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Gronelândia vai a votos sob a ameaça da cobiça norte-americana

Nunca umas eleições no país tiveram tanto impacto internacional como as desta terça-feira: a promessa de Donald Trump de que mais tarde ou mais cedo se apossará da região – fundamental para a defesa dos EUA, diz – torna uma resposta política urgente.
Gronelândia
10 Março 2025, 14h30

A Gronelândia, a maior ilha do mundo e território autónomo da Dinamarca, despertou a cobiça do presidente norte-americano, Donald Trump, que ali vê inúmeros interesses em termos de recursos naturais (terras raras e petróleo), mas principalmente no que tem a ver com a defesa dos território norte-americano. De facto, uma vista de olhos a um mapa permite perceber até que ponto a Gronelândia é uma espécie de testa de ponte da América do Norte – uma forma de lançar as fronteiras dos EUA bem para dentro do Ártico. No limite, a preocupação é a mesma de sempre: afastar uma possível guerra com o ‘inimigo’ qualquer que ele seja, dos Estados Unidos. Afinal, essa foi uma das estratégias que determinou o interesse dos Estados Unidos em ‘tomarem conta’ da defesa da Europa: o velho continente era, e é, a primeira linha de defesa contra qualquer ‘aventura’ delineada por Moscovo.

A independência é uma vontade antiga dos poucos milhares de habitantes (são cerca de 56 mil) da Gronelândia, que têm uma autonomia política considerável, mas a políticas externa e de defesa e as decisões monetárias dependentes de Copenhague, a capital da Dinamarca. Segundo estudos recentes, a maioria dos gronelandeses quer a independência e rejeira a vontade de Trump de tomar conta da sua ilha – uma vontade que chocou o mundo, principalmente os parceiros europeus e, por maioria de razão, os 27 de União Europeia, espaço político onde a Gronelândia está inserida. Mas também chocou os membros da NATO, ou alguns deles, uma vez que a Gronelândia também faz parte da aliança. Desde há dois meses, o absurdo de um país NATO atacar as posses territoriais de outro país NATO está em cima da mesa.

Mas há um ‘lado bom’ na questão: a cobiça norte-americana fez com que a vontade de independência tomasse conta das agendas (e do imaginário) dos europeus – o que acabou por servir de alavanca a essa pretensão. Os candidatos às eleições na Groenlândia, que têm lugar esta terça-feira, tentaram assim ligar a independência àquilo que é o novo quadro político estabelecido por Trump.

Desde 1979, a Groenlândia tem o seu próprio primeiro-ministro, surgido do partido que conseguir mais lugares no parlamento. Neste momento, o partido maioritário é o Inuit Ataqatigiit, de esquerda, e o primeiro-ministro é Múte Egede. O parlamento (chamado Inatsisartut) tem apenas 31 lugares, que serão distribuídos entre seis partidos políticos, dois dos quais formam a coligação que tem governado o país: o Inuit Ataqatigiit e o Simiut, de raiz socisl-democrata. A principal sondagem sobre as eleições desta terça-feira indica que o Inuit Ataqatigiit deverá ganhar, com cerca de 31% e derrotar o Siumut por cerca de nove pontos percentuais. Para reduzir a diferença, o Simiut prometeu  que, se vencer, lançará um referendo sobre a independência.

O Naleraq (centrista e conservador) é o maior partido de oposição e vem crescendo em popularidade com A sua política pró-independência e uma aparente disposição de colaborar com os Estados Unidos. O aumento da popularidade deste partido parece contrariar o independentismo da ilha. O próprio primeiro-ministro deixou isso claro quando respondeu que “a Gronelândia é nossa” e não está à venda quando Trump declarou no seu primeiro discurso no Congresso que pretende ter o controlo da ilha “de uma forma ou de outra”. “Kalaallit Nunaat é nosso”, disse, usando o nome gronelandês para o país. “Não queremos ser americanos, nem dinamarqueses; somos Kalaallit. Os americanos e seu líder devem entender isso. Não estamos à venda e não podemos ser simplesmente tomados. O nosso futuro será decidido por nós na Gronelândia”, disse, citado pela Euronews. Além dos cinco partidos já representados no Inatsisartut, um novo sexto partido com foco principal na independência, o Qulleq, ganhou acesso às eleições há cerca de um mês.

Recorde-se que os gronelandeses votaram esmagadoramente a favor da autodeterminação num referendo realizado em 2009 que também estabeleceu um caminho para a independência sempre que o povo da ilha apoiasse esse movimento. A economia da Gronelândia depende da pesca e de alguma atividade industrial, mas também de um cheque anual de 554 milhões de euros com que a Dinamarca financia o orçamento da ilha.

A atual primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, fez recentemente (já depois das declarações de Trump) um périplo pelas capitais europeias para angariar apoio à permanência da Gronelândia no espaço europeu, dizendo que o continente enfrenta “uma realidade mais incerta”. Pelo menos do presidente fracês, Emmanuel Macron, a primeira-ministra conseguiu a garantia de maior envolvimento da França no processo de defesa militar da ilha.

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