As duas maiores economias europeias, a Alemanha e a França, querem que a Comissão Europeia (em nome do bloco dos 27) tenha uma atitude de firmeza nas negociações, que se mantêm abertas, comos Estados Unidos, na sequência na decisão de Donald Trump de aplicar tarifas de 30% às exportações da União para o mercado norte-americano. Já no sábado, dia em que Trump fez chegar a Ursula von der Leyen uma carta com a ‘boa nova’, o chanceler alemão, Friedrich Merz – logo secundado por Wolfgang Niedermark, membro da poderosa Federação Alemã da Indústria – disse que a União tem de mostrar firmeza face aos Estados Unidos, sob pena de colocar em perigo a economia dos 27 e a perseguida estratégia de reindustrialização do bloco. Firmeza, mas pragmatismo, disse o chanceler, que afirmou que trabalhará intensamente com o presidente francês, Emmanuel Macron, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para resolver a crescente guerra comercial com os Estados Unidos. “Discuti isso intensamente no fim de semana com Macron e Ursula von der Leyen”, disse Merz. “Queremos usar esse tempo, as duas semanas e meia até 1 de agosto, para encontrar uma solução. Estou realmente comprometido com isso”, disse Merz.
No dia seguinte foi a vez do presidente francês exigir à Comissão que “defenda resolutamente os interesses europeus”, afirmando que bloco deve estar pronto para uma possível guerra comercial com os Estados Unidos. “Cabe mais do que nunca à Comissão afirmar a determinação da União em defender os interesses europeus resolutamente”, disse Macron nas redes sociais. “Em particular, isso implica acelerar a preparação de contramedidas confiáveis, mobilizando todos os instrumentos à sua disposição, incluindo anticoerção, se nenhum acordo for alcançado até 1 de agosto”.
Bem menos disposta a ‘ir para a guerra’ parece estar a terceira maior economia do União, a Itália. Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália, que tem desde sempre uma relação privilegiada com Donald Trump, disse em comunicado que confia na possibilidade de ser alcançado “um acordo justo”. “Não faria sentido desencadear uma guerra comercial entre os dois lados do Atlântico”, disse – manifestando-se assim em oposição à ‘guerra’ preconizada por Macron. Pelo menos o primeiro-ministro neerlandês, Dick Schoof, e o vice-primeiro-ministro da Irlanda, Simon Harris, alinham com Meloni. Ou seja, há claramente duas posições na União Europeia, que eventualmente não são conflituantes, mas que não estão alinhadas: uns querem firmeza, outros demonstram ter lido na íntegra a ameaça de Trump escrita na carta enviada a Leyen: medidas retaliatórias só farão subir as tarifas acima da fasquia proposta de 30%.
De qualquer modo, a ‘guerra’ seria sempre uma medida-limite: para já, a palavra de ordem é “negociar” – com uma margem temporal de 15 dias, uma vez que as tarifas, quaisquer que sejam, só entrarão no ativo a 1 de agosto. Ursula von der Leyen – que este domingo deu a conhecer um “acordo político” para um possível acordo de livre comércio com o presidente indonésio, Prabowo Subianto (Índia e Tailândia também estão na mira, assim como o célebre acordo com o Mercosul) – disse que “continuaremos a preparar-nos para contramedidas”.
Mesmo assim, a primeira medida tomada pela Comissão, já este domingo, foi a suspensão das medidas de retaliação contra as tarifas norte-americanas – decisão anunciada como um gesto de abertura à continuação das negociações. É inegável que abertura houve sempre, com os resultados que ficaram conhecidos este sábado, pelo que tudo indica que talvez o bloco devesse demonstrar alguma firmeza ao invés da sua proverbial ‘boa-vontade’.
Uma ronda por alguns dos setores da economia portuguesa que mais exposição têm aos Estados Unidos permite concluir que a maioria tem ainda esperança que os 30% venham a descer para níveis ‘aceitáveis’ (“quanto mais próximos do 0%, melhor” dizia um deles).
O setor têxtil tem esperança de que, até ao dia 1 de agosto, seja possível que a União Europeia e os Estados Unidos ainda cheguem a um entendimento que impeça o estabelecimento de tarifas de 30% sobre os produtos europeus encaminhados para o mercado norte-americano. Mário Jorge Machado, presidente da Associação têxtil e do Vestuário de Portugal (ATP), disse ao JE que é essa a sua esperança. Se isso não for possível, “entraremos num período de retaliação até que seja possível encontrar-se uma base de entendimento” que seja equilibrada para as duas partes em confronto. Para todos os efeitos, disse, se as tarifas se efetivarem de facto, “os têxteis e o vestuário portugueses terão dificuldade em manter as vendas para os Estados Unidos”, assim como será mais difícil para os consumidores norte-americanos obterem produção portuguesa. É aliás esta reciprocidade que leva o presidente da ATP a ter alguma esperança de que a última palavra em termos de tarifas ainda não foi dita.
A notícia de que Donald Trump vai lançar tarifas de 30% sobre a União Europeia “é muito má para o setor dos vinhos, que tem nos Estados Unidos o seu principal mercado de exportações” disse ao JE Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, em declarações ‘a quente’ ao JE. Mesmo assim, aquele responsável ainda tem esperança que as negociações possam impedir que as tarifas cheguem a efetivar-se: “tenho esperança que a Europa venha a negociar, que é o que devia estar a fazer há muito tempo”. Se os 30% avançarem mesmo, “isso será muito danoso para o setor dos vinhos portugueses”, que verão emagrecer um dos seus mais importantes mercados.
José Couto, presidente da Associação dos Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), disse ao JE que “a tarifa anunciada de 30% pode nunca vir a ser efetivada, será mais um argumento negocial” que Donald Trump lança sobre a União Europeia. “Não sabemos qual é o prazo de validade da carta que foi enviada para a União Europeia”, até porque já houve situações anteriormente em que Trump anuncia valores que depois não se concretizam”. Ou seja, para José Couto, é possível que até 1 de agosto os 30% agora anunciados venham a ser revertidos, “até porque isso também será muito penalizador para os norte-americanos”. “A carta é um argumento negocial, não queremos acreditar que as negociações sejam fechadas nos 30%. Se isso acontecer, quer dizer que não haverá acordo nenhum. É preciso percebermos até onde é que a União Europeia pode chegar”, concluiu.
Armindo Monteiro, o ‘patrão dos patrões’ também ouvido pelo JE no sábado passado, disse que “era expectável, as empresas têm de diversificar”. “Isto que está a acontecer tem de ser articulado com a UE. Entre o nosso Governo e Bruxelas. Isto é claramente um embaraço, um problema, mas não podemos ser precipitados nas análises. A nossa negociaçarifasão tem de ser ponderada e serena, mesmo daqui para a frente. Estamos num momento em que temos de agir pela diplomacia e não pela força. Sendo que isto era expectável, o que aconteceu ao Brasil já indicava o caminho, e penso que faz parte da tática de Donald Trump. As empresas devem continuar concentradas nas variáveis que controlam, designadamente continuar o trabalho de diversificação das suas exportações e valorização da oferta que têm. A política que faça o seu papel agora”, referiu Armindo Monteiro.
Em termos políticos, o primeiro-ministro Luís Montenegro ‘delegou’ no seu ministro dos Negócios Estrangeiros a função de reagir a Donald Trump. Paulo Rangel disse ainda no sábado, a partir de São Tomé e Príncipe, que “a negociação das relações comerciais da União Europeia com países terceiros, com os EUA neste caso, é da exclusiva competência da Comissão Europeia. É fundamental que se perceba que as negociações continuam pelo menos até ao dia 1 de agosto. Até esse dia, ainda não existe um quadro final”.
“Não há dúvida que surgiu esta intenção apresentada pelo presidente dos EUA” – “que teriam um efeito disruptivo na relação comercial entre as duas margens do Atlântico. Teria efeitos bastante negativos, sobre os consumidores em primeiro lugar, sobre os produtores sobre a economia e o comércio de ambos os lados”. “O que o Governo fez, antes mesmo de ser pública esta carta, foi estar em contacto com a Comissão Europeia, com a presidente von der Leyen. A União é adepta do comércio livre, de uma relação franqueada com os EUA, portanto, vamos continuar o processo negocial que até aqui foi feito e aguardar que ele possa ter um desenlace positivo”, afirmou o ministro. “As negociações não são apenas sobre as tarifas, mas também sobre os chamados obstáculos não-tarifários – regras e regulamentos que podem dificultar o comércio apesar de não significarem nenhum imposto, nenhuma tarifa ou nenhum direito aduaneiro”, especificou.
Já este domingo, o presidente norte-americano afirmou que as tarifas permitirão aos Estados Unidos receber mais dinheiro e defendeu que o acordo para maior investimento da NATO em defesa dá “uma grande voz” a Washington. Uma espécie de ‘dois em um’ em que o vencedor fica sempre do mesmo lado – e não é a União Europeia. “Basicamente, estamos a dizer aos países que lhes vamos dar o privilégio de comprar e trabalhar no nosso país. E acho que isso é muito bom”, disse. “Em alguns casos, faremos acordos diretos. Já fizemos alguns com vários países. É uma enorme quantidade de dinheiro para este país”. China, o Reino Unido e o Vietname foram os países que assinaram acordos com os Estados Unidos.
Estes países “aproveitaram-se de nós durante 30 ou 40 anos” e por isso estão ‘chateados’, disse o presidente dos Estados Unidos em declarações à Fox News. Trump recordou que esta política tarifária já vinha do primeiro mandato presidencial, entre 2017 e 2021, e lamentou não a ter implementado por completo devido à pandemia de Covid-19.
Quanto à NATO, disse que “agora, todos os países estão a pagar muito mais, 2% a 5%. Antes, não pagavam nem 2%, e agora pagam 5%. Isto representa mais de mil milhões de dólares por ano [855 milhões de euros]. Agora temos uma grande voz na NATO. Antes, com Biden, não tínhamos voz”, declarou Trump.
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