O economista e professor universitário Joaquim Miranda Sarmento foi o coordenador do estudo “Caminhos para a dívida portuguesa”, apresentado no dia 5 de junho pela Plataforma para o Crescimento Sustentável, um ‘’think tank’ liderado pelo social-democrata Jorge Moreira da Silva. Em entrevista, Joaquim Miranda Sarmento defende uma solução responsável para o elevado endividamento português, que passe pelo cumprimento das regras europeias. O estudo pode ser lido aqui.
Lendo o vosso relatório, ficamos com a ideia de que se trata de um documento que advoga um solução para a dívida pública que é uma espécie de mal menor, de austeridade permanente, contra um mal maior que seriam as consequências do não cumprimento dos compromissos com os credores e dos tratados europeus. É isso, uma escolha entre dois males? Mas é razoável esperar que a economia portuguesa seja capaz de manter esse tipo de políticas durante décadas? Temos condições políticas e sociais para isso?
Não há soluções “mágicas” e rápidas para um problema que foi criado por 15 anos de políticas económicas erradas. Mas também discordo da formulação que consolidação orçamental é austeridade e que não é possível crescer sem défices e endividamento. Por outro lado, se queremos cumprir as regras orçamentais europeias, então para ter um saldo estrutural de pelo menos -0,5% do PIB – embora o objetivo para Portugal seja mais exigente -, então teremos de ter excedentes orçamentais e um excedente de saldo primário acima daquele que colocámos no estudo.
E portanto, teremos de fazer escolhas enquanto país e sociedade. Escolhas difíceis mas imperiosas. E importa desmistificar uma coisa: os superavits não são recessivos nem os défices são expansionistas. O que pode ser recessivo ou expansionista são as variações. Depois de atingir um objetivo, manter esse objetivo é neutro do ponto de vista do crescimento futuro.
Creio que o esforço que temos de fazer, enquanto país é de consolidar as nossas contas públicas e promover o crescimento económico através do aumento da produtividade. Daí a importância das reformas estruturais.
Disse há dias que este estudo não constitui uma resposta ao documento do grupo de economistas do PS e do Bloco, mas é inevitável que seja encarado como tal. Que avaliação faz desse relatório?
O nosso estudo começou a ser feito em outubro do ano passado e estava pronto no final de abril. Contudo, dado o mediatismo que o tema tem, e que o relatório do PS e Bloco teve, entendemos que deveríamos dar algum tempo para que se fizesse a discussão desse relatório. Creio que esse relatório foi muito importante para este debate, dado que aparentemente já ninguém – ou quase ninguém – defende uma reestruturação com “hair-cuts”.
Mas há diferenças significativas na visão do problema da dívida nos dois relatórios. Por um lado, o nosso relatório demonstra as consequências de uma reestruturação, enquanto que o outro relatório limita-se a não colocar a questão.
Depois há diferenças nas soluções europeias – e as do relatório da esquerda parecem-me ser de muito mais difícil concretização que as nossas – e ao nível da gestão da dívida pública. Eu sintetizaria essas diferenças de uma forma simples: o relatório da esquerda e extrema-esquerda defende uma gestão de portfolio da dívida pública com maior risco, pressupondo assim um retorno maior (ou seja, uma taxa de juro menor). Nós defendemos uma gestão mais conservadora, com um retorno menor, ou seja, uma taxa de juro maior.
Num país com 130% do PIB de divida pública a escolha parece-me óbvia: para salvaguardar a posição de Portugal no médio e longo prazo, e proteger o país de choques externos, temos de estender maturidades e gerir de forma mais conservadora.
O ideal seria que Portugal tivesse um perfil de reembolsos anuais de seis a oito mil milhões de euros, com uma “almofada” financeira de montante próximo desse.
Além disso, uma maior oferta em maturidades inferiores levará a um aumento da taxa de juro nessas maturidades. Segundo, aumentando o risco de gestão da dívida, o prémio que os investidores pedirão será maior, aumentando a taxa de juro. Terceiro, num cenário de forte investimento em maturidades de curto prazo e de depósitos reduzidos levaria a que Portugal ficasse nas mãos dos especuladores, porque um falhanço numa emissão seria um desastre, conduzindo também isso a um aumento das taxas de juro de curto prazo. Por último, uma gestão com um nível tão grande de risco dificilmente convencerá as agências de rating a tirar Portugal do “lixo”. Queremos mesmo voltar a repetir os erros de 2009-2011?
O vosso estudo conclui que Portugal tem condições para reduzir a dívida pública no prazo de dez a 15 anos, no pressuposto de que conseguimos manter um crescimento nominal acima dos 3% e um saldo primário também na casa dos 3%. Não são valores demasiado otimistas?
Não creio na parte do crescimento nominal. Se vir a média de crescimento nominal desde a entrada no euro é de cerca de 3%. E creio que as reformas dos últimos anos permitirão crescer mais um pouco. Claro que em 20 anos haverá seguramente períodos de menor crescimento (e até de recessão), mas também de maior crescimento. Uns 3% de média nominal parece-me conservador.
Já o superavit primário de 3% é ambicioso, dado o nosso histórico de défices crónicos. Mas é manter o que supostamente vai ser alcançado este ano de 2017. Mas retomo ao meu ponto inicial: se queremos cumprir as regras orçamentais da zona Euro teremos de nos habituar a uma maior disciplina orçamental.7
O que falta fazer, a nível de reformas, para pôr a economia a crescer sustentadamente em níveis que permitam manter o nosso modelo social e de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, abater dívida?
Há ainda um longo caminho a percorrer. Aquilo que mais me preocupa neste momento é ver que a produtividade não está a crescer. Eu elencaria cinco áreas de reforma: justiça, laboral, Estado, fiscalidade e formação.
Quando fala em condições “calamitosas” em caso de haircut, refere-se concretamente a quê? A um levy nos depósitos, por exemplo?
Está no nosso relatório a descrição das consequências de vários cenários de “haircut”. Um “haircut” sobre os investidores privados teria um efeito brutal no setor financeiro nacional. Os bancos e seguradoras têm cerca de 53 mil milhões de euros em dívida pública. Perdas avultadas levariam à falência dos bancos (que como sabemos estão numa situação muito difícil há vários anos). Se os bancos perdessem 20 ou 30 mil milhões de euros em dívida pública, como seriam recapitalizados? Pelas novas regras Europeias, primeiro com a perda pelos acionistas e obrigacionistas. Mas para um montante deste valor não chegaria. E aí seriam os depósitos a responder.
O vosso documento fala também de soluções europeias, nomeadamente a dos “eurobonds”. Considera que esse cenário é realista?
Não sou um ‘expert’ em política Europeia, mas tenho noção da complexidade de qualquer solução, sobretudo em momentos políticos complexos. Mas não tenho dúvida que a zona Euro precisa de maior integração orçamental. Precisa de um aprofundamento do processo político Europeu, ou seja, um reforço da união Económica e Monetária. Tal passa seguramente pela criação de um Tesouro Europeu, o cumprimento do Tratado orçamental e do Semestre Europeu e um reforço do controlo orçamental a nível Europeu. E no longo prazo a criação de algo que se poderá assemelhar a um “Fundo Monetário Europeu” e algum tipo de mutualização das dívidas.
Mas aqui é importante reforçar um ponto crítico do nosso trabalho: só haverá soluções Europeias se houver cumprimento das regras orçamentais Europeias. O que vamos discutir só pode ser os défices passados. Não pode ser a subsidiação dos défices futuros. Isso os contribuintes dos outros países não aceitarão.
Nota: Esta entrevista foi publicada na edição semanal do Jornal Económico do passado dia 9 de junho. Assine aqui o nosso jornal para ter acesso a todos os conteúdos em primeira mão.
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