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Paraísos fiscais: venda da PT na lista de transferências para offshores

Uma única operação para um único offshore representa quase metade dos 8,9 mil milhões enviados para paraísos fiscais em 2015. Quatro mil milhões para as Bahamas coincidem com venda da PT Portugal à Altice, pela Oi.
24 Fevereiro 2017, 07h45

Em 2015, quase metade dos 8,9 mil milhões de euros transferidos de Portugal para offshores refere-se a uma única operação e tem como destino um único paraíso fiscal, revelou ao Jornal Económico fonte da administração fiscal. Em causa estão cerca de quatro mil milhões de euros e, pelos montantes revelados pelas estatísticas da Autoridade Tributária (AT), enquadra-se numa das 50 transferências para as Bahamas realizadas no ano passado, que totalizaram 4,7 mil milhões de euros em 2015. E a data de transferência dos quatro mil milhões coincide com o negócio de venda da PT Portugal, pela telecom brasileira Oi à Altice.

Esta operadora francesa e a Oi concluíram a 2 de junho de 2015 a venda da PT Portugal, tendo a Altice passado um cheque de 5,8 mil milhões de euros, dos quais quais 4,9 mil milhões foram recebidos em caixa pela Oi. Os restantes 869 milhões de euros foram destinados quitar dívidas da PT Portugal em euros.

O Jornal Económico questionou fonte oficial da Oi sobre a realização de uma transferência para as Bahamas em 2015, que foi declarada ao fisco por uma instituição financeira no ano passado.

“A Oi informa que não possui offshore nas Bahamas. Os valores referentes à venda da Portugal Telecom à Altice foram depositados num banco comercial brasileiro, que possui filial nas Bahamas para receber depósitos em euros”, respondeu fonte oficial da Oi, já após o fecho da edição em papel do Jornal Económico.

“Todos esses saldos foram devidamente declarados nas demonstrações financeiras da companhia. Posteriormente estes recursos foram transferidos na sua totalidade para o Brasil”, acrescentou.

Já as Finanças não se pronunciam sobre conteúdos concretos de declarações remetidas à Autoridade tributária (AT).

Segundo as estatísticas da AT, em 2015 foram enviados 1,3 mil milhões de euros para offshores por contribuintes residentes e 7,6 mil milhões de euros por não residentes. Deste último montante, mais de metade refere-se a transferências para o offshore das Bahama. Pela dimensão da operação única – cerca de quatro mil milhões – ela apenas pode ter sido feita para as Bahamas, já que as transferências para outros destinos representam apenas valores da ordem das centenas e dezenas de milhões de euros.

Omissões estatísticas
Esta informação surge  numa altura em que se ficou a saber que a estatísticas da AT omitiram cerca de 10 mil milhões de euros de transferências  realizadas, entre 2011 e 2014, para offshores – algo que só foi detetado após a actualização das estatísticas da AT no final de 2016.

Na terça-feira, o Público noticiou que, entre 2011 e 2014, não foram publicadas estatísticas sobre as transferências de dinheiro realizadas, a partir de Portugal, por empresas e pessoas singulares para as contas sediadas em paraísos fiscais. Em Abril de 2016, já com o Executivo de António Costa, foram publicadas as estatísticas, dando conta de que tinham sido enviados 7.162 milhões de euros para offshores naquele período. Já num segundo momento, no final de 2016, os novos dados divulgados não coincidiam com os primeiros ficheiros: 16.964 milhões de euros.

A omissão estatística de cerca de 9,8 mil milhões de euros, segundo fonte da máquina fiscal, tem por base o facto de antes desta reanálise, e na primeira importação de ficheiros, ter sido “dada instrução nos sistemas informáticos para absorver a informação relativa às declarações válidas, que não incluíam as que davam erro e que, por isso, não eram consideradas como declarações certas”.

Em causa estão 20 declarações apresentadas pelas instituições financeiras, com a identificação dessas transferências, que apresentavam erros – e que por esse motivo não foram dadas como validadas, acabando por não ter tido qualquer tratamento da AT.
Sobre esta questão, fonte oficial do Ministério das Finanças admite problemas nos mecanismos informáticos que ditaram o não tratamento da informação, mas não explicam se o critério utilizado para a importação dos dados estatísticos (declarações válidas) se tratou de uma rotina ou de alguma ordem superior.

A mesma fonte começa por explicar que “a primeira divulgação teve por base os dados recebidos pela AT que foram disponibilizados à Inspeção Tributária, não incluindo portanto os dados que foram comunicados pelas instituições financeiras mas não foram à época tratados pela AT”.

E garante que, em 2016, todas as declarações foram processadas com sucesso. Ainda assim, fonte oficial do ministério avança que “as cerca de 20 declarações em falta foram aceites pelo sistema, na medida em que a sua submissão não foi rejeitada, mas os dados aí constantes apenas foram parcialmente processados e registados na base de dados”.
Segundo as Finanças, em outubro o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) tomou conhecimento da existência de discrepâncias na declaração de uma instituição relativa a 2014, tendo determinado a reanálise de todas as declarações, incluindo de anos anteriores. Em novembro, na sequência da reanálise solicitada, foi informado de que não teriam sido objeto do devido tratamento cerca de 20 declarações relativas a períodos entre 2011 e 2014.

Azevedo Pereira garante acompanhamento
Nesta quarta-feira, o ex-diretor-geral da AT, José Azevedo Pereira, garantiu, em declarações ao Jornal Económico, que a máquina fiscal efetuou o tratamento e o acompanhamento inspetivo das transferências para offshores comunicadas pelos bancos entre 2011 e 2014 foram objecto pela AT “quer o tratamento e o acompanhamento inspetivo que lhe competia, quer a preparação dos elementos necessários à efetiva divulgação pública dos elementos em causa”.

Segundo Azevedo Pereira, no período em que esteve à frente do fisco (entre 2007 e julho de 2014) efectuou também a preparação dos elementos necessários à divulgação das estatísticas  referentes às transferências para os centros offshores. Já Brigas Afonso, director-geral da AT entre julho de 2014 e março de 2015, recusou comentar este caso.

O ex-SEAF, Paulo Núncio, já garantiu em declarações ao jornal Eco que “a divulgação das estatísticas nada tem a ver com o tratamento e a utilização da informação sobre transferências para paraísos fiscais para efeitos de inspeção da Autoridade Tributária”.

Notícia atualizada às 09:40 com a confirmação da informação e outros esclarecimentos por parte de fonte oficial da Oi

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