[weglot_switcher]

Corrupção não pára. Mesmo com multas de 9 mil milhões de euros

Em Portugal, 46% dos inquiridos por este estudo da consultora EY afirmaram que as práticas de suborno/corrupção nos negócios acontecem de forma abrangente.
25 Abril 2018, 16h55

A escala de suborno e corrupção não revelou qualquer melhoria a nível global desde 2012, isto apesar de nunca ter havido tanta atividade de fiscalização e da introdução de novas leis de responsabilidade criminal desde então.

Estes dados são salientados na 15ª edição do estudo Global da EY sobre fraude a nível global, para o qual foram entrevistados 2.550 executivos de 55 países.

No estudo deste ano da EY, é possível constatar que, apesar dos reguladores e de as agências de aplicação da lei terem cobrado, globalmente, mais de 11 mil milhões de dólares (cerca de nove mil milhões de euros ao câmbio atual) em sanções financeiras desde 2012, 38% dos executivos mundiais ainda acreditam que o suborno e as práticas de corrupção continuam a ser predominantes nos negócios.

Em Portugal, este dado é ainda mais preocupante, com 46% dos inquiridos a afirmarem que as práticas de suborno/corrupção nos negócios acontecem de forma abrangente.

Andrew Gordon, EY Global Fraud Investigation & Dispute Services Leader (responsável pela área de investigação de fraude global e serviços de litigância), afirma que “a inexistência de uma melhoria sobre os níveis globais de corrupção, nos últimos seis anos, mostra que o comportamento anti-ético nos negócios continua a ser um grande desafio, apesar da intensificação da fiscalização em termos mundiais”.

“Enquanto a corrupção continuar a prevalecer, as empresas mantêm-se vulneráveis a significativos danos financeiros e reputacionais. Os órgãos de gestão devem identificar e abordar as principais causas da conduta anti-ética nas suas organizações. Os programas de ‘compliance’ têm de acompanhar o impacto dos rápidos avanços tecnológicos e de um ambiente de risco cada vez mais complexo nas operações de negócio. Uma gestão de risco anti-corrupção mais robusta deve ser considerada como um meio estratégico para melhorar o desempenho dos negócios”, defende este responsável da EY

Segundo o estudo desta consultora, a diferença nos níveis de corrupção entre os países mantém-se significativa, com 20% dos entrevistados em mercados desenvolvidos a indicarem que o suborno e a corrupção ocorrem nos negócios de uma forma abrangente, valor que sobe para mais de metade (52%) no caso da resposta dada pelos inquiridos em mercados emergentes.

Entre as regiões onde os riscos de corrupção se revelaram superiores à média global encontram-se a Europa Central e Oriental (47%), o Médio Oriente (62%) e a América Latina (74%), apesar da evolução na legislação anticorrupção e de uma fiscalização mais ativa em alguns países.

“De uma forma geral, os resultados revelam um frequente desfasamento entre a introdução de leis anti-suborno mais fortes e a redução da corrupção, com o Brasil, a Holanda e o Reino Unido a revelarem essa tendência. No Brasil, por exemplo, assistiu-se à introdução de legislação e ao aumento da fiscalização nos últimos quatro anos. No entanto, 96% dos brasileiros inquiridos indicam que as práticas de corrupção ocorrem amplamente nos negócios, que compara com uma leitura de 80% em 2014, quando as novas leis foram introduzidas. Já no caso dos EUA, onde a aplicação da Lei sobre a Prática de Corrupção no Exterior (Foreign Corrupt Practices Act, ou FCPA) se intensificou em meados dos anos 2000, os níveis de percepção de corrupção caíram este ano para 18%, o que constitui uma melhoria face aos 22% em 2014”, adianta um comunicado da EY.

Pedro Subtil, EY Fraud Investigation & Dispute Services Leader (responsável pela área de investigação de fraude global e serviços de litigância), para Portugal e Angola refere que: “em Portugal, ao contrário de outros países, não existe, ainda, uma entidade com poderes sancionatórios no combate à corrupção”.

“Este poder é crucial para dar eficácia às recomendações, como as do Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) e/ou para transpor boas práticas internacionais, como a francesa (com a Lei Sapin II). Neste sentido, seria positiva a criação de regulamentação específica e de uma entidade/agência com estes poderes”, considera Pedro Subtil.
O estudo da EY indica ainda que a integridade se mantém como uma prioridade nas agendas dos conselhos de administração, com 97% dos inquiridos a reconhecerem a importância da sua organização operar de forma exemplar.

“Embora a perceção melhorada do cliente, a retenção de colaboradores e o desempenho dos negócios sejam vistos como benefícios de uma demonstração de integridade, ainda existe uma disparidade entre as intenções e o comportamento real. No entanto, do total de entrevistados, 13% justificariam fazer pagamentos em dinheiro para ganhar ou manter negócios. Curiosamente, este valor aumenta para 20% entre os inquiridos com idade inferior a 35 anos”, revela o estudo da EY.

O relatório sugere ainda que as organizações devem deixar claro que agir com integridade é uma responsabilidade de todos, e embora isso compreenda a importância que os órgãos de gestão têm em definir esse princípio desde o início, também envolve os colaboradores individualmente. Segundo os resultados, 22% dos entrevistados acham que devem ser as pessoas a assumir uma responsabilidade principal para que a sua organização se comporte com integridade, ao passo que 41% dizem que essa responsabilidade primária cabe aos órgãos de gestão, ao passo que em Portugal cifra-se em 32%.

O estudo da EY indica ainda que pode haver algum nível de frustração entre as empresas no que concerne à sua capacidade de ‘cumprir a palavra’ quando se trata de gerir a conduta imprópria. Entre os entrevistados, 78% acreditam que as suas organizações têm a intenção clara de penalizar a má conduta, mas apenas 57% estão cientes de ter havido efetivamente algum tipo de penalização individual. Em Portugal, essa convicção é ainda mais baixa, situando-se apenas nos 40%.

De acordo com o relatório, assegurar uma gestão eficaz da conduta ética é uma questão que não só tem de ser tratada internamente, mas também com terceiros e com aqueles que atuam em nome da organização. No entanto, o devido cuidado em relação com terceiros também parece ser uma prioridade menor, com apenas 59% dos entrevistados a indicarem que dispõem de uma abordagem baseada em risco para ações de due diligence em relação a terceiros.

Andrew Gordon afirma que“o desafio premente para os órgãos de gestão e conselhos de administração é, portanto, o de construir uma cultura robusta de integridade e compliance, na qual os colaboradores fazem a coisa certa, porque é a coisa certa a fazer – e não apenas porque o código de conduta da empresa diz que assim devem fazer”.

“A notícia animadora é que, com os atuais avanços na análise de dados forenses, as empresas podem alavancar novas tecnologias para aumentarem a eficácia e a eficiência dos seus esforços e iniciativas, isto enquanto procuram melhorar os resultados de investigação e ‘compliance’”, defende este responsável.

Por seu turno, Pedro Subtil, conclui que, “em Portugal, para combater este fenómeno, o esforço das organizações deve passar pela criação e/ou reforço dos seus mecanismos de prevenção ABAC (Anti-Bribery Anti-Corruption), começando com um mapeamento dos riscos de corrupção e respetivos controlos, com a adoção de códigos de conduta e respetivas sanções disciplinares, com a implementação de linhas de denúncia (‘whistleblowing’) e, por fim e não menos importante, no desenvolvimento de formação continuada sobre estas temáticas, para instilar uma cultura de integridade e ‘compliance’”.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.