Ao analista de origem argelina Adlene Mohammedi, doutorado em Geografia Política pela universidade de Paris, considera, em extenso artigo no Monde Diplomatique, que, depois de vários anos de isolamento face ao mundo árabe e do pouco apreço do Ocidente – e no final de uma guerra das mais sangrentas do mundo contemporâneo – o presidente sírio Bashar al-Assad vai, quase que sub-repticiamente, regressando ao confortável lugar que sempre ocupou. Dez anos depois do início da guerra que ‘atirou’ milhares de refugiados para a Europa, tudo parece pronto para ficar exatamente na mesma.
“Em 2011, desde os primeiros meses da guerra, o poder sírio apareceu isolado no cenário regional. Em novembro, por iniciativa da Arábia Saudita e do Qatar, a Síria foi suspensa da Liga Árabe, da qual era membro fundador. Em março de 2013, a organização ponderou dar a cadeira síria à oposição, mas três países opuseram-se: Argélia, Iraque e Líbano”.
A capital da Síria, “Damasco, pode contar com o seu aliado iraniano e, sobretudo, com o poder russo, tanto político (membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas) como militar, especialmente desde a intervenção direta a partir do outono de 2015. Damasco também beneficia com a poderosa rede de milícias pró-iranianas, incluindo em particular o Hezbollah libanês”, refere o analista. Já em 2014, o surgimento do Estado Islâmico como uma ameaça terrorista em grande escala e as vitórias militares do campo pró-regime gradualmente favoreceram as ‘normalizações’ entre várias capitais árabes e a potência síria”.
Neste quadro, “a aliança islâmica-reformadores [sírios] liderada pela Turquia e Qatar pretendia derrubar o regime de Bashar Al-Assad em benefício de sua protegida Irmandade Muçulmana. Por outro lado, e apesar de sua postura contrarrevolucionária, a Arábia Saudita, aliada dos Emirados Árabes Unidos, queria acima de tudo opor-se à influência iraniana no Oriente Médio, cortando o elo estratégico entre Damasco e Teerão. A sobrevivência inesperada do regime de Damasco com o apoio militar russo contribuiu para a divisão do campo oposto e o surgimento de uma oposição brutal entre o eixo Ancara-Doha e o eixo Riade-Abu Dhabi”.
Para o analista argelino, “a eficácia da estratégia de contrainsurgência russa na Síria (com batalhas decisivas vencidas, como as de Aleppo, Daraa ou Ghouta Oriental) e o início do processo Astana em maio de 2017 (um acordo que associa Rússia, Irão e Turquia, este último como o patrono da oposição síria, com vista a uma solução política) fizeram tentativas quase fúteis para derrubar Al-Assad”.
Assim, para Moscovo, “a reintegração da Síria na ‘família árabe’ (fórmula regularmente usada pela diplomacia russa) é uma forma de legitimar mais uma vez o poder sírio no cenário internacional, mas também serve para preparar a reconstrução material do país, considerada mais importante do que as reformas políticas e institucionais. Para a Rússia, os países do Golfo estão em melhor posição tanto para facilitar a ‘reabilitação’ de Damasco dentro da Liga Árabe como para ajudar financeiramente a reconstrução”.
“Se o Qatar, em parte por causa da sua relação privilegiada com a Turquia, e a Arábia Saudita, da qual o Irão continua a ser o principal inimigo, ainda têm reservas em retomar as relações normais com Damasco, a diplomacia russa já pode contar com os Emirados Árabes Unidos para estender a mão para a Al Assad”.
Ou, dito de outra forma, dez anos depois do início da guerra – algures no primeiro trimestre de 2011 (15 de março é o dias apontado pelos que gostam de datas fixas) – 600 mil vítimas mortais depois, mais de 7,6 milhões de deslocados internos depois, mais de 5,1 milhões de refugiados depois, e depois de uma campanha militar anti-Assad em que vários países ocidentais se envolveram, tudo parece regressar ao lugar de partida. Para todos os efeitos, Bashar al-Assad mostrou-se inamovível e com certeza pouco tempo faltará para regressar ao convívio dos grandes estadistas.
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