[weglot_switcher]

“Interesse por investimentos orientados ao impacto social têm sido cada vez maior”

Patrícia Rocha, diretora executiva da Fundação Manuel Violante, diz ao Jornal Económico que o futuro da economia social é “promissor”, com a digitalização a ser o seu principal motor de transformação.
social
Patrícia Rocha | Fundação Manuel Violante
3 Dezembro 2024, 16h13

Como foi criada a Fundação Manuel Violante, qual a sua história? Qual o papel desta instituição no panorama social?

A Fundação Manuel Violante foi criada por um grupo de amigos e familiares do Manuel Violante após a sua morte, em 2004. O Manuel foi uma pessoa impactante que deixou a sua marca pessoal e profissionalmente em todos que com ele se cruzaram. Fundou o escritório da McKinsey em Portugal e inspirou colegas e clientes e foram estes que através da Fundação quiseram perpetuar a sua memória.

A Fundação ambiciona replicar o impacto que o Manuel sempre teve. É uma organização sem fins lucrativos, cuja missão é contribuir para o desenvolvimento do setor social português através da capacitação em gestão das suas organizações.

A Fundação insere-se no panorama da economia social. Porquê? Quais os seus principais projetos e iniciativas com impacto neste sector?

Trabalhamos na economia social porque é neste setor que a nossa intervenção tem um elevado impacto. Através da melhoria da gestão das organizações sociais conseguimos de forma indireta melhorar a intervenção das mesmas junto dos seus beneficiários e com isso contribuir para a melhoria de milhares de pessoas. Os resultados do programa têm também mostrado que a motivação e empoderamento das equipas tem sido substancial e essa é uma das conquistas de que mais nos orgulhamos. Dar asas a estas equipas para voar.

Ao longos dos últimos 15 anos já trabalhámos com perto de 400 organizações que nos foram desafiando a ajustar a metodologia de trabalho com vista à maximização do impacto. Por isso, chegados a 2024, temos um programa – o programa MILES – que nos permite chegar a um grande número de organizações e fazer uma capacitação verdadeiramente diferenciadora. Não só são introduzidas boas práticas de gestão, mas a equipa que participa é convidada a rever os seus comportamentos ligados à gestão garantindo que as práticas implementadas não se perdem com o tempo.

Que tendências têm visto emergir na economia social?

Ao longo dos anos, apesar das dificuldades que subsistem, a economia social tem sido pioneira em diferentes áreas. O empreendedorismo e a inovação social são temas lançados na economia pelo setor social. A criação de iniciativas de carácter inovador tem crescido na economia social e contagiado outros setores de atividade.

As parcerias entre setores, social, público e privado, são também uma constante no trabalho do setor social. Estas colaborações ajudam a maximizar recursos e a alcançar objetivos comuns com elevado impacto social. Permitem construir um verdadeiro ecossistema social onde todos têm um papel a desempenhar.

A digitalização tem também crescido nos últimos anos e continuará certamente a ser uma tendência no setor. As organizações recorrem à tecnologia com maior frequência e bastante maior facilidade, no entanto, existe ainda um caminho a percorrer no uso de ferramentas digitais nas atividades do dia a dia. Dada a relevância que tem na melhoria da eficiência e escalabilidade de várias iniciativas sociais, seguramente continuará a ser uma área em crescimento neste setor.

Por último, o interesse por investimentos orientados ao impacto social tem sido cada vez maior. Um maior número de investidores canaliza fundos para projetos que apresentem, em simultâneo, retorno financeiro e impacto social. Esta exigência tem também o mérito de obrigar as organizações a trabalhar ainda melhor, a capacitar as suas equipas e a trabalhar para se diferenciarem dos seus pares, introduzindo a inovação no seu dia-a-dia.

Quais os maiores desafios que organizações como a vossa enfrentam para manter e ampliar o seu impacto?

Trabalhar no setor social traz desafios que se relacionam com as características próprias do setor, o que pode dificultar a sua mitigação.

Vivemos com o desafio do financiamento. Na maioria dos casos, embora se queira que cada vez sejam menos, o modelo de negócio não permite a cobertura dos custos pelo pagamento do serviço, mesmo quando existe comparticipação da Segurança Social. As organizações têm de recorrer a financiamentos de outra natureza (angariação de fundos, parcerias ou candidaturas a fundos europeus), que nem sempre são certos ou de longo prazo. Esta incerteza condiciona o planeamento da atividade e com frequência o crescimento das organizações.

A falta de competências em algumas áreas, como gestão ou inovação digital, é ainda um desafio não ultrapassado, a capacitação e formação são áreas chave para que o crescimento e fortalecimento destas organizações se verifique. A expansão das atividades quer para outras áreas geográficas quer para outras áreas de atividade está limitado pelos dois desafios acima identificados e é agravado pela falta de recursos humanos de que este setor sofre. A captação de talento é especialmente difícil num setor cuja capacidade financeira não permite atrair talento pelas condições económicas ou perspectivas de carreira. O outro lado da moeda, no entanto, mostra-nos que é um setor que retém as pessoas pelo coração e pelo impacto que gera.

Em termos práticos, como medem o impacto das atividades e projetos da Fundação na sociedade? Há indicadores-chave ou exemplos que possa compartilhar connosco?

Medimos o impacto do nosso trabalho nas organizações que capacitamos. É construída uma hipótese de impacto consubstanciada numa teoria da mudança que identifica resultados a curto e a longo prazo. Interessa-nos ter dois tipos de indicadores: indicadores objetivos de práticas implementadas, que melhorem a eficiência e eficácia da organização, e indicadores comportamentais que garantam que essas mudanças perdurem no tempo.

No programa que termina agora em Novembro temos 48 organizações de 22 localidades que já entregaram no seu conjunto mais de 1000 trabalhos relacionados com a sua gestão. Este é o início do caminho, o que nos indica que estão a ir na direção correta. A par destes trabalhos foram sendo ajustados comportamentos, relacionados com o planeamento e organização, com a gestão de tempo, com a gestão de equipas, com a liderança e até a autonomia. Todas estas mudanças são registadas e identificadas.

Têm algumas parcerias. Qual o papel das parcerias entre o setor privado, público e as organizações sociais no impacto desta economia social?

As parcerias entre os três setores são chave para o desenvolvimento da economia social. Estas colaborações aproveitam os pontos fortes de cada setor, criando sinergias que aumentam o impacto das iniciativas sociais. São claramente parcerias win-win.

No nosso caso estas parcerias permitem levar às organizações o melhor conhecimento, quer as parcerias com empresas especializadas em determinadas áreas de gestão quer as parcerias com a academia, e o melhor apoio de recursos humanos, através dos voluntários da Fundação que apoiam estas organizações e que vêm maioritariamente do setor privado.

Para além da transferência de conhecimento, as parcerias entre os setores são importantes noutras áreas, nomeadamente na inovação social, as diferentes visões sobre um problema estimulam as soluções mais criativas, no acesso a financiamento, na introdução do impacto social no setor privado e até para a escalabilidade de soluções.

Há algum projeto que tenha tido um impacto particularmente significativo e é próximo à Fundação?

Felizmente já assistimos a várias histórias de transformação ao longo destes anos de trabalho com organizações sociais.

Mais concretamente, no programa MILES, assistimos a diferentes mudanças que impactam muito as organizações e têm como base pequenas mudanças de comportamentos ou de procedimentos: por exemplo quando o Centro Social e Paroquial de Porto Salvo nos contou que o número de reuniões aumentou de uma para quatro por mês; ou que o Centro Social e Paroquial do Estoril instituiu uma hora semanal para trabalhar temas de processos. Portanto, são mudanças de comportamento que nós sentimos nos testemunhos que nos dão e que consolidam a mudança.

Depois existem iniciativas que se criaram e que tiveram enorme impacto nos colaboradores e consequentemente nos beneficiários. Exemplo disso são a APPACDM do Porto [Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental] que percebeu que era fundamental que os colaboradores estivessem envolvidos, motivados, prestassem um serviço de qualidade e decidiram ter iniciativas viradas para eles e por isso criaram um projeto específico que se chama “Pessoas Felizes” que ofereceu benefícios a 180 colaboradores, quase como uma recompensa no final da avaliação de desempenho, o que não existia antes. Ou a Semear Afectos que criou um Departamento de Felicidade – altamente inovador e diferenciador na Economia Social – para trabalhar o bem-estar e motivação das suas pessoas.

Depois temos exemplos mais estruturais, como o da organização Mais Proximidade que, no âmbito do programa, percebeu a necessidade de mudar a direção porque o perfil da existente não era o mais ajustado para aquele momento da direção. Isso resultou num maior alinhamento entre a nova Direção e a Equipa, numa comunicação mais eficaz e consequentemente num aumento do número de parcerias e de projetos. Ou ainda a Barragem que, no âmbito de um programa mais antigo da Fundação percebeu que a sustentabilidade estava fortemente comprometida e com uma intervenção mais direcionada na sua gestão financeira não só resolveu esse problema como prosperou e hoje tem uma equipa maior que trabalha de forma colaborativa.

A estas, felizmente, juntam-se muitas mais histórias de impacto.

Quais são as principais áreas de atuação da Fundação atualmente? Alguma foi ampliada ou ganhou maior atenção ao longo dos anos?

Já desenvolvemos projetos em quatro áreas distintas: capacitação, consultoria, incubação e conhecimento.

Porque acreditamos muito no poder da nossa metodologia de capacitação para, com a escala que hoje temos, podermos de facto transformar a Economia Social como um todo, os nossos esforços estão fortemente focados nesta área, sendo que em paralelo a nossa área de conhecimento se vai também desenvolvendo quer no que diz respeito aos conteúdos que vamos produzindo para o programa MILES, quer ao nível de estudos que temos em pipeline para conseguirmos levar as melhores práticas na gestão de organizações sociais ao maior número de pessoas possível.

De que forma a Fundação tem incentivado ou promovido a inovação social nos seus projetos?

O MILES é claramente um exemplo de inovação social uma vez que com o recurso à tecnologia e à utilização de metodologia de educação altamente diferenciadora, conseguimos capacitar equipas de norte a sul do país com bastante eficiência e eficácia.

A metodologia é diferenciadora porque não só utiliza a tecnologia para responder aos maiores desafios das organizações como está assente em pilares muito importantes para o desenvolvimento das pessoas, como a aprendizagem em comunidade e a mentoria.

Quais são os próximos objetivos da Fundação Manuel Violante? Existem planos para expansão ou novas áreas de atuação que possam gerar um impacto ainda maior?

O nosso foco está no cumprimento da nossa missão e acreditamos muito no MILES como caminho para o efeito. Neste sentido, todos os nossos esforços estão no alcance do maior número de organizações possível porque só assim conseguiremos de facto ter um impacto mais significativo. A nossa ambição é começar um movimento transformador do setor social, que o torne num setor cada vez com maior peso na economia e sociedade portuguesa.

Como vê o futuro da economia social em Portugal e o papel da Fundação Manuel Violante nele? Que transformações ou mudanças espera ver na próxima década?

O futuro da economia social em Portugal estará diretamente ligado à sua capacidade de adaptação e inovação para enfrentar os desafios atuais e as necessidades sociais emergentes. Como já referi, atualmente, o setor enfrenta vários obstáculos. No entanto, o futuro parece promissor, especialmente se as organizações conseguirem diversificar as suas fontes de receita e explorar modelos de negócio híbridos, que combinem impacto social com sustentabilidade financeira. O envolvimento crescente de investidores sociais e fundos de impacto pode abrir novas oportunidades para o setor.

Acredito que a digitalização será um dos principais impulsionadores dessa transformação. A incorporação de novas tecnologias, como inteligência artificial, plataformas digitais e análise de dados, não só aumentará a eficiência das organizações, como também permitirá maior alcance dos serviços prestados. Para além disso, as soluções tecnológicas permitirão uma maior integração entre os diferentes players do ecossistema social, facilitando a colaboração e o intercâmbio de conhecimento, tanto a nível nacional quanto internacional.

Outro elemento central para o futuro da economia social será a consolidação de parcerias entre os setores público, privado e social. Essas parcerias tornar-se-ão mais frequentes e integradas, passando a fazer parte do dia a dia das organizações, ajudando a enfrentar novos desafios, como o envelhecimento da população, as crises ambientais e a inclusão de grupos marginalizados. O envelhecimento da população, particularmente em Portugal, será um dos maiores desafios das próximas décadas. As organizações do setor que trabalham com este público devem adaptar-se para fornecer serviços de apoio e cuidados à terceira idade ajustada ao perfil do seu beneficiário, promovendo o envelhecimento ativo e soluções inclusivas para uma sociedade que precisará de respostas inovadoras.

É também esperado que as empresas sociais surjam combinando impacto social com práticas de mercado.

A medição de impacto será uma exigência crescente. Organizações terão como preocupação demonstrar os seus resultados de forma clara, utilizando ferramentas de avaliação e transparência para atrair novos parceiros e financiadores e justificar o uso de recursos.

Para organizações mais jovens no setor da economia social, que conselhos ou orientações poderia compartilhar sobre como maximizar o impacto social e garantir a sustentabilidade?

Não seguir por atalhos. Construam uma base sólida que permita desenvolver as iniciativas sempre procurando a garantir os dois eixos: sustentabilidade e impacto. É crítico que a visão esteja claramente definida, relacionada com a resolução de um problema social perfeitamente identificado, que o modelo de negócio seja definido com a dupla preocupação sustentabilidade/impacto, que sejam identificadas e definidas boas parcerias estratégicas e que a preocupação em construir e manter uma equipa competente e comprometida seja constante.

Existem outras preocupações que devem existir, nomeadamente: manter uma boa presença digital, definir métricas de medição de impacto, cultivar uma cultura de inovação, desenvolver agilidade e ser transparente e construir uma imagem de confiança no setor.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.