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A Música dá Trabalho ou como educar através da música

Os futuros que a música pode dar são muitos. Da parte técnica à artística, todos podem sonhar e abraçar a música. Dá trabalho? Sim. Mas mais do que isso. Dá gozo. É com esse espírito que o projeto A Música dá Trabalho leva a literacia musical a diversas escolas do país na primeira quinzena de outubro.
29 Setembro 2025, 17h24

 

A Música dá Trabalho não é um soundbite, é o nome de uma banda e de um projeto que visa educar através da música. Nasceu entre 2020 e 2021, em plena pandemia, ou seja, num período de grande incerteza, em que a área da cultura foi profundamente afetada. “Muitos trabalhadores perderam subitamente a sua fonte de rendimento, alguns com décadas de experiência, e muitos não conseguiram regressar quando a situação estabilizou”, conta ao JE Vasco Silva, um dos cofundadores de A Música dá Trabalho (MDT). “Os músicos ainda tinham alguns recursos de subsistência: concertos online, vendas de merchandising ou direitos de autor, mas outras profissões, igualmente essenciais e invisíveis para o público, ficaram sem qualquer apoio”.

A expressão é antiga e conhecida, “ver o copo meio cheio ou meio vazio”. Neste caso, quem urdiu o plano preferiu colocar a tónica numa visão construtiva. Daí o nome ter um duplo sentido, como explica Vasco Silva. “A música dá trabalho porque exige esforço físico e longas jornadas a quem está nos bastidores, mas também porque é uma área que gera emprego, riqueza e, acima de tudo, contribui para o bem-estar físico e emocional de todos”. Ou seja, olharam para o copo como estando meio cheio, como reforça Vasco. “A iniciativa nasceu como uma homenagem a essas profissões e para as dar a conhecer ao público mais jovem, respondendo à pergunta: ‘Quem faz o quê antes da música te chegar aos ouvidos?'”.

E como se materializou essa homenagem, questionamos. “O ponto de partida foi um livro sobre 22 profissões, escrito pelo Hugo Ferreira e Patrícia Martins e ilustrado por Diogo Monteiro, num registo infantojuvenil, mas sem simplificações excessivas”, salienta. Isto quer dizer que se utilizam termos técnicos para “estimular a curiosidade e a pesquisa em família”. Resultado? Levaram o projeto às escolas, em 2021, com músicos, técnicos e outros profissionais da área. Montaram “palcos, sistemas de som e diferentes equipamentos”, para as “crianças e jovens experimentarem papéis como compositor, editor, realizador de vídeo ou técnico de som”. As atividades que A Música dá Trabalho tem vindo a desenhar têm por base essa experiência prática.

E antes de nós sabermos mais sobre como é criar públicos e trabalhar com escolas, vamos por partes. Ou melhor, vamos por datas e locais – sempre fora dos grandes centros urbanos, pois é aí que fazem mais falta ‘ferramentas’ como esta. O Montijo é a primeira paragem da MDT, a 1 e 2 de outubro, com Lisa Sereno e John Douglas. A 5 de outubro, o projeto segue para a Figueira da Foz, onde a banda MDT atua no Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, num concerto sujeito a inscrição. E nos dias 6, 7, 8 e 9, a banda MDT leva a experiência a Figueiró dos Vinhos, com quatro apresentações em diferentes escolas do concelho.

Durante as manhãs, as turmas percorrem diferentes estações representativas das profissões ligadas à música. Objetivo? Experimentar cada uma delas e compreender a sua importância. Depois do almoço, reúnem-se para assistir a um concerto de uma banda convidada ou da própria banda MDT, composta por elementos do próprio projeto. Spoiler alert: será tocado um tema original que contará com a participação dos alunos.

Vasco Silva explica ao JE que “o projeto é dedicado ao público jovem, começando pela linguagem do livro”, que levam a escolas do 1.º ciclo ao secundário. E como têm sido recebidos? “A receção dos miúdos nas escolas tem sido fantástica: são curiosos, colocam muitas perguntas e mostram sempre grande vontade de pôr as mãos na massa. As sessões são muito estimulantes: em cada uma, com cerca de 45 minutos, percorremos de forma dinâmica todo o processo, desde a criação da música até à sua apresentação em palco”. A música dá mesmo trabalho – gracejamos. “O ritmo é intenso e mantém os alunos constantemente ativos e atentos”, garante Vasco.

E como se distribui o calendário de atividades da MDT? “Ao longo do ano, repetimos estas atividades em escolas ou teatros que nos queiram receber. Para o ensino secundário, temos uma proposta mais técnica, que destaca profissões ligadas a possíveis saídas profissionais”, e dá três exemplos: vídeo, design ou som. “Já nas atividades do 1.º ao 3.º ciclo”, detalha o responsável, “privilegiamos um ambiente descontraído e dinâmico, com exercícios de expressão que promovem a interação social”.

Sim à literacia musical

A missão da MDT é muito clara e saudavelmente ambiciosa. Promover a literacia musical, sensibilizar para a diversidade de profissões que compõem o setor e inspirar as gerações mais novas a descobrir caminhos no universo da música. Quase perdemos o fôlego. Mas por boas razões. “Ao longo dos anos, temos mantido um contacto próximo com jovens, sobretudo de Leiria, beneficiando da proximidade territorial, que demonstram interesse em desenvolver uma carreira na música, seja como músicos, técnicos ou produtores”. E prossegue. “Muitos foram identificados na nossa primeira visita às escolas secundárias, em 2021, e desde então o vínculo foi mantido. Alguns desses jovens formaram bandas que hoje representamos enquanto editora e agência; outros integram equipas de produção ou técnica em projetos que desenvolvemos, como o Nascentes, na aldeia das Fontes, ou o Ágora, no Castelo de Leiria”.

Não estão sozinhos nesta demanda, ainda e sempre inspirada no trabalho do fundador da editora leiriense Omnichord. “A nossa missão passa por dar continuidade àquilo que sempre foi a essência da Omnichord e ao sonho do seu fundador, Hugo Ferreira, que já em 2012 visitava escolas secundárias com projetos educativos. Foi nessa altura que descobriu os First Breath After Coma, a Surma e os Whales, artistas que hoje são profissionais da área e que agora procuram oferecer às novas gerações as mesmas oportunidades que o Hugo lhes deu há 13 anos”.

Leiria não é Lisboa. Sim, sabemos disso. Mas também sabemos que se não houver essa ‘vibe’ dinâmica e construtiva, e a convicção de que há gente que vive a pensar em música, que sonha música, por todo o país, nada acontece. E quem perde somos todos nós.

 

 

 

 

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