A vitória de Rui Rio nas diretas dos sociais-democratas veio abrir a porta a uma aliança entre os dois partidos mais votados nas eleições dos últimos anos – Partido Socialista (PS) e Partido Social Democrata (PSD). A possibilidade causou desconforto à esquerda e os politólogos contactados pelo Jornal Económico acreditam que, a menos que esta solução governativa resulte de “um pacto secreto”, como em 1983, apenas vai alimentar o sentimento antipartidário e favorecer os partidos fora do ‘arco da governação’.
“É estranho que um partido que quer ganhar as eleições legislativas venha assumir que não se importa de aliar-se ao partido da oposição para formar um Governo maioritário”, considera André Freire, politólogo e professor do ISCTE-IUL. “A sensação com que se fica é de que Rui Rio está a assumir a derrota e se está a candidatar já ao segundo lugar nas próximas eleições”, sustenta.
André Freire critica a atitude “pouco galvanizadora” do novo líder dos sociais-democratas, embora Rui Rio não tenha esclarecido em que condições seria feita esta aliança – através de uma coligação ou de um acordo de incidência parlamentar. O professor universitário defende que esta solução governativa “obscurece as diferenças entre partidos e torna difícil perceber o que quer a direita e o que quer a esquerda”. A opinião é partilhada por António Costa Pinto, politólogo e investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que acredita que uma aliança entre o PS e o PSD levaria a que as diferenças entre os dois partidos se tornassem menos claras.
Costa Pinto lembra que até Pedro Passos Coelho tomar posse como primeiro-ministro, a perceção social era de que não havia um distanciamento muito grande entre a direita e a esquerda. A barreira ideológica que os distingue viria a tornar-se mais nítida quando o PSD se coligou com o CDS e acabou por se consolidar com os acordos do PS com os partidos à esquerda. “O Bloco Central viria apagar essas diferenças”.
A ameaça à ‘Geringonça’
Um eventual regresso do Bloco Central veio alarmar o Partido Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE). O secretário-geral do PCP, Jerónimo Martins, convocou o Comité Central do partido e denunciou a possível “retoma formal ou informal de projetos reacionários” e o “recrudescimento do populismo e das conceções antidemocráticas que lhe estão associadas”. Já a coordenadora do BE, Catarina Martins, acusou Rui Rio de ser “a voz da direita conservadora” que “quer voltar ao Bloco Central” e ao “monopólio do negócio”.
“É normal que os partidos de esquerda que sustentam o Governo se tenham mostrado preocupados, sabendo que o acordo da chamada ‘geringonça’ é só até ao fim desta legislatura”, considera Adelino Maltez, politólogo e professor catedrático da Universidade Técnica de Lisboa. “Depois disso, o PS vai ter de enfrentar as urnas e caso venha a ganhar – o que não chegou a acontecer nas eleições de 2015 – pode haver lugar para a uma renegociação do acordo”, explica.
Também o CDS-PP veio mostrar que não quer ser deixado de fora na corrida às legislativas de 2019. Durante as jornadas parlamentares do partido, a líder centrista, Assunção Cristas, sublinhou que, no próximo ano, o que importa é conseguir um bloco de centro-direita com a maioria de deputados.
“Os partidos estão, de alguma forma, a tentar marcar a sua posição”, afirma Costa Pinto, considerando que “é pouco provável” que a ideia governativa avance. “Rui Rio abriu essa possibilidade de uma forma hipotética, num contexto de eleições internas no partido, mas entretanto veio corrigir as suas declarações. Rui Rio estaria a ser suicida se considerasse essa proposta antes de ir as eleições”, argumenta.
Além disso, o investigador sublinha que essa forma governativa iria servir de “terreno fértil para o populismo”. Exemplo disso foi, segundo Costa Pinto, a Alemanha, em que o impasse deixado pelas eleições gerais alemãs de setembro, obrigou a chanceler Angela Merkel a ter de negociar uma coligação com os sociais-democratas do SPD, dando à extrema-direita o lugar de maior partido da oposição.
“Trata-se de uma aliança que faz sentido em situações extraordinárias, num contexto de grave crise económica e financeira ou em contexto de guerra. Salvo essas exceções, não há qualquer incentivo ao Bloco Central e o líder socialista, António Costa, não mostrou grande interesse em que tal aconteça. Esta ideia abriria espaço para novos partidos à direita e serviria apenas para dar votos à esquerda, tendo em conta que seriam a alternativa política no país”, sublinha Costa Pinto.
Apesar de considerar que as circunstâncias em que ocorreu o bloco central de 1983 “não são em nada comparáveis”, Adelino Maltez reconhece a possibilidade de o PS e o PSD virem a encetar negociações para o renascimento desta solução governativa. O professor catedrático acredita, no entanto, que a existir um acordo, será um “pacto secreto” entre os dois partidos. “Caso se venha a formar um bloco central, este deverá partir de um acordo prévio entre o PSD e o PS, do qual só se tomará conhecimento depois das eleições legislativas de 2019”, defende.
Já Adelino Maltez considera que a constituição de um novo bloco central seria de “bom senso”. “Um pacto de regime permitiria ter uma democracia pluralista, como o próprio presidente Marcelo Rebelo de Sousa já veio defender”, refere. O professor catedrático considera que essa solução governativa iria permitir uma discussão dinâmica sobre temas considerados essenciais, em oposição com a “democracia doente e muito processual” que temos hoje. “Uma coligação entre o PS e o PSD iria permitir a revisão da Constituição e discutir temas como as políticas de segurança e a luta contra a corrupção”, sustenta.
Taguspark
Ed. Tecnologia IV
Av. Prof. Dr. Cavaco Silva, 71
2740-257 Porto Salvo
online@medianove.com