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Carlos Costa quer um novo paradigma na concessão de crédito

O Governador do Banco de Portugal insiste em que as empresas portuguesas – bancos incluídos – e a economia em geral precisam de se capitalizar. E quer as empresas transparentes a serem alvo de discriminação positiva.
Cristina Bernardo
9 Abril 2018, 17h04

O Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, vestiu hoje um dos papéis que mais gosta de envergar – o de observador privilegiado da economia – para resumir aquilo que considera serem os três grandes problemas da economia portuguesa: a capitalização da economia, a assunção do risco e o modelo de ‘governance’. Três áreas em que os bons exemplos são poucos e que esbarram com um desenvolvimento harmonioso da sociedade.

Falando numa conferência sobre capitalização das empresas – organizada pela sociedade de advogados de José Pedro Aguiar Branco (a JPAB) – Carlos Costa afirmou que os capitais próprios de uma organização são a primeira linha para amortecer o impacto das perdas, mas também, por outro lado, são o espelho do que são essas organizações. E essa imagem tem impacto na obtenção de crédito.

Ou, pelo menos, é essa a melhor forma de aferir da saúde de uma empresa. Mas nem sempre é assim. E por não ser assim, é que se acumularam tantos problemas na banca – que agora tem à porta empresas que não conseguem crédito. Para Carlos Costa, “a prática de conceção de crédito assenta nas garantias patrimoniais e não no risco. A consequência é que as empresas que têm acesso ao crédito não são as que têm boas ideias que se podem transformar em bons negócios, mas aquelas que têm património suficiente para prestar garantias reais.

A ‘mortandade’ das boas ideias é, neste quadro, uma péssima notícia para a sociedade. Mas também o é para a banca que, ao preferir garantias reais à análise do risco, acumulou imparidades a que não sabe o que fazer, dado que o capital alocado a crédito malparado não gera qualquer rendimento.

É este paradigma que o Governador do Banco de Portugal quer ver alterado, sob pela de a economia portuguesa continuar a acumular ineficiências, perdas de capital desnecessárias e desperdício generalizado.

Resta o terceiro vetor, o dos modelos de ‘governance’, que desde logo, na opinião de Carlos Costa, inviabilizam, por uma complicada malha de conflito de interesses, o crescimento da dimensão das organizações. É como se as PME nacionais estivessem incapacitadas para crescer acima de uma dimensão da ordem dos 50 milhões de volume de negócio.

O Governador do banco central é mesmo de opinião que as empresas transparentes – onde estes conflitos de interesses (entre acionistas, entre acionistas e a gestão, etc.) não existem – devem ser alvo de uma discriminação positiva: “as empresas transparentes devem ser melhor tratadas”, disse – sem contudo esmiuçar em que termos esse tratamento devia acontecer.

Mas desengane-se quem esperava uma crítica ao sistema bancário. Para Carlos Costa, o sistema está a evoluir muito favoravelmente – o que fica claro pelos números que referiu: em 2010, o rácio de capital da banca era de 7,3%, para, no final de 2017, atingir os 13%.

Críticas da banca

Não era uma crítica ao sistema bancário, mas do sistema bancário. Pouco antes da intervenção de Carlos Costa, falou na mesma conferência o presidente da Associação de Bancos Portugueses (APB), Faria de Oliveira, que – no quadro geral que repetiu sobre aquilo que considera ser os excessos dos reguladores – especificou uma queixa que tem a ver com o crédito malparado.

Para aquele responsável, um dos problemas da banca é a ineficiência na capacidade de gestão do negócio em torno dos créditos malparados: a sua venda, e a formação de um mercado secundário para este tipo de soluções.

Quanto ao mais, Faria de Oliveira teve a oportunidade de voltar a queixar-se da insistência com que o poder político exerce pressão sobre duas das poucas fontes de receita do sistema financeiro: a margem bancária e as comissões – matérias onde a Assembleia da República, ‘puxada’ pelos partidos à esquerda do PS, têm tentado cortar as tentações da banca.

A capitalização de empresas, e os seus instrumentos, é o tema escolhido pela JPAB para lançar uma coleção de livros sobre temas que interessam à sociedade – e que têm  a ver com o negócio da própria sociedade de advogados. O antigo ministro da Justiça e da Defesa explicou ao Jornal Económico que a ideia da coleção não é a de se substituir à academia, mas a coligir sabedoria acumulada na prática em matérias que são de elevada importância.

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