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CMVM não pode avaliar idoneidade dos gestores, apesar do apelo do Ministério Público

O Ministério Público, no requerimento em que pede o agravamento das medidas de coação dos arguidos António Mexia e João Manso Neto, defende que, sendo a EDP e a REN empresas cotadas, “deviam encontrar-se sujeitas a um especial controlo de idoneidade dos órgãos sociais e que se enquadra nas competências da CMVM a avaliação dos administradores”. O regulador diz que não tem poderes para isso.
Gabriela Figueiredo Dias, presidente do Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
17 Julho 2020, 18h08

O Ministério Público queria CMVM a avaliar a idoneidade dos gestores das empresas cotadas, a propósito do caso EDP, mas essa competência ainda não está sob tutela do regulador dos mercados. Isto apesar de no início do ano, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) ter definido cinco prioridades da sua atuação, entre as quais o reforço da supervisão das entidades supervisionadas para dissuadir más práticas, focando a sua atuação na avaliação da idoneidade dos gestores e outros membros das entidades que operam no mercado de capitais, assim como na supervisão dos modelos de governo (mecanismos de controlo interno, fiscalização, auditoria interna) tendo em conta o impacto na estabilidade do sistema financeiro.

“As competências da CMVM em matéria de avaliação da adequação e em especial da idoneidade dos gestores e titulares de funções essenciais é apenas aplicável às entidades financeiras sujeitas à supervisão prudencial da CMVM, aos auditores e peritos avaliadores de imóveis”, explicou ao Jornal Económico a entidade reguladora liderada por Gabriela Figueiredo Dias.

Questionada a CMVM diz ainda que “enquadrada nas suas competências de supervisão relativas a boas práticas de governo societário, a CMVM afere incompatibilidades e ausência de independência dos membros do órgão de fiscalização ou da mesa da assembleia geral dos emitentes”.

Segundo o Jornal de Negócios de 10 de julho, o Ministério Público, no requerimento em que pede o agravamento das medidas de coação dos arguidos António Mexia e João Manso Neto, defende que, sendo a EDP e a REN empresas cotadas, “deviam encontrar-se sujeitas a um especial controlo de idoneidade dos membros dos seus corpos sociais executivos ao nível da sua idoneidade para as atividades por eles desempenhadas”, dizendo mesmo que os critérios de “fit and proper” são aplicados aos arguidos e que se enquadra nas competências da CMVM a avaliação dos administradores.

A entidade reguladora já prometeu que irá trabalhar na implementação das suas novas competências de supervisão, mas ainda não está nada previsto quanto a vir ser a entidade que faz avaliação da idoneidade dos órgãos sociais das empresas não financeiras. O que aliás deixa as empresas não financeiras numa situação distinta das empresas financeiras onde há um escrutínio muito minucioso da idoneidade dos seus gestores pelo Banco de Portugal.

Na apresentação do Relatório Anual de 2019, a presidente da CMVM disse estar preocupada com a EDP, mas adiantou que o regulador só pode atuar no âmbito das suas competências de obrigar à disponibilização da informação e que não tem poderes para avaliar idoneidade dos administradores.

Ora, para os investigadores “o comportamento revelado pelos três arguidos no exercício das suas funções (…) demonstra que eles não são idóneos para o exercício das mesmas”. Perante isto a defesa de António Mexia contrapõe dizendo que o MP não tem “legitimidade nem competência” para dizer que “A, B ou C são ou não idóneos” e que “a CMVM não detém qualquer competência legalmente prevista a respeito de uma pretensa e putativa função de aferição de idoneidade dos administradores das sociedades cotadas”.

A própria CMVM já tinha esclarecido publicamente não ter a supervisão macroprudencial das cotadas, pelo que não lhe cabe aferir a idoneidade dos administradores. Ainda assim, há outros órgãos sociais para fiscalização.

Os acionistas de sociedades cotadas, bem como os membros dos órgãos de administração, não estão sujeitos a controlo de idoneidade porque é isso que resulta da lei europeia harmonizada, da lei nacional e, no geral, é a prática em outros mercados desenvolvidos, tanto na Europa como nos EUA.

“Não antecipamos decisões, mas naturalmente que nos preocupamos. Essa preocupação deverá sempre existir nos limites das nossas competências para atuar”, disse Gabriela Figueiredo Dias, na conferência de imprensa de apresentação do relatório anual da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) de 2019, para responder a questões sobre o acompanhamento do regulador ao caso da EDP perante as acusações do Ministério Público ao então presidente da EDP, António Mexia, e ao então presidente da EDP Renováveis, Manso Neto, e o pedido para serem suspensos da gestão.

Um dos argumentos de António Mexia e João Manso Neto para considerarem ilegal a medida de coação de suspensão de funções é o de que não são gestores públicos nem de concessionárias públicas. Mexia liderava a EDP e Manso Neto a EDP Renováveis. A defesa entregou um total de seis pareceres jurídicos, sendo alguns a contestar precisamente a legalidade da aplicação desta medida a gestores de empresas privadas.
Carlos Alexandre não teve dúvidas de que “as atividades da REN e da EDP devem ser qualificadas como serviço público, como o exercício de um poder de uma função pública, dependendo de autorizações, licenciamentos, fiscalizações e concessões”, segundo o Negócios.

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