A pandemia de Covid-19 expôs a fragilidade do setor desportivo e abriu as portas para os conteúdos digitais. Cada vez mais clubes de futebol estão a investir no campo dos desportos eletrónicos, como forma de expandir a sua influência e, consequentemente, os seus contratos comerciais, mas também como uma forma de chegar ao publico mais jovem.
Com estádios, arenas e pavilhões de portas fechadas um pouco por todo o mundo, as pessoas viram-se para as opções do mundo digital. As gerações mais jovens estão cada vez mais ligadas aos desportos eletrónicos, uma tendência facilmente percetível se olharmos para as idades dos jogadores profissionais e da sua audiência.
A maneira como se consome entretenimento desportivo tem vindo a mudar, quer seja pelos serviços de streaming que se multiplicam, quer seja pelos acordos comerciais com algumas das maiores empresas de tecnologia computacional do mundo. As parcerias são cada vez mais e os clubes de desportos tradicionais, perante as oportunidades, não ficaram indiferentes.
Um dos clubes pioneiros no setor dos eSports é o FC Schalke 04 que, estabeleceu uma divisão de desporto eletrónico no seio das suas operações, e com isso, aumentou drasticamente a sua influência entre as gerações mais novas que, consequentemente, ajudaram a cativar alguns dos melhores talentos europeus a competirem pelo emblema alemão. Desde então, vários clubes de futebol da elite europeia decidiram enveredar pelo mesmo caminho e os resultados estão à vista.
Começando pelos jogos de simulação de futebol, como o Fifa ou o PES, os clubes fizeram a ligação “natural” visto que se trata do desporto mais rentável, mas não se ficaram por aí. O mundo do desporto eletrónico oferece uma vasta gama de “modalidades”, ou seja, videojogos que vão para lá da temática do desporto tradicional onde a competição é tão ou mais intensa, como o Counter-Strike, League of Legends, Fortnite, entre outros.
Aqui, os ordenados das equipas que não têm ligação ao desporto tradicional são comparáveis e, na maioria dos casos superiores, às equipas de meio e fundo da tabela das principais ligas europeias. Nesse sentido, alguns clubes viram uma oportunidade perfeita para fazer parcerias, evitando criar modelos de negócio de raiz, patrocinando e cooperando com algumas das melhoras equipas de eSports do mundo, como é o caso da ligação entre o AS Roma e a Fnatic, ou o Manchester City e a Faze Clan.
No caso português, são vários os clubes portugueses envolvidos no mundo do desporto eletrónico. O Sporting CP foi um dos pioneiros a nível nacional e internacional, criando de raiz uma divisão de eSports que se mantém até aos dias de hoje, contratando à semelhança do que faz na sua academia de futebol, alguns dos melhores talentos portugueses. Segundo os dados da Federação Portuguesa de Futebol, atualmente existem 230 clubes de desporto eletrónico, na sua maioria criados através da parceria com clubes de futebol já existentes, dos vários escalões que compõem o futebol português, dos distritais à primeira liga.
SL Benfica e FC Porto foram os últimos a entrar, ainda que os ‘encarnados’ tenham chegado um ano mais cedo que os ‘dragões’. As abordagens de dois dos maiores clubes portugueses, no entanto, foram bastante diferentes. O Benfica decidiu apostar na contratação de um dos melhores jogadores de Fifa a nível mundial, enquanto o FC Porto estabeleceu uma parceria com a equipa SoccerSoul a quem caberá gerir os atletas e respetivas competições. São dois exemplos distintos na aposta nos eSports que, dependendo da estratégia de cada clube, reforçarão o espetro de influência do desporto português.
Segundo um estudo da KPMG, o desempenho financeiro é uma das áreas onde potenciais sinergias podem ser alcançadas entre desportos tradicionais e eletrónicos, uma vez que as estruturas de receita e custos são semelhantes nos dois setores. As principais fontes de receita são as receitas comerciais/de patrocínio, receitas de transmissão e taxas recebidas de participantes em eventos ao vivo (na forma de receita de ingressos, merchandising, F&B). Adicionalmente, os eSports podem contar com outras fontes de receita, como receita digital, streaming e taxas de editoras.
Atualmente, as receitas de patrocínio são a fonte de receita dominante para as equipas de eSports, mas a evolução do desporto eletrónico expõe algumas áreas de crescimento potencial, superadas apenas pelas receitas de transmissão. Ainda assim, em termos de valor absoluto, a diferença é enorme, dando como exemplo a Premier League – a receita combinada dos clubes da primeira divisão inglesa (5,8 mil milhões de euros) é significativamente maior do que a receita total de toda a indústria global do desporto eletrónico (855 milhões de euros), segundo a KPMG.
O nível de ganhos materiais e benefícios não financeiros alcançáveis depende principalmente de como uma organização se esforça para entrar nos eSports. Tal decisão tem por base uma combinação de fatores, que se resume aos níveis de investimento e análise de risco. A maioria dos clubes de futebol tem sido cautelosa na sua abordagem, com o foco a manter-se na minimização de riscos potenciais.
É aqui que a maioria dos Big Six da Premier League se posiciona – eles reconheceram a necessidade de dar os passos iniciais, apesar do volume de investimento se ter mantido em valores relativamente baixos. Liverpool e Arsenal contrataram jogadores para representá-los em torneios específicos, como a ePremier League. Os métodos de seleção de jogadores neste caso variam, desde a organização de um torneio local para novos talentos até a contratação de uma agência ou empresa especializada para procurar jogadores mais experientes. O Manchester United, ao contrário dos rivais, decidiu ir mais longe e contratar uma equipa inteira de jogadores (11) para representá-los em torneios selecionados.
A diversificação da aposta em videojogos que não estejam incluídos na categoria de simulação parece ser a opção mais rentável. Aqui, os tipos de riscos incluem associação da marca com jogos que não representam os valores de um clube, como violência, a insatisfação dos adeptos com a presença em determinados segmentos, ou uma falta de controlo e compreensão dos jogadores como embaixadores da marca. Estes riscos podem, de facto, ser prejudiciais e resultar na perda de valor reputacional, mas, em alguns casos, são apenas riscos reconhecidos que fazem parte da sociedade e da cultura pop, atrasando a etapa inevitável de alcançar e abraçar os interesses das novas gerações. As técnicas de mitigação de risco envolvem uma seleção cuidadosa de jogos (por exemplo: FC Barcelona no Rocket League, que tem elementos semelhantes ao futebol), ou a criação de uma nova marca num jogo mais arriscado (entrada do FC Copenhagen no Counter Strike: GO).
Por fim, a maioria do público dos desportos eletrónicos só pode ser alcançada através dos videojogos mais populares, como League of Legends, Call of Duty, Counter-Strike ou Fortnite. No entanto, para além dos vários riscos potenciais, atingir este nível requer recursos significativos ou um amplo investimento de tempo, uma vez que comprar uma parte de uma franquia ou uma equipa estabelecida custa mais de 10 milhões de euros na maioria dos casos e construir a sua própria divisão de eSports do zero e ver os resultados pode levar anos. Ainda assim, o exemplo do FC Schalke 04 mostra que não só é possível como pode ser um investimento com muito valor – atualmente, eles são o único clube de futebol representado numa das principais ligas de desporto eletrónico.
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