Artigo originalmente publicado no Jornal Económico a 10 de agosto de 2022
O que se sabe do grupo de mercenários que adotou o nome Wagner é que basicamente não existe: não tem existência oficial, não divulga qualquer notícia, desmente mesmo a sua existência. Não paga impostos e é oriunda da Rússia, país onde as empresas militares privadas são ilegais.
Uma extensa reportagem da “Al Jazeera” permite agora levantar um pouco o véu sobre o que faz correr quem aceita fazer parte do grupo. O dinheiro, claro, mas talvez qualquer coisa mais que isso. Fundada em 2014 por um oficial dos serviços secretos russos, Dmitry Utkin, alegadamente para apoiar os separatistas ucranianos, o grupo esteve em África (talvez em Moçambique, de certeza no Sahel) e no Médio Oriente (na guerra civil da Síria) ao lado do presidente Bashar al-Assad. Sempre esteve do lado dos interesses do Kremlin, o que é uma decisão estratégica ou apenas uma enorme coincidência.
“Mercenários não têm estatuto oficial, não têm os mesmos direitos ou garantias que um representante oficial das Forças Armadas, e o pagamento é feito somente após completar uma missão”, disse o ex-combatente Marat Gabidullin à “Al Jazeera”. “Terminada a missão, é-se pago e pode-se ir de férias”.
Gabidullin é, para já, o único ex-mercenário do grupo Wagner a falar publicamente das suas experiências, contando até com um livro de memórias denominado “In the Same River Twice’.
Um especialista militar russo, Pavel Luzin, afirmou à mesma estação televisiva que o grupo “sempre fez parte dos serviços secretos militares ou das forças de operações especiais, nunca foi privado ou de alguma forma autónomo”.
“O grupo Wagner não é uma força de elite nem de comandos bem treinados, é apenas mais uma espécie de ‘carne de canhão’ com o objetivo de contrabalançar qualquer ameaça política. O Kremlin simplesmente não confia nas forças armadas”, disse.
O grupo de mercenários é supostamente financiado e controlado por Yevgeny Prigozhin, um oligarca russo conhecido como o ‘cozinheiro de Putin’ por causa dos seus muitos contratos de catering realizados com o Kremlin. O ‘cozinheiro’ nega quaisquer ligações com o grupo Wagner, a ponto de apresentar queixa às autoridades após ser questionado sobre o assunto por jornalistas.
Mas à medida que a participação do grupo aumenta na Ucrânia cresceu, as coisas parecem estar a mudar. Na rede Telegram alguém publicou recentemente uma fotografia do que pareciam ser outdoors russos a promoverem recrutamento para o grupo Wagner, oferecendo salários de 240 mil rublos (uns quatro mil euros) por mês.
“O grupo Wagner tornou-se mais público precisamente por causa da mudança do seu estatuto”, disse Mark Galeotti, especialista em questões de segurança russa, à “Al Jazeera”. “Enquanto antes era um instrumento do Estado russo, bem como um empreendimento comercial bastante autónomo, agora é, de facto, pouco mais do que uma extensão das forças armadas russas. É uma fonte alternativa de mão-de-obra de combate, necessária precisamente porque esta é apenas uma ‘operação militar especial’ e, portanto, o Kremlin não pode simplesmente mobilizar os homens de que precisa”, afirma.
“Quaisquer razões idealistas são apenas para disfarçar; a motivação de praticamente todos é o dinheiro”, disse Gabidullin, que esteve no grupo de 2015 a 2019 e antes disso foi soldado profissional durante dez anos, nas forças aerotransportadas. “Quando me juntei ao grupo, a maioria tinha experiência de combate em mais de uma guerra – Chechénia, Geórgia – e a maior parte vinha da Ucrânia desde 2014”.
Da Síria, onde esteve, conta que o exército regular da al-Assad não tinha “hipóteses” de vencer o Estado Islâmico: Gabidullin descreveu o exército sírio como pouco profissional e desmotivado, com corrupção desenfreada em todos os níveis de comando. “Mas o alto comando russo precisava de salvar a face e então enviou mercenários, porque as perdas sofridas pelos mercenários não foram contadas entre os números oficiais”. É a ilusão de uma guerra com poucas baixas.
Depois de fevereiro, muitos dos mercenários foram redistribuídos para a Ucrânia, onde terão participado de batalhas estratégicas nas cidades de Popasna e Lysychansk, bem como na fábrica de energia de Vuhlehirsk. O próprio Prigozhin foi fotografado na região de Luhansk em abril passado.
Jornalistas do Quirguistão escreveram que o grupo Wagner está a procurar recrutas uzbeques e quirguizes para “a zona de operações especiais na Ucrânia”, oferecendo um bom salário e acesso rápido à cidadania russa.
Outros grupos de mercenários russos lutam na Ucrânia, como é o exemplo do grupo Redoubt, que mobilizou ex-soldados que constavam de uma na lista negra do exército regular e que atuará sob controlo do Ministério da Defesa russo.
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