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Super-Homem

Concluindo, corroborando com Klaus Schwab, resta referir que nunca como agora foi tão relevante integrar nesta revolução digital os valores humanos, de forma a melhorar o bem comum, a responsabilidade ambiental e a dignidade humana.
12 Junho 2019, 07h15

Sob a chancela do Fórum Económico Mundial, Klaus Schwab publicou, em 2018, “Moldando a Quarta Revolução Industrial”. Nesta obra o autor refere que, em aproximadamente três séculos, o homem aumentou significativamente a esperança média de vida – mais que duplicou desde a primeira revolução industrial em todos os países – e multiplicou por muitos o nível de rendimento, traduzindo-se num crescimento de 2900%.

No mesmo período, o homem desenvolveu tecnologias capazes de gerar novas formas de vida, de energia, de trabalho e de lazer, suficientemente poderosas para abranger e integrar o mundo real com o virtual em redes globais, que monitorizam tudo aquilo que mexe e influenciam decisivamente os movimentos coletivos.

Investido destes superpoderes, o homem moderno ascendeu através do conhecimento ao Olimpo, superando o poder terreno, discricionário, privilégio de Reis e Rainhas. De facto, historicamente apenas os Monarcas se têm superiorizado a todos os seus súbditos, sem exceção, exercendo o poder absoluto que, nos nossos dias, está a concentrar-se nos inventores, criadores de algoritmos e de tecnologias e nos detentores de conhecimento em geral. Contudo, há uma diferença significativa entre o poder Real e o poder conferido pela tecnologia, que se reflete sobretudo ao nível da autoridade. Com efeito, enquanto Suas Altezas Reais eram – são ainda hoje – alegadamente legitimadas por vontade divina, o homem atual ousa equiparar-se a Deus, dotado de autoridade suprema para evitar a morte e prolongar a expectativa de vida, entre outras decisões capitais.

De acordo com o professor Israelita Yuval Noah Harari da Universidade Hebraica de Jerusalém, se, entretanto, nada se alterar e mantivermos esta tendência assimétrica na distribuição de riqueza, a nova longevidade e as qualidades super-humanas, destacarão, provavelmente, os tecnológicos super-ricos como novos mestres do universo, a partir do desenvolvimento de algoritmos e do controlo de dados.

Cumpre-se, assim, a profecia de Nietzsche, quando cunhou o conceito de Super-Homem, descrevendo e defendendo a existência de um ser com características dominantes, obstinado pelo desenvolvimento, sem receio de exposição ao perigo, deixando a felicidade e o conforto para a maioria, os meros humanos normais. Segundo Nietzsche, ao Super-Homem cabe o dever de elevar-se além dos limites estabelecidos pela normalidade, pois nada pior do que a supremacia das massas.

Por outro lado, corremos sérios riscos de termos que mudar a conceção do mundo, tal como o temos conhecido nos últimos 2.000 anos, substituindo a Fé no Criador e na Religião, pela crença no poder dos algoritmos e dos dados. Já em 2015, em Homo-Deus, Harari designou esta filosofia de vida de “dataísmo”: Um sistema de processamento de dados omnisciente e omnipresente, que teremos dificuldade em distinguir de Deus, e ao qual os humanos estarão constantemente conectados e submetidos. Enfim, uma espécie de sacrossanto da humanidade moderna.

Tudo isto, expressa bem a ambição do homem pelo poder ao ponto de desafiar Deus, sem hesitar em descartar os seus semelhantes. De facto, em função da redundância do trabalho, suplantada por máquinas mais eficientes e, acima de tudo, que aprendem, emergirá uma enorme “classe inútil” de pessoas, sem finalidade económica ou militar, concluiu Harari.

Por tudo isto, não devemos negligenciar este poder, especialmente pelo facto de estar associado a uma inteligência e capacidades superiores ao normal. Logo, se não forem usadas para o bem, poderão derivar num controlo e subjugação das pessoas sem precedentes na história da humanidade. Mais grave, isto acontece sem que as pessoas tenham consciência do que está em causa, sendo elas próprias a voluntariarem-se para colocarem em prática o plano, imaginando ser para seu bem. Concluindo, corroborando com Klaus Schwab, resta referir que nunca como agora foi tão relevante integrar nesta revolução digital os valores humanos, de forma a melhorar o bem comum, a responsabilidade ambiental e a dignidade humana. E para isso, é fundamental e urgente a participação ativa de todos.

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