Os mercados desconfiam cada vez mais da capacidade de os EUA pagarem o montanha de dívida que têm e que vai aumentar mais ainda. Temem que haja uma qualquer espécie de ‘default’. Como avalia este risco?
O risco de um default no sentido exato do termo, ou seja, 0 não pagamento (ou adiamento) de parte do principal e ou dos juros é algo difícil de imaginar para um país cuja dívida está denominada na sua própria moeda e que detém por isso um banco emissor. O risco real que existe é de ser cada vez mais difícil aos EUA emitirem dívida a custos comportáveis para o andamento da economia. Na verdade, olhando para o stock de dívida, mas sobretudo para a dimensão dos défices e mais ainda para o total alheamento da administração americana quanto a este problema, é natural que os investidores possam vir a exigir juros mais elevados, o que, naturalmente agravará o problema.
Quais as consequências?
Os EUA verão a sua fatura com juros aumentar, e podemos assistir a uma desvalorização significativa do dólar com o consequente aumento da inflação. Contudo a consequência mais pesada será o da perda de confiança na condução da política económica norte-americana, que poderá levar a que o processo descrito possa ocorrer de forma mais acelerada ou até mesmo de forma algo descontrolada.
O apetite dos investidores em comprar ativos americanos, não apenas obrigações, também vai cair (mais ainda) por causa da instabilidade?
A situação nos mercados de ativos não é exatamente análoga à do mercado de obrigações. A economia norte-americana continua a deter uma quantidade incontável de ativos extremamente rentáveis e muito assentes nos mercados externos, e que até podem beneficiar de uma eventual depreciação cambial. Desta forma, investir dólares em ativos rentáveis denominados em dólares não deixará de continuar a ser uma boa opção para muitos investidores.
Kenneth Rogoffff defende que o default de 300 mil milhões de euros imposto à Rússia por causa da invasão da Ucrânia também aumentou a desconfiança nos mercados. Criou um precedente. A dívida externa detida pelos russos foi usada como arma por europeus e americanos…
Não ocorreu default de ativos russos detidos em euros, nem é expectável que venha a ocorrer, precisamente pelos riscos de destruição do sistema financeiro internacional. O que já ocorreu foi a utilização de rendimentos desses ativos, não o ativo em si, no que foi aliás uma decisão não isenta de dúvidas muito relevantes.
A China tem dois biliões de dívida americana. Janet Yellen, ex- presidente da Reserva Federal, diz que os chineses não vão tornar isto numa arma contra a América… inundando o mercado…
Percebe-se o argumento da ex-secretária do Tesouro e ex-Presidente da Reserva Federal. Inundar o mercado com títulos do tesouro, da qual a China é detentora em quantidades maciças, teria como consequência a desvalorização dos ativos que a própria China detém. Na prática, a atual política americana de descontrolo orçamental é, até certo ponto, uma política que serve bem os interesses chineses na medida em que irão exigir juros crescentes aos EUA e assim obterem mais recursos para financiarem as suas políticas internas. A ironia da situação é que neste momento os EUA estão objetivamente a melhorar a situação financeira chinesa.
E o contrário, é possível? Isto é, a América dizer que vai converter as obrigações detidas pelos chineses em dívida apenas com o compromisso de pagar dentro de 100 anos, sem direito ao pagamento de juros. Ou seja, um ‘default’ disfarçado. Que consequências teria para o mundo?
Esse cenário não seria um default disfarçado mas sim um genuíno, evidente e gigantesco default do dólar que levaria a consequências de tal forma negativas que se torna difícil antever.
A incerteza está por toda a parte. Uma delas, talvez das mais significativas, diz respeito, portanto, ao fim do dólar como moeda de reserva mundial. Vai acontecer?
O que muda do ponto de vista económico e geopolítico?
É difícil antecipar que se chegue a esse ponto de “im do dólar como moeda de reserva, até porque não se vislumbram alternativas credíveis. O mais provável que teremos é o aumento relativo do peso de outras moedas como moedas de transação e reserva, em especial em mercados/nichos específicos, mas sem que nenhuma detenha o estatuto de moeda global. Para o euro assumir esse papel seria necessário a existência de um Tesouro Europeu, e de uma divida europeia de dimensão significativa, o que não se vislumbra acontecer.
Teremos, a prazo, três moedas como reservas mundiais: euro, yuan e dólar?
O euro pode ganhar espaço, já que o yuan, que não flutua nos mercados, não oferece ainda a mesma solidez legal?
Como referi, esse é um caminho mais provável mas sempre com a forte presença do dólar face às limitações institucionais e de abrangência das outras moedas.
A UE, ainda assim, enfrenta riscos sistémicos: a crise económica estrutural alemã é uma forte ameaça à união?
A crise económica alemã não é uma ameaça à União. É uma realidade já bem descrita e reconhecida pelo sistema politico alemão, que detém hoje condições para a enfrentar com sucesso. Não será nem rápido nem fácil, mas se algum país já deu provas de conseguir dar a volta, este é a Alemanha.
Como deve reagir Portugal: estamos totalmente dependentes da UE, o que podemos fazer para ter uma via de saída, caso seja inevitável?
A Europa não está condenada a baixas taxas de crescimento e a baixos crescimentos da produtividade. O relatório Draghi aponta respostas muito concretas e eficazes, que vão desde a plena concretização do mercado único (de que ainda estamos tão longe…), à mobilização da poupança europeia para o investimento europeu. É essencial fazer o caminho.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com