Este OE tem uma característica única que tem vindo a ser debatida ao longo das últimas semanas – é a primeira vez na história da nossa democracia que vamos ter um excedente orçamental. O segundo aspeto prende-se com a manutenção numa trajetória de crescimento económico que o governo antevê que seja à volta de 1,9%. Uma trajetória da dívida pública decrescente face ao PIB que este ano estima-se que posa atingir cerca de 116%. Sendo certo que há algumas variáveis que ainda revelam alguns riscos que o Governo possa ter de enfrentar, nomeadamente a manutenção de uma dívida pública de 253 mil milhões de euros. O que dá para antecipar que ao mínimo sinal de oscilação de taxas de juro o Governo pode ter de facto alguns desafios pela frente e nós como país certamente teremos também se acontecer.
O OE para 2020, ao contrário de outros orçamentos num contexto temporal mais longínquo, não se caracteriza por ser um orçamento com alterações muito substantivas. É um OE que não é muito inovador, de continuidade de políticas do Governo e de alguma estabilidade fiscal no que às empresas diz respeito. O que se pode discutir é o que poderia ter sido feito, aproveitando um espírito mais reformista do ponto de vista de dar mais incentivos às empresas e de ser um pouco mais ambicioso no que diz respeito ao conteúdo.
Se há área que o novo OE trouxe novidades foi nas PME. Há uma medida que consagra uma alteração deste primeiro escalão de aplicação da taxa reduzida de 17% para os primeiros 25.000€ de matéria coletável ao invés de 15.000€ que tínhamos até ao final de 2019. É uma medida que se antecipa e que vai ser bem recebida pelas empresas. Claro que as entidades patronais queriam que este escalão fosse maior e de facto poderia ter existido mais ambição porque o tecido empresarial português caracteriza-se por uma mobilização grande de PME. Estamos a falar de uma poupança anual de 400€ para estas PME. Isto visto assim parece pouco mas para uma microempresa já representa algo. Para uma média empresa pode ser um pouco mais irrelevante mas ainda assim é um sinal positivo.
O escalão do lucro é exatamente o mesmo, o que muda é que também no interior as empresas já tinham uma taxa reduzida de 12,5% e portanto estamos a falar que o incentivo anual por comparação à taxa normal de IRC que é de 21%, podem usufruir de uma taxa de 12,5%. Este alargamento de 15.000€ para 25.000€ traduz-se numa poupança de 850€ por ano. É mais visível a poupança e insere-se num quadro em que o Governo já tem dado sinais de premiar por via fiscal a fixação de empresas e de pessoas. Estamos a falar de algo não muito relevante mas que é um sinal positivo pois qualquer sinal que fosse o oposto também seria amplamente criticado.
A grande novidade que o OE traz para 2020 é que os passes são dedutíveis em 130%. Por cada 100€ em passes sociais que a empresa reembolsa os seus colaboradores, a empresa vai permitir ter um custo de 130, ou seja há uma majoração de 30% face àquilo que é o gasto incorrido pela empresa. Esta é mais uma medida que se insere num conjunto de medidas que o código do IRC já consagra ao nível daquilo que se denomina as realizações de utilidade social. Essa realização já estava consagrada no artigo 43 do código do IRC. A questão é que com esta medida o Governo pretende cada vez mais premiar o uso dos transportes públicos dentro da mobilidade que muitas vezes se fala que é permitir uma maior utilização de transportes públicos em detrimento da utilização de transportes particulares.
Sim, isso é uma medida que já se inseria dentro de um conjunto alargado de incentivos que o Governo já tinha previsto no passado e é um regime que já estava consagrado no código do IRC por apenas considerar os rendimentos derivados da propriedade intelectual e industrial. O que se passou foi que na propriedade intelectual, passou-se a incluir a propriedade intelectual que deriva daquilo que são os direitos relativos a contratos com programas de computador. Portanto tudo o que é direitos de software, a conceção dos mesmos, novas patentes que sejam desenvolvidas nessa área, rendimentos que as empresas obtenham derivados dessa exploração dessa propriedade intelectual só vai contar em 50% para efeitos de cálculo do seu lucro tributável. É um preenchimento de uma adicional de um regime que já existia e que passou a contemplar já este tipo de direitos relativos a software. É um acrescento a algo que já existia.
É uma medida que já existia. Estamos a falar de no ano de início de atividade e no ano seguinte, as empresas não terem de fazer o pagamento especial por conta. Esta é uma medida que no ano passado sofreu uma alteração substancial porque as empresas deixaram de ter de fazer o pagamento especial por conta mesmo após o segundo ano de atividade desde que demonstrem que cumpriram atempadamente as suas obrigações em sede declarativa, ou seja a entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal designada por IES e a sua declaração anual de rendimentos, modelo 22 do IRC. Portanto, desde que entreguem ou que haja evidência de terem cumprido com essas obrigações de forma atempada, o pagamento especial por conta está dispensado de ser feito por parte das empresas.
Por um lado temos a questão do IRS, se a utilização de viaturas deve ou não deve ser considerada uma remuneração em espécie e o código do IRS define as condições para que tal aconteça. Depois existe a questão dos encargos que a empresa, suporta com a disponibilização de viaturas aos seus colaboradores. Durante muitos anos o Governo atendeu que uma parte da utilização dessas viaturas não para fins empresariais mas para fins pessoais e por isso pela via da tributação autónoma é uma via que o legislador encontrou para cobrar o IRS que não é cobrado pelo facto da viatura não ser considerada uma remuneração em espécie na esfera do colaborador que utiliza as ditas viaturas. Ao longo dos anos este regime tem sofrido várias alterações e o que temos até ao final do ano 2019 é que as viaturas estão fracionadas por custos de aquisição num escalão até 25.000€ e depois até 35.000€ e depois de 35.000€ para cima e as taxas das tributações autónomas variam em função das viaturas terem um custo de aquisição compreendido em cada um destes três intervalos. O primeiro escalão até 25.000€ todos os encargos relacionados com a utilização das viaturas são tributadas a 10%. De 25.000€ até 35.000€ – 27,5% e mais de 35.000€ – 35%. O que a proposta de lei do OE veio trazer é que este primeiro escalão vai subir para 27.500€, ou seja vamos ter um conjunto mais alargado de viaturas que só vai sofrer uma tributação autónoma de 10%. Não podemos esquecer, o que é sujeito a tributação autónoma não é só o custo da viatura, as portagens também, os seguros, os combustíveis, as manutenções…
Sim, esta também é uma medida para as PME e o que esta medida contempla é uma dedução à coleta com determinados limites para os lucros que sejam gerados nas PME, que sejam retidos e reinvestidos em determinados ativos elegíveis para as suas operações. O montante máximo dos lucros retidos que pudessem ser reinvestidos era de 10 milhões de euros e podia-se ter uma dedução à coleta de 10% desse montante deixou de ser 10 milhões para ser 12 milhões. É claro que a dedução à coleta está sempre limitada a 10% do montante de lucro que vier a ser retido e reinvestido com o limite de 25% da coleta. Há vários limites que funcionam em cascata que têm de se ver mas naturalmente quando se aumenta o limite aumenta-se a capacidade, aumenta-se o potencial de dedução.
O Governo, na proposta de lei do OE e que foi agora aprovada na especialidade no passado dia 6, no texto da mesma está uma autorização legislativa e diz exatamente um incentivo às empresas que tenham uma vertente grande de exportação não só nos empréstimos que possam contrair para a atividade de exportação como também num crédito fiscal por essa via. Isto tem de ser bem visto com a Comissão Europeia porque recordo-me que há uns anos a nossa vizinha Espanha tinha um incentivo fiscal à atividade de exportação e esse incentivo mais tarde veio a ser questionado por parte da Comissão Europeia na medida em que se traduzia num incentivo do Estado. Os incentivos que o Estado dá às empresas do seu país têm limites nos termos das regras do funcionamento do mercado da UE porque pode qualificar como auxílio do Estado e esse auxílio não é legalmente admissível pois prejudica a concorrência no seio da UE. Não podemos ter Estados a premiarem as suas empresas por via fiscal e os outros Estados a não fazerem porque prejudica uma sã competitividade no mercado europeu. Cada vez que se pretende fazer um incentivo destes tem de se discuti-lo tecnicamente se ele é admissível do ponto de vista do cumprimento e da aderência do mesmo às regras de funcionamento do mercado da UE.
Esta é uma história muito interessante e uma das propostas que um dos grupos parlamentares fez, uma alteração ao regime da derrama estadual no sentido de introduzir um escalão adicional. Hoje em dia temos três escalões da derrama estadual que variam em função do lucro tributável. Empresas com 1,5M e acima de 1,5M de lucros, depois empresas a partir de 5M até 35M e ainda mais de 35M. A taxa vai variado 3%, 5% e 9%. A proposta era para introduzir um escalão entre os 20 a 35 de forma a que essa parte do rendimento que atualmente pagaria 5% passasse a pagar 7%. O que não contraria muito a filosofia deste partido político que sempre olhou para esta medida como algo positivo. Acabou por não se aprovada e hoje em dia o que se discute é de facto se a derrama estadual é um imposto que faz sentido manter da forma como está.
Porque se olharmos um pouco para a história da introdução da derrama estadual em Portugal remonta a 2010, ainda no anterior Governo e quando foi introduzida foi num contexto de excecionalidade que Portugal já estava a dar sinais que ia viver porque a derrama estadual vai distorcer completamente a mecânica de funcionamento do IRC. Está a introduzir uma lógica de progressividade de imposto, ou seja as empresas pagam mais de IRC à medida que o seu lucro tributável vai crescendo.
Se o lucro tributável for acima de 35M toda a parcela acima de 35M de lucro vai pagar 21% mais a derrama municipal que pode ir até 1,5% mais 9% de derrama estadual. Estamos a falar de uma taxa de IRC que vai passar os 30%. Significa que estamos a introduzir no IRC uma característica que devia ser apenas do código do IRS, esse sim um imposto de carácter progressivo tal qual se encontra a constitucionalmente previsto. A constituição no que diz respeito ao imposto sobre as empresas já não fala que tem um carácter progressivo, fala que o imposto deve incidir tendencialmente sobre o rendimento real das empresas e deve ter uma natureza proporcional.
A derrama estadual da forma como está hoje vertida no conteúdo do IRC distorce este principio que está vertido na constituição e se se percebia inicialmente que atendendo às condições de excecionalidade com que Portugal estava confrontado que a derrama estadual era necessária às condições que Portugal vivia à data. Hoje em dia essas condições ou esse cenário deve ser questionado se o Governo diz e bem que já não estamos no período de assistência financeira então as condições que justificavam a introdução da derrama estadual já não se verificam.
Caso aconteça então esta medida, que era temporária, não deverá continuar a existir. Dever-se-ia ter um plano para que ela fosse faseadamente retirada às empresas. As grandes empresas queixam-se muito porque isto tem um peso muito grande e é um pouco castrador daquilo que é a capacidade de investimento das empresas.
Destes últimos anos, há aqui uma variável. Nós temos assistido, que o governo tem mantido o nível de carga fiscal muito elevado. Quando eu digo “muito elevado”, a média da União Europeia até é bastante mais elevada do que aquilo que temos em Portugal. Nós falamos em Portugal de cerca de 35% – que 35% do PIB é a carga fiscal total – e na zona Euro por exemplo é mais de 40%. Portanto, Portugal até está um pouco aquém dessa carga fiscal. O que se pode discutir é: se por cada euro que eu pago de imposto, se eu tenho um euro de retorno em serviço do Estado? E este é outro tipo de discussão muito subjetiva e que nos levava por outros caminhos.
Mas, o que se assiste, numa ótica de continuidade, é que a carga fiscal é a mais alta desde 2014. Ou seja, 2014 ainda não era o atual partido político que está no Governo, mas este Governo tem vindo sucessivamente a manter a carga fiscal neste patamar: 34%, 35%… Fala-se que 2020 será 35,1%, há contas que apontam para 35,3%, nomeadamente o relatório que se veio a tornar pública da Unidade Técnica de Apoio Orçamental que veio dizer “não, de acordo com as nossas contas, a carga fiscal vai ser de 35,3%”. Seja 35,1% ou 35,3% já estamos a discutir décimas – que são importantes, que são relevantes, sem dúvida, mas vamos ter uma carga fiscal elevada. E este Orçamento é um Orçamento de continuidade dessa mesma filosofia . É isto que temos e também foi isto que os portugueses sufragaram porque o Governo não escondeu nada quando fez o programa eleitoral: não disse que ia baixar a carga fiscal. Tem feito pequenos ajustes na tributação direta, mas a tributação indireta tem de facto compensado a menor tributação direta. Este é o panorama que temos, foi isto que o governo se comprometeu com os portugueses e foi isto que os portugueses votaram nas últimas eleições. Portanto, nós estarmos a ter, não a maioria, mas grande parte dos portugueses, aquilo que entendeu que era o mais adequado.
O outlook, digamos assim nalguma linguagem económica, é positivo. A única incerteza que temos – que pode acontecer algum fenómeno que possa distorcer isto tudo. Se tivermos um cenário de taxas de juro baixas, acho que vamos ter um ano relativamente gerível e que o Governo vai conseguir atingir os seus objetivos para este ano.
Recentemente, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais anunciou que 2021 será um ano de grande alívio fiscal, ou pelo menos de um alívio fiscal significativo. Eu, pessoalmente, tenho algumas dúvidas que exista esse alívio: a margem orçamental que o Governo tem não é significativa. Mas, pelo menos, é um sinal importante que foi dado pelo Executivo, e portanto os portugueses podem esperar não ter um agravamento fiscal para o próximo ano e que, nalgumas áreas, haja um alívio e que no final do dia estejamos todos contentes com aquilo que vai ser o Orçamento do Estado para 2021.
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