O histórico líder socialista Mário Soares foi “um grande vencedor” do 25 de Novembro, ao inspirar a criação do Grupo dos Nove que travou a derrapagem para uma ditadura de esquerda, mas, se fosse vivo, recusaria participar nas comemorações no parlamento.
A convicção foi manifestada à agência Lusa por Joaquim Vieira, jornalista e ensaísta, autor de uma biografia de Mário Soares, agora atualizada com novos factos do final da vida do ex-Presidente da República, editada pela Dom Quixote, que acaba de ir para as livrarias por ocasião do 100.º aniversário do seu nascimento, a 07 de dezembro.
Apesar de considerar “muito difícil” adivinhar o que seria hoje o pensamento de Mário Soares, Joaquim Vieira arrisca: “Eu quase poria ‘as mãos no fogo’ para dizer que ele não concordaria com este tipo de celebrações que estão a ser organizadas na Assembleia da República”.
“Mário Soares acharia, e com toda a razão, que a data fundadora, e que é o momento de viragem na História, é o 25 de Abril, e o 25 de Novembro decorre dessa data e, portanto, não tem dignidade para ser comemorada ao mesmo nível, equiparada ao 25 de Abril”, sustenta.
O autor de “Mário Soares, uma Vida”, que agora revela dados novos sobre a vida pessoal do ex-Presidente nos seus últimos anos, não tem dúvida de que o histórico e primeiro líder socialista foi “um grande vencedor” do 25 de Novembro.
“Ele percebeu que havia um perigo de subversão dos valores da Abril, havia a tentação de construir um sistema ditatorial de esquerda muito próximo dos que existiam nos países do bloco soviético” e, por isso, “foi talvez o primeiro a levantar-se publicamente para dizer que era necessário fazer uma correção histórica em relação ao 25 de Abril, que depois veio a ser feita pelo 25 de Novembro”.
Joaquim Vieira aponta o “ato de coragem” que constitui o chamado comício da Fonte Luminosa, no início de julho de 1975, e que pretendeu alertar para o perigo de o sistema democrático derrapar para uma ditadura de tipo soviético, como nos países do então Pacto de Varsóvia (uma espécie da NATO dos países do leste europeu).
“Mário Soares, mais do que qualquer outro, teve a intuição de perceber que as coisas se encaminhavam numa direção errada” e “foi muito veemente na denúncia do que se estava a passar”. E “só depois disso é que se organizam os militares moderados contra essa radicalização do processo político, o chamado Grupo dos Nove”, constituído por Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pezarat Correia, Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves, Sousa e Castro, Vítor Alves e Vítor Crespo.
É então que o Grupo dos Nove – recorda o autor de “Mário Soares, Uma Vida” – “se vai organizar e desencadear as operações do 25 de Novembro fazendo a tal correção para a via democrática, liberal”, ao estilo da Europa ocidental.
Joaquim Vieira sublinha que Soares “foi pioneiro” nesse combate, “muito mais que Sá Carneiro ou o CDS” e lembra que o Grupo dos Nove “só vem depois” dos alertas do então líder socialista.
No livro, agora atualizado, Joaquim Vieira escreve que “o 25 de Novembro assinalaria o fim do PREC e a entrada de em fase de normalização democrática, com a consagração do projeto constitucional e a realização dos atos eleitorais nele previstos” enquanto “Soares emergia já como vencedor desse delicado período histórico”.
Quanto à origem da tentativa de radicalização política, Joaquim Vieira deixa em aberto se foram apenas militares conotados com os comunistas, entusiastas do regime soviético, ou o próprio PCP, citando declarações do então secretário-geral, Álvaro Cunhal, e do líder parlamentar, Carlos Brito, negando qualquer relação com aquele processo.
Cunhal escreveria, num livro editado em 1999 e citado por Joaquim Vieira, que “a verdade é que nunca houve ‘recuo’ nem desistência porque nunca houve golpe nem tentativa de golpe do PCP”.
Vieira destaca também o papel de Ernesto Melo Antunes, o primeiro subscritor do chamado “Documento dos Nove”, que iria à RTP após o 25 de Novembro para garantir que a existência legal dos comunistas não estava posta em causa e que “a participação do PCP na construção do socialismo é indispensável”, uma opinião com o qual Mário Soares concordaria.
Joaquim Vieira não deixa de destacar o papel de Ramalho Eanes em todo o processo, o que viria a merecer a discordância de Soares.
“Do lado dos Nove ganhava notoriedade o nome do então tenente-coronel António Ramalho Eanes, escolhido como comandante operacional da ação militar dos moderados, o qual, ao fim do dia 25, lançou os comandos de Jaime Neves contra a unidade revolucionária que era o regimento de Polícia Militar (nas traseiras do Palácio de Belém), pondo termo à subversão castense na capital pelo preço da vida de três soldados”, escreve Vieira no livro, não deixando de escrever que Mário Soares classificaria a participação de Eanes no 25 de Novembro como “uma coisa ocasional”.
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