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Consumado o divórcio. Parlamento repõe mais de 300 freguesias

Esquerda e direita uniram-se para separar freguesias que a chamada Lei Relvas uniu em 2013. “Um dia bonito para a democracia”, “mais um passo no respeito das populações”, enalteceram os partidos. Iniciativa Liberal esteve sozinha no voto contra, acusando PS e PSD de querem alimentar “clientelas políticas”.
17 Janeiro 2025, 13h14

Sem surpresas, o Parlamento aprovou esta sexta-feira o diploma que prevê a separação de 135 freguesias e repõe a situação administrativa que 302 destas autarquias tinham em 2013. A reposição do mapa de freguesias acontece em ano de eleições autárquicas, que se vão realizar entre setembro e outubro.

PS, PSD, CDS, Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN votaram a favor da desunião das freguesias agregadas há doze anos. A Iniciativa Liberal votou contra, acusando os partidos de quererem alimentar “clientelas políticas” ao criar “mais lugares” no poder local e de aumentarem a despesa pública. Os comunistas, apesar de terem votado a favor, queriam que se tivesse ido mais longe, juntando mais 56 freguesias às 303, proposta que não avançou. O Chega, que não foi explícito durante as intervenções sobre o seu sentido de voto, optou pela abstenção.

Nas intervenções na Assembleia da República, a deputada do PSD, Olga Freire, começou por citar Sá Carneiro dizendo que “ninguém melhor do que os representantes locais conhece as pessoas e as populações”. A social-democrata sublinhou que o PSD é um “partido de proximidade com forte implementação autárquica” e defendeu que “não foi o governo de Passos Coelho que tomou a iniciativa de fazer uma reorganização administrativa e territorial”, tendo sido o governo de José Sócrates a sugerir à Troika a agregação de freguesias.

A social-democrata, que reconheceu que a reforma de 2013 não foi “perfeita” – mas que, ainda assim, correu bem – , salientou que dos 168 processos de desunião apreciados pelo grupo de trabalho, foram aprovados 135 e garantiu que essa “apreciação foi rigorosa e respeitou a vontade das populações”. Assinalando que “o PSD leva muito a sério o poder local”, Olga Freire realçou o trabalho feito “em tempo recorde” nesta legislatura para “corrigir erros manifestos que causaram prejuízo às populações”. “Está na hora de fechar este ciclo e olhar para o futuro”, concluiu.

Pelo PS, Jorge Botelho, sublinhou o “longo caminho” percorrido até ao dia de hoje. “Tratamos de cumprir a vontade da população expressa pelos seus órgãos representativos e corrigir o mapa autárquico estabelecido em 2013”, disse o deputado, trazendo para o debate o dia 28 de janeiro daquele ano, quando 1.168 freguesias foram agregadas. Uma redução, lembrou, que “teve aprovação no Parlamento apenas do PSD/CDS, que teve e tem tido ao longo do tempo uma reação negativa das populações e de muitos autarcas a todos os níveis”.

O socialista afirmou que o “processo foi concretizado de uma forma absolutamente centralizada e sem o envolvimento das populações. Foi aquilo que se designou como uma reforma feita a régua e esquadro sem ouvir ninguém” e “muitas populações nunca aceitaram a reorganização”. “A Anafre manifestou muitas vezes a sua discórdia e sempre foi uma defensora da correção do mapa de freguesias. (…) Hoje vamos dar o primeiro passo pelo regime especial, uma porta que se abriu, uma esperança revigorada. Hoje damos mais um passo no respeito pelos cidadãos e na afirmação pela identidade dos nossos territórios”, disse.

Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, apontou “perversidade” à reforma de 2013. Foi “um processo que nasceu torto e nunca se endireitou” que o Bloco sempre quis reverter. “Apresentamos muitas propostas para reverter essa lei de má memória”, disse a bloquista, considerando que a agregação das freguesias não foi uma lei sem vítimas: motivou encerramento de balcões dos CTT, de escolas e de centros de saúde. “Não retirou apenas os serviços públicos [às populações], pretendeu roubar capacidade de luta pelo direito aos serviços”, afirmou.

Por isso, é com satisfação que vê a ‘desunião’ das mais de 130 freguesias hoje no Parlamento. “É um dia bonito para a democracia quando podemos finalmente somar. Tenho muito orgulho em fazer parte neste momento de restituição democrática do nosso país”. O PCP, pela voz do deputado Alfredo Maia, enalteceu o “momento exaltante de reforço das freguesias”, mas lamentou que ficasse “longe do que as populações exigem”.

O único partido que se manifestou contra a separação das 135 freguesias foi a Iniciativa Liberal. Mariana Leitão, líder parlamentar, acusou as restantes forças políticas de “insistirem em criar mais e pior Estado”, aumentando a despesa pública.

“Em vez de resolverem os problemas reais, querem multiplicar cargos e burocracia. Mais freguesia significa mais despesa pública, mais presidentes e executivos e tudo pago com dinheiro dos contribuintes (…)”, apontou a liberal, criticando o PS e o PSD por quererem “criar mais cargos para distribuir pelas clientelas políticas” com a cumplicidade dos restantes partidos. “O PSD de Montenegro governa hoje contra o governo de Passos Coelho. (…) E o PS quer manter as clientelas satisfeitas”, lamentou a Mariana Leitão.

Crítico da forma como decorreu o processo no grupo de trabalho, o Chega começou por dizer ser a favor da redução do número de políticos e da diminuição da burocracia, mas justificou, depois de um pedido de clarificação do deputado Hugo Soares (PSD), que a abstenção é o voto “mais responsável”. “O Chega respeita a vontade popular (…) O Chega nunca faltou a nenhuma reunião no grupo de trabalho ao contrário de outros partidos que nunca lá puseram os pés”, criticou o deputado Paulo Fernandes.

Nas galerias do Parlamento e na Sala do Senado assistiram à votação cerca de duas centenas de autarcas de freguesias, que aplaudiram a aprovação do diploma que segue agora para Belém para ter (ou não) luz verde do Presidente da República.

As freguesias que agora vão ser repostas foram agregadas em 135 uniões de freguesia ou extintas e os seus territórios distribuídos por outras autarquias durante a reforma administrativa que em 2013 reduziu 1.168 freguesias do continente, de 4.260 para as atuais 3.092, por imposição da Troika.

 

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