O registo de propriedade é um tema com grande importância para Portugal. De que forma é que este processo é crucial para a valorização do território nacional?
O registo da propriedade é, por si só, um fator de valorização dos terrenos rústicos, porque coloca a propriedade no mercado jurídico imobiliário, reunindo as condições de segurança jurídica para se poder vender, arrendar, emparcelar, permutar, ou realizar qualquer outro ato predial sujeito a registo. Veja-se o exemplo de um cidadão que pretende adquirir uma propriedade e que antes do BUPi não sabia qual a sua localização e limites, e que agora, estando a propriedade identificada no BUPi passa a ter a segurança e a confiança de que a propriedade existe, onde se localiza, e de que está registada.
O BUPi vem concretizar e assegurar as condições que permitem ao proprietário de terrenos rústicos identificar e registar a sua propriedade, de uma forma simples, gratuita e sem qualquer aumento de impostos, o que pode fazer com o apoio de um técnico habilitado, num dos balcões BUPi dos 154 municípios, que já disponibilizam atendimento presencial ou através da plataforma online.
O BUPi procura, ainda, potenciar o conhecimento do território, viabilizando a integração do conhecimento setorial através da disponibilização de fontes de informação anteriormente dispersas pelas entidades da Administração Pública e do sector empresarial do Estado, permitindo gerir os dados obtidos e as camadas de informação a integrar para melhor compreender o território.
Quais os desafios inerentes a este processo?
São muitos os desafios, desde logo, o desafio de acelerar o conhecimento do território apesar dos bons resultados alcançados. São muitos os cidadãos com dificuldade em identificar as suas propriedades e os respetivos limites, por isso dizemos que o BUPi tem pressa e não pode desperdiçar o conhecimento dos mais velhos, daqueles que conhecem estremas e proprietários. É muito deste legado de memória que o BUPi se alimenta e este é, claramente, um enorme desafio, lutar contra o tempo.
Para ajudar na identificação da propriedade e acelerar este conhecimento, a eBUPi tem desenvolvido novos instrumentos que auxiliam os proprietários no reconhecimento e declaração daquilo que lhe pertence, como o algoritmo de dedução de localização de matrizes que indica ao proprietário a localização mais provável do seu terreno, e um outro mecanismo, que recorrendo à cartografia disponível no BUPi, permite sugerir ao proprietário a configuração possível da sua propriedade, acelerando a identificação e reduzindo possíveis erros de desenho.
Outro desafio que destaco, que é um dos objetivos prioritários do BUPi, é a criação do número de identificação do prédio (NIP), que vai permitir que cada propriedade seja identificada por um número único, uma espécie de cartão de cidadão do prédio, simplificando a vida ao cidadão que deixará de ter de saber vários identificadores da propriedade (nº da descrição predial, nº de cadastro, nº da matriz), mas que também funciona como um identificador comum para os vários serviços da Administração Pública.
Para se alcançar este propósito, está em curso a implementação de uma nova arquitetura aplicacional e funcional do BUPi que implementa um modelo de interoperabilidade aprofundado e dinâmico, com vista à geração do NIP e à criação das condições para a respetiva implementação gradual e faseada no território, prevendo-se a atribuição dos primeiros NIP em fase piloto até final do ano, em áreas integradas de gestão da paisagem, onde este trabalho tem especial relevância na aceleração e implementação de políticas de ordenamento do território e onde o próprio trabalho do BUPi já se encontra bastante avançado, abrangendo todo o território no final de 2025.
A eBUPI está a expandir este processo aos emigrantes. De que forma vai funcionar?
O processo funciona da mesma forma para quem reside em Portugal ou no estrangeiro. Já hoje se encontra disponível a possibilidade de identificar a propriedade através da plataforma online, sendo que esta faculdade poderá ser mais utilizada por aqueles que não residem no país.
É neste sentido que estamos a intensificar a campanha de comunicação dirigida aos emigrantes, dando a conhecer a possibilidade de identificarem a sua propriedade quando regressarem aos países onde residem, através do processo online.
Fazem ideia de quantos emigrantes portugueses possuem propriedades em Portugal e que não estão registadas?
Os dados disponíveis indicam que no território nacional existem mais de 11 milhões de matrizes rústicas inscritas nas finanças e que apenas um terço se encontra registado na conservatória do registo predial.
Nos 153 municípios do continente que não possuem cadastro, onde se aplica o cadastro simplificado, estão inscritas cerca de 8,6 milhões de matrizes. Com o BUPi já foi possível identificar mais de 2,3 milhões de propriedades, por declaração de mais de 350 mil proprietários. O projeto também já está a ser implementado nos cinco municípios da Região Autónoma da Madeira que não dispõem de cadastro predial, prevendo-se a adesão dos 15 municípios da Região Autónoma dos Açores até final do ano.
Mas o projeto vai além dos 173 municípios que podem aderir ao BUPi na componente da georreferenciação. Com âmbito nacional, o cadastro simplificado aplica-se a todo o território nacional, nos 308 municípios, com todos os proprietários a poderem usufruir gratuitamente dos procedimentos de registo das suas propriedades, criados como incentivo para que procedam ao registo e assegurem os seus direitos de propriedade.
De que forma é que a burocracia impacta o abandono de propriedades em Portugal?
São muitos os constrangimentos e as debilidades estruturais que justificam o abandono de propriedades em Portugal.
A propriedade privada representa 91% do território rústico, com uma estrutura extremamente fragmentada (minifúndio), a que se junta um regime jurídico que promove a fragmentação virtual da propriedade, admitindo a multiplicação dos putativos titulares nos prédios que se mantêm indivisos, por força da opção pela compropriedade ou pela simples indivisão da herança, que não tem prazo para acontecer, que garante ao titular efetivo ou putativo da propriedade a plenitude dos direitos reais de usar, de usufruir, ou de abandonar a propriedade se assim o entender.
Não nos podemos esquecer que a vida hoje é muito diferente do tempo dos nossos pais e avós. É preciso encontrar novas respostas para a gestão da propriedade, que já não se faz com cada um a tratar o que é seu. Com uma estrutura da propriedade privada extremamente fragmentada, sobretudo a norte do Tejo, torna-se incompatível a dimensão da propriedade e a escala adequada para uma gestão ativa e racional.
Naturalmente destacar o agravamento das condições para a ocorrência de incêndios rurais, em particular de grande dimensão, e que tudo isto impõe um conjunto de medidas que promovam uma mudança estrutural nos modelos de ocupação e gestão dos solos, mas que precisam do conhecimento dos limites e dos titulares da propriedade para poderem ser operacionalizados.
A burocracia impacta na regularização dos processos de registo e atualização de informação relacionada com a propriedade, que muitas vezes desincentivam o cidadão a prosseguir com os processos administrativos. É, também, nesta vertente de simplificação administrativa e procedimental que estamos a trabalhar com as entidades públicas parceiras do projeto.
A eBUPI implementou alguma tecnologia inovadora para facilitar o processo de registo?
A plataforma BUPi tem vindo a evoluir e encontra-se atualmente assente em infraestrutura cloud, o que é algo de diferenciador face a outras entidades no sector público.
Adicionalmente, o BUPi tem um sistema de informação geográfica evoluído e robusto cuja peça central é o GeoBUPi, que fornece conteúdos a ferramentas como o visualizador BUPi, a app BUPi e os dashboards geográficos, mas também a entidades parceiras do projeto e que irá evoluir para um geoportal até final do presente ano.
A partir de novembro de 2023 o BUPi iniciou a disponibilização de serviços ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), marcando, também para a eBUPi, uma nova etapa na colaboração com os parceiros institucionais do projeto dado que é o primeiro serviço disponibilizado através do GeoBUPi que passa a servir o BUPi internamente e externamente os seus parceiros.
No BUPi são disponibilizados: o algoritmo de dedução da localização de matrizes que ajuda o proprietário ao apresentar uma sugestão de localização da sua propriedade; a camada de polígonos sugeridos, que apresenta uma proposta de delimitação da propriedade com base na informação disponível no BUPi; e o algoritmo de ajuste de estremas, que automaticamente permite corrigir os limites das propriedades (eliminando lacunas entre propriedades ou sobreposições entre elas).
O visualizador do BUPi foi totalmente reconfigurado para disponibilizar novas funcionalidades e conteúdos que melhoram significativamente a experiência do utilizador com benefícios diretos para um melhor serviço aos cidadãos, destacando-se: a consulta de várias versões históricas de uma determinada camada (ortofotomapas, carta de ocupação e uso do solo, áreas ardidas, entre outras); a comparação simultânea de duas camadas de mapa e análise de informação por cruzamento espacial de dados; a visualização do território tanto em 2D como em 3D, que facilita o reconhecimento pelo cidadão da sua propriedade, em particular em áreas de orografia mais acidentadas, agilizando a sua identificação.
No passado mês de julho lançámos a nova versão da App BUPi, uma aplicação móvel gratuita, que dá autonomia ao cidadão no desenho da sua propriedade (através da identificação das coordenadas geográficas no terreno). Esta atualização incorporou melhorias na experiência do utilizador, passou a permitir a identificação da propriedade à distância e a utilização de mais conteúdos geográficos, bem como a suportar a uma maior variedade de polígonos.
De que forma é que a aplicação criada permite simplificar o processo?
No domínio do apoio ao cidadão na identificação das suas propriedades, a app BUPi, que acabei de referir, permitiu acelerar muito o grau de autonomia dos cidadãos e o número de propriedades identificadas, disponibilizando um instrumento gratuito, desenhado e pensado em função das necessidades dos cidadãos.
A app permite ao cidadão proceder ao levantamento das coordenadas geográficas da sua propriedade, evitando ter de pagar por um levantamento topográfico, bastando-lhe depois carregar na plataforma BUPi o ficheiro gerado com indicação das coordenadas do terreno a registar.
Após o sucesso da primeira versão da app móvel BUPi, que já conta com mais de 160 mil downloads, lançámos recentemente uma nova versão da aplicação, totalmente gratuita à semelhança da versão anterior, com uma imagem renovada e várias novas funcionalidades, muitas delas resultando de um processo de envolvimento dos utilizadores na identificação de melhorias, que tornam ainda mais fácil a sua utilização.
Gratuita e fácil de usar, esta aplicação não substitui a plataforma online ou a visita a um balcão, mas torna o processo muito mais simples, sobretudo em áreas muito arborizadas em que a identificação da propriedade através do mapa em computador é mais difícil e os benefícios da ida ao terreno são mais relevantes, facilitando a apresentação do processo apresentado pela via online, por exemplo.
O registo de propriedades tem impacto na economia local. Que benefícios económicos se têm observado desde a implementação do BUPI?
Há benefícios que são óbvios, para o cidadão proprietário e para o país.
Para o proprietário o principal benefício é poder proteger o que é seu e deixar o seu legado protegido para as gerações futuras, beneficiando do regime de gratuitidade associado a todo o processo. Deixam de existir futuras dúvidas sobre a propriedade, a sua localização real, o que dá mais garantias nos negócios jurídicos que pretenda realizar.
Para o país, ficam as mais-valias potenciais que a implementação do projeto e os seus resultados encerram para o desenvolvimento socioeconómico do país, com claros benefícios financeiros e económicos de curto, médio e longo prazo para a sociedade portuguesa e para as gerações atuais e futuras.
Precisamente com o objetivo de medir esse impacto, a eBUPi celebrou um protocolo com o CES e a FEUC para perceber em que medida os objetivos preconizados pelo BUPi são alcançados, ou seja, medir o seu impacto nas dimensões social, económica e ambiental, conhecimento crucial para a tomada de decisões mais informadas e adequadas às necessidades do projeto.
De que forma o registo de propriedades contribui para uma gestão territorial mais sustentável?
Importa assegurar uma base de conhecimento alargado sobre o território, nomeadamente quanto ao tipo e limites das propriedades rústicas, permitindo identificar os proprietários das terras, enquanto instrumento indispensável para o desenvolvimento de políticas públicas de valorização territorial, para atividades de planeamento, gestão e apoio à decisão sobre o território e à sua ocupação e uso, das quais depende o desenvolvimento sustentável de políticas públicas em diferentes domínios e diferentes âmbitos e à adequada gestão das propriedades rústicas pelos privados. Este conhecimento é ainda essencial para a prevenção de riscos ambientais, na política fiscal de base territorial, nas políticas de incentivos e de financiamento, e nos mais variados exercícios de cidadania. Sem este conhecimento fica inviabilizada a introdução de novos modelos de gestão associativa, de investimento e de fiscalidade, bem como a adoção de modelos redistributivos de benefícios e encargos justos e promotores da transformação.
E para que a propriedade possa gerar valor é preciso planear e gerir a ocupação e uso do solo e isto só é possível quando se conhecerem os limites dos terrenos e os respetivos titulares. O BUPi pretende ser uma resposta capaz de contribuir para a gestão responsável e sustentável do território, particularmente em vertentes como a floresta e a agricultura, sendo a interligação que permitirá um conhecimento integrado e harmonioso da informação relacionada com os prédios rústicos e mistos e a base para se alcançar o cadastro predial multifuncional através de uma plataforma de conhecimento do território.
Como é que este processo valoriza o território nacional?
Como referi, para valorizar o território precisamos conhecer o país, gerir os dados obtidos e as camadas de informação para compreender melhor o território e desenhar e implementar políticas públicas de âmbito nacional e local de valorização territorial, seja no domínio da transformação da paisagem, ordenamento e gestão do território, seja no âmbito do apoio a novos métodos de exploração ou novos negócios, operações de reestruturação fundiária, desenvolvimento das comunidades locais, entre outros.
Como é que garantem um processo eficiente? Têm colaborações com outras instituições?
A concretização deste projeto depende muito da participação do cidadão, mas depende também, em grande medida, de um processo colaborativo entre entidades da administração pública.
Diria que há poucos projetos na administração pública que congregam um conjunto tão variado de entidades parceiras, através das quais se reutilizam prementemente fontes de informação, e o BUPi tem sido um exemplo de colaboração, partilha e compromisso entre entidades com atribuições e competências em matéria de gestão territorial, aqui destacando o trabalho dos municípios, do Instituto dos Registos e do Notariado, da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Direção Geral do Território, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, da Agência Portuguesa do Ambiente e das Infraestruturas de Portugal.
Além do percurso tecnológico encetado, a integração e interoperabilidade de dados de processos administrativos e de registos de propriedade, em articulação com o IRN, a DGT e a AT, vai permitir concretizar, como referi, a implementação do NIP, harmonizando informação da propriedade nas dimensões registral, cadastral e tributária.
Tendo o regime jurídico de cadastro predial consagrado o BUPi como a plataforma única de interface com o cidadão na área predial, reforçando a interoperabilidade entre entidades com atribuições em matéria de gestão territorial, importa continuar a concitar esforços e conhecimento existente e mobilizar os cidadãos e os agentes locais para transformar e construir uma nova realidade territorial.
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