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Surto da gripe das aves nesta fase do ano aumenta risco de infeção entre humanos

Certo de que as pessoas expostas ao risco na exploração de Sintra já foram contactadas e estão a ser vigiadas pelas autoridades sanitárias, o pneumologista Filipe Froes reforça que a transmissão da estirpe aviária entre humanos pode resultar num surto “com muito mais dificuldade em controlar, porque não estamos habituados a lidar com o H5N1”.
8 Janeiro 2025, 07h00

O pneumologista Filipe Froes avisa que o surto de gripe das aves (H5N1) detectado num aviário em Sintra, e que levou a Organização Mundial da Saúde Animal a acionar um alerta para o risco de exposição ao vírus, é “preocupante”, sobretudo pela altura do ano em que ocorre, época premium de circulação de outros vírus, que, combinados com o das aves, pode atribuir ao H5N1 a capacidade de transmissão entre humanos, patamar que ainda não alcançou.

“Podem criar-se condições que permitam a transmissão da doença de aves para humanos e, atendendo à circulação concomitante de outros tipos de vírus Influenza, [há] possibilidade de haver recombinações que favoreçam aquilo que mais tememos – a transmissão entre humanos”, explica o pneumologista ao Jornal Económico, lembrando que têm existido vários casos de Gripe Aviária de Alta Patogenicidade (em aviários) em Portugal, mas nunca infeção em humanos, como tem acontecido de forma expressiva, por exemplo, nos Estados Unidos da América (EUA), onde esta segunda-feira morreu o primeiro doente infetado com H5N1, um homem de 65 anos que estava internado num hospital do estado do Louisiana desde 18 de dezembro.

Certo de que as pessoas expostas ao risco na exploração de Sintra já foram contactadas e estão a ser vigiadas pelas autoridades sanitárias, Filipe Froes reforça que a transmissão da estirpe aviária entre humanos pode resultar num surto “com muito mais dificuldade em controlar, porque não estamos habituados a lidar com o H5N1”.

A boa notícia, acrescenta o pneumologista que foi coordenador do gabinete de crise da covid-19 da Ordem dos Médicos, é que já há um medicamento antigripal para o H5N1 e “já temos algumas vacinas que podem entrar rapidamente em fase de produção acelerada para serem administradas de uma forma mais generalizada”.

Saúde pública pede condições de trabalho para prevenir ameaça

Bernardo Gomes, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), também deixa uma mensagem tranquilizadora para a população em geral, sublinhando que o surto em Sintra não é “motivo de alarme” mas sim “um lembrete” para uma ameaça que é antiga” e “contínua”. Em declarações ao Jornal Económico, o médico de saúde pública lembra que quem está em risco são os trabalhadores das explorações de aves, e estes devem ser a prioridade e grande foco das autoridades. “A transmissão de pessoa a pessoa, felizmente, não está estabelecida. Quem está em risco são os trabalhadores de explorações de aves que têm de ter condições de trabalho e, sobretudo, equipamentos de proteção individual respiratória, por forma a que não exista tanta probabilidade de passagem do vírus de animais para pessoas”, diz o especialista que sucedeu a Gustavo Tato Borges na presidência da ANMSP no arranque deste ano.

Quanto ao surto detectado em Sintra, mais concretamente numa exploração em São João das Lampas, Bernardo Gomes considera tratar-se de uma “inevitabilidade” e avisa que vai “acontecer mais vezes, seja em Portugal, seja noutros países”, e, corroborando a análise feita pelo pneumologista Filipe Froes, o médico reforça que a grande preocupação são as mutações que podem ocorrer e que podem atribuir ao H5N1 capacidade de transmissão entre humanos.

“Daí o investimento na vigilância e no trabalho de instituições, como a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), a Direção-Geral de Saúde (DGS), entre outros, para que a situação seja acompanhada e vigiada”. “É um trabalho contínuo. Esta é uma ameaça conhecida há muito tempo. Não há motivo de preocupação acrescida, a não ser o reforço das respostas já cabalmente estabelecidas das instituições envolvidas e que estão neste momento a dar resposta”, assinala Bernardo Gomes.

Para a população em geral, a mensagem chave que o representante dos médicos de saúde pública repete é que quem está em risco são os trabalhadores das grandes explorações de aves, onde há “efetivamente possibilidade de transmissão”, podendo, por isso, o resto da população estar descansada. “Este surto não deve ser motivo de preocupação nem deve originar alterações no seu quotidiano, nomeadamente no consumo de carne de aves”, nota o médico. Sendo certo que “nós todo, enquanto espécie e enquanto sociedade, temos de estar habituados a proteger-nos de infeções respiratórias, nomeadamente em alturas sazonais”, no caso específico do H5N1, neste momento, “não há motivo de alarme – há apenas o lembrete de que é uma ameaça que tem de ser gerida e vigiada”, conclui o presidente da ANMSP.

Medidas de controlo e erradicação acionadas

O foco de gripe aviária foi registado na última sexta-feira, dia 3, numa exploração de galinhas poedeiras em Sintra, informou esta segunda-feira a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), dando conta que foram aplicadas medidas de controlo e erradicação. Medidas essas que passam pela inspeção do local onde a doença foi detetada, o abate dos animais infetados e a limpeza das instalações. Segunda o organismo competente, foram também impostas restrições à movimentação e, paralelamente, estão a ser vigiadas as explorações com aves nas zonas de restrição num raio de 10 quilómetros em redor do aviário afetado.

A DGAV pediu ainda a todos os operadores que comuniquem qualquer suspeita de doença, sublinhando que a detecção precoce dos focos “é essencial para a implementação célere de medidas de controlo”.

A DGS, por seu turno, esclareceu já esta terça-feira que, até ao momento, não há registo de pessoas com sintomas ou sinais sugestivos de infeção humana pelo vírus H5N1, nem foram notificados quaisquer casos na plataforma de suporte ao Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE).

A autoridade nacional de saúde sublinha que a transmissão do vírus H5N1 para humanos é “um evento raro”, que os casos registados a nível global são “esporádicos” e que o risco para a população geral é “muito baixo”. Lembra, no entanto, que a infeção pode manifestar-se com um “quadro clínico grave”. O organismo liderado por Rita Sá Machado explica que a transmissão ocorre principalmente em contextos de exposição profissional por contacto direto ou próximo com animais infetados ou com os tecidos, penas, excrementos ou inalação de vírus por contacto próximo com animais infetados ou ambientes contaminados.

A DGS assegura ainda que o vírus não se transmite através do consumo de carne, mas o alerta da Organização Mundial da Saúde Animal não passou despercebido fora das fronteiras nacionais: Hong Kong proibiu a importação de carne de frango e derivados, incluindo ovos, do distrito de Lisboa por causa do surto detectado em Sintra, uma medida tomada “para proteger a saúde pública”, informou o Centro para a Segurança Alimentar de Hong Kong em comunicado. O mesmo posicionamento foi tomado por Macau, com as autoridades da sub-região autónoma da China a evidenciar, em comunicado, preocupações com os surtos de gripe aviária registados não só em Portugal como na Hungria e na Coreia do Sul.

 

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