro? Como assegurar que a regulação deste mercado não se torna, em si mesma, uma barreira à entrada de pequenos e médios produtores e distribuidores? Que mecanismos devem ser criados para incentivar a colaboração entre empresas, de modo a mitigar o peso da regulação?

No final da semana passada, Biden anunciou a amnistia das penas impostas por simples uso e posse de canábis. Com a War on Drugs debaixo de fogo, e novas políticas públicas de drogas no horizonte, é crucial regular para proteger.

Sobre regulação do uso adulto de canábis: Lourenço, A. (coord.); Carvalho, M.C.; Marreiros, H.; Ribeiro, M.; Summavielle, T. (2021). Adult-use cannabis regulation: a scoping review of literature. CEGEA, Dezembro 2021.