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Escolas estão a meio gás e a culpa não é da greve

Pais e diretores contam os problemas do dia-a-dia devido à falta de auxiliares. Há recreios sem supervisão e serviços encerrados.
3 Fevereiro 2017, 08h30

Biblioteca da escola fechada, pavilhões encerrados, papelarias e cantinas com horários reduzidos, recreios sem supervisão, salas de aula sujas e casas de banho sem papel higiénico nem sabonete. Não, este não é o cenário nas escolas por causa da greve desta sexta-feira do pessoal não docente. É o dia-a-dia em muitos estabelecimentos de ensino público, devido à escassez destes profissionais.

A Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores da Função Pública (FNSFP) acredita que a greve vai ter “grande adesão” e o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (SINTAP) sublinha que a paralisação “será das mais significativas alguma vez realizadas no setor”. Por isso, acreditam que muitas escolas não vão abrir portas hoje, devido ao protesto.

Mas a própria falta do pessoal não docente tem levado a que, pontualmente, alguns estabelecimentos não consigam funcionar por falta de condições básicas. Em muitas escolas, chegou-se ao ponto de retirarem o papel higiénico e o sabonete das casas de banho para evitarem que as crianças mais pequenas, que estão sozinhas, sem vigilância de um adulto, não entupam as sanitas nem os urinóis ou brinquem com os sabonetes.

Se querem ir à casa de banho, pedem papel higiénico à professora. O problema é que, durante o recreio, os alunos não têm acesso à sala de aula, que está fechada, e muitas vezes, nos intervalos, também não há auxiliares por perto.
“A questão do papel higiénico é apenas um exemplo. A insuficiência de pessoal não docente nas escolas leva a que haja falhas caricatas deste tipo, que estão generalizadas e não deixam de ser preocupantes. Mas o problema é muito mais vasto”, conta Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP).

Legislação desadequada
Associações de pais, diretores das escolas e também os sindicatos são unânimes na identificação da origem do problema: a portaria de 2008, entretanto alterada, que define os critérios e a fórmula de cálculo para determinar a dotação máxima do pessoal não docente, por agrupamento de escolas ou escola não agrupada.

“Os rácios que estão definidos por lei são muito curtos e devem ser repensados caso a caso, porque as necessidades variam de escola para escola. No primeiro ciclo, por cada 40 crianças há apenas um auxiliar, por exemplo”, diz o representante das associações de pais.

Também o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira, considera que “os rácios estão desadequados à realidade das escolas”. Além disso, o quadro está envelhecido, desde 2007 que não há contratações e a redução do horário para as 35 horas na administração pública também não veio ajudar, acrescenta o responsável.

Em menos de três anos, o número de assistentes operacionais e técnicos nas escolas públicas reduziu-se em cerca de 11 mil – atualmente há cerca de 49 mil trabalhadores não docentes. Os números são contabilizados pela FNSFP, estrutura sindical da CGTP que convocou a paralisação de hoje, a que se juntaram os sindicatos do setor da UGT. O Jornal Económico pediu dados oficiais ao Ministério da Educação, mas não foram disponibilizados.

O Ministério lembra, contudo, que este ano, ainda durante o primeiro período letivo, foi autorizada “a contratação de 300 assistentes operacionais para cerca de 80 agrupamentos de escolas/escolas não agrupadas de todo o país”, processos que são geridos pelas escolas. “Dado terem já decorrido cerca de três meses após a autorização de contratação, é expectável que a grande maioria das escolas já tenha concluído os processos”, acrescenta a fonte do Ministério de Tiago Brandão Rodrigues. Porém, o número parece ser insuficiente.

Excesso de horas
O presidente da ANDE considera que, neste momento, são precisos “pelo menos mais 4 ou 5 mil” auxiliares nas escolas públicas. “É preciso perceber bem a importância destes assistentes operacionais, que trabalham em parceria com os professores, dentro e fora da sala de aula, e que são fundamentais no processo educativo das crianças”, defende Manuel Pereira. Eles estão na cantina, nos pavilhões, são responsáveis pela limpeza da escola, pela manutenção das casas de banho, pela vigilância no espaço exterior e, neste momento, dada a falta de pessoal “há muitos que trabalham 8, 9 ou 10 horas por dia, estão exaustos”.

O dirigente da FNSFP, Artur Sequeira, que defende a necessidade de mais 6 mil auxiliares, acrescenta que, além das funções para que são contratados, “há escolas que ainda dão aos assistentes operacionais mais umas obrazinhas para fazer, como pintar paredes ou tratar dos jardins – ou seja, fazem o trabalho da autarquia”.

O problema não é de agora. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), destaca que a situação “tem muitos anos e passou, pelo menos, por quatro governos. É uma doença que não tem sido resolvida de forma séria e eficaz”, frisa o responsável, acrescentando que os trabalhadores “ganham uma ninharia, o salário mínimo, e estão a atingir os limites”.

As escolas gerem os processos de contratação e, com a transferência de competências para as autarquias, os reforços de pessoal não docente ficaram a cargo das Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia. O problema é que muitas autarquias não têm capacidade financeira para contratar quando há falhas, o que leva a que haja “tratamentos diferenciados e a destruição do princípio da universalidade do serviço público”, frisa, por seu lado, o dirigente sindical.

O Ministério da Educação garante que acompanha “as situações mais prementes” que “normalmente resultam de ausências motivadas por baixa médica dos trabalhadores”. E, nas situações mais urgentes, são encontradas situações provisórias, articuladas com as escolas e com os municípios, adianta a mesma fonte. Mas as soluções provisórias muitas vezes só vêm complicar a situação, diz Jorge Ascenção: “Preenchem-se vagas temporárias com pessoas que estão no desemprego e que nem sempre têm o perfil adequado para trabalhar com crianças”.

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