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Erik de Haas: “Como o Ronaldo, temos de treinar os nossos profissionais e não parar depois de um ou dois treinos”

Erik de Haas é consultor, especialista em vendas e advisor da rede Bridgewhat. Trabalhou três décadas com tecnologia e acredita que há muitos processos que estão a ser alterados, que vamos assistir a mudanças, mas que não as devemos recear, mas aproveitar para melhorar.
19 Dezembro 2024, 07h00

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Erik de Haas é consultor, especialista em vendas e advisor da rede Bridgewhat. Trabalhou três décadas com tecnologia e acredita que há muitos processos que estão a ser alterados, que vamos assistir a mudanças, mas que não as devemos recear, mas aproveitar para melhorar. Considera que, nas vendas, descura-se a formação, que tem de ser contínua. E dá o exemplo de Cristiano Ronaldo, “um excelente jogador, mas que que treina todos os dias”.

Como pode uma companhia construir uma cultura de vendas?

Não se constrói uma cultura de vendas. Uma cultura de vendas é o resultado de tudo o que se faz. Enquanto a sua estratégia de vendas estiver alinhada com a estratégia da empresa e os seus vendedores souberem exatamente que estratégia é essa, elas agirão de acordo com a estratégia da empresa e com a estratégia de vendas. Isso significa, também, que terão um plano de vendas individual, que se baseia na estratégia de vendas. Em resultado disso e se tiverem também, em cima disso, as ferramentas que podem usar, não somente os CRM, onde podem registar os de cliente, mas também dashboards e KPI, e ferramentas onde você pode registar o desempenho das pessoas de acordo com o plano individual de vendas definido, podemos criar uma cultura de vendas alinhada com a estratégia da empresa.

As vendas são uma missão de todos numa empresa ou num grupo? Todos têm de ter essa mentalidade?

Em geral, sim. Claro que há sempre exceções, porque nem todos estão sempre a vender. Mas se é uma empresa comercial, que vende produtos ou serviços, então a cultura e o ideal é que todos façam vendas; certamente todos os que têm um papel que implica contacto com clientes, mas também os que não tendo esse papel, apoiam aqueles que o têm devem pensar neles como clientes internos.

Quando os gestores o consultam, que tipo de problemas trazem?

Os principais problemas estão em todo o lado. Quando estamos a discutir com uma empresa, eles dizem que têm tudo “mais ou menos” no lugar. E é exatamente com esse tema do “mais ou menos” que trabalhamos. O que tentamos fazer é obter um resultado de 10 no que eu chamo os cinco domínios das vendas. Já falámos de alguns, a cultura de vendas, a estratégia, os processos, as competências das pessoas e, também, as ferramentas.

O objetivo é ter 10 em todos esses domínios multiplicar esse score pelos cinco domínios. Mesmo que contabilize um oito em todos os domínios, o que é bem bom, é ter “mais ou menos” tudo no lugar, só atingirá 33% do que poderia atingido quando tem um 10 nos cinco domínios.

É sempre um processo em desenvolvimento.

Sim, a maioria das vezes. Mesmo quando você que está a sair-se bem é sempre possível melhorar.

Eu gosto de fazer uma comparação e vou fazer isso com um jogador português: Cristiano Ronaldo. Estamos todos conscientes de que ele é um excelente jogador de futebol, mas, ainda assim, ele treina todos os dias no campo, às vezes duas ou três vezes por dia.

Nós estamos a fazer o mesmo com os nossos profissionais? A maioria das vezes, não. Damos-lhe um curso, um treino, o último foi há um ano atrás e nós esperamos que tragam o mesmo tipo de resultados. Precisamos de treinar e de continuar sempre a treinar as pessoas e não parar depois de um ou dois treinos.

Acha que há alguma resistência para ter esse mindset, para ter uma educação ao longo da vida?

Não acho que seja resistência, mas o facto de que as pessoas nem sempre pensam sobre o quão importante é o treino. E o treino, como referi quanto aos domínios, com a estratégia e a cultura, é importante.

Então, se você tem um mindset, como companhia, como líder, como líder de vendas, de que a melhoria contínua é necessária para atingir melhores resultados, então você vai sempre o seu processo de vendas.

Uma conversas que tive com uma empresa há pouco tempo foi sobre o facto de terem tornado o seu processo de produção lean, segundo esta abordagem de gestão. Estavam muito orgulhosos disso; retiraram muitos passos desnecessários nos processos, removeram as duplicações e tornaram o processo produtivo realmente mais limpo. E quando lhes perguntei quantas vezes costumam rever o processo de vendas, olharam para mim como se fosse estranho. Nunca tinham pensado nisso.

Portanto, há muito para melhorar em todo o lado.

Também mencionou vendas modernas. Como as descreve? São processos que incorporam, por exemplo, digitalização?

Sim. Vendas modernas incluem diversas coisas. Uma das primeiras coisas que me surge é como fazer uso das redes sociais. O processo habitual de aquisição de clientes é pegar no telefone e fazer uma chamada a frio. Hoje, pode fazer-se a aquisição através do LinkedIn. É uma abordagem diferente, é necessário um guião diferente, mas é certamente possível. Podem-se usar outras redes sociais, outras ferramentas.

Outra coisa na digitalização será ouso da inteligência artificial nos processos de vendas, como partes dos processos, tornando-os mais eficientes. Por exemplo, quando se faz uma proposta ou uma oferta, como se reutiliza informação, ou textos. Há algumas semanas estávamos a construir a estratégia para um projeto e começámos pela missão e pela visão da empresa e, quando estamos a fazer isso podemos, pura e simplesmente, pedir ao Chat GPT para escrever um bom statement e o resultado já é bastante bom.

Acha que a IA pode mudar a forma como você consegue leads para vendas, ajudar, por exemplo, na obtenção de informação?

Sim. Há ferramentas disponíveis no mercado, atualmente, atividades que ajudam no processo de aquisição. Quando estou a fazer isso e a abordar pessoas, prefiro perceber primeiro que tipo de companhia é, que tipo de pessoa, se participou numa fusão há pouco tempo, preparo-me; uso o Google, uso o LinkedIn, uso o Facebook às para encontrar dados sobre pessoas; já há ferramentas no mercado em que podemos, simplesmente, pedir que façam esse trabalho por nós, e retornam com informação, com uma abordagem que funcionará melhor com aquela empresa, e isso ajuda, torna a aquisição mais interessante, porque procurar informação mas não fazer a chamada com o cliente é um trabalho interessante, mas não o mais valioso.

Onde fica o elemento humano neste quadro? Continua a ser essencial ou vamos tornar-nos obsoletos?

Não, não estamos a tornar-nos obsoletos, certamente não num futuro próximo. O valor acrescentado está no encontro entre o vendedor e o cliente; o primeiro encontro, o segundo encontro e as reuniões seguintes. Isso é ainda trabalho que é feito de humano para humano e é aqui que o negócio é fechado.

As pessoas compram a pessoas e não a máquinas.

Trabalhou em IT por mais de 30 anos. Esta mudança que estamos a viver, com o desenvolvimento tecnológico, vai impactar, por exemplo, a banca – trabalhou muito com o setor financeiro, onde a confiança é um ativo importante?

Sim, mas tomando como exemplo um banco e o número de sucursais que tem, vemos que o seu número é reduzido de ano para ano; o número de contactos cara a cara que tem com o seu banco tem-se reduzido nos últimos 10 ou 20 anos. Estamos a acostumar-nos ao facto de que a maioria das coisas que eram feitas entre pessoas estão a ser feitas entre pessoas e um computador.

Onde pode ser feita uma substituição, já foi feita. Na maioria das vezes corre bem; claro, às vezes vamos longe demais e temos de dar um passo atrás.

No trabalho de consultoria que fizemos para os bancos, muito dele pode e vai ser substituído por uma combinação de computação quântica e inteligência artificial. A inteligência artificial com o recurso da tecnologia quântica vai tornar-se tão forte que será difícil reconhecer a diferença entre um bot e um ser humano.

Ontem, na televisão, aqui nos Países Baixos, estava um homem a falar sobre uma namorada artificial que tinha no seu telefone. Tornou-se tão sério que, provavelmente, quando ele tivesse uma namorada na vida real geraria discussões entre os dois. Ele sorria, era uma pessoa qualificada, ria-se de si próprio, mas estava a falar seriamente sobre o assunto, porque a namorada artificial estava a ajudá-lo a fazer conexões e a voltar a ter confiança em si próprio.

Acredito que isto se está a desenvolver rapidamente.

E com um toque humano que pensávamos que não aconteceria para já, não tão rapidamente.

Sim, Ricardo, o seu trabalho e meu trabalho estão em risco. Nós os dois sabemos isso.

Como vê o desenvolvimento das novas tecnologias nos próximos anos, vamos ter grandes mudanças?

Haverá sempre mudanças.

Como disse no início, devemos continuar a evoluir no processo, na estrutura, na forma de atuar e, assim, a mudança simplesmente se tornará parte disso. Os passos no processo que podem ser automatizados sê-lo-ão e não devemos assustar com isso, devemos apoiá-lo e fazer uso dele para garantir que nossa companhia seja mais eficaz.

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