De produto nicho a ser um destaque dos mercados financeiros, os criptoativos e a complexa tecnologia em que assentam ganharam notoriedade e quota de mercado, mas sem que a regulação deste universo acompanhasse o ritmo. Com grande parte da divulgação feita na internet e redes sociais, os perigos não costumam ser comunicados com clareza e a natureza virtual do ativo cria dificuldades específicas que os investidores devem ter em mente, bem como a sua grande volatilidade.
A baixa rentabilidade dos depósitos a prazo na Europa e EUA aumentou o interesse dos aforradores e investidores por produtos financeiros inovadores, com oportunidades de lucro e acessibilidade maiores do que as condições oferecidas pelos bancos e do que os tradicionais títulos bolsistas. Com a tecnologia blockchain por trás, os criptoativos pareciam oferecer essa alternativa e a bitcoin, a primeira e mais famosa desta classe, rapidamente passou da sua criação e de valer frações de dólar em 2009 para quebrar a barreira dos mil dólares em 2013, ganhando notoriedade crescente.
Com a crise pandémica e este ativo já na ordem dos 20 mil dólares (19.845 euros), o boom foi ainda mais evidente. A taxa de poupança disparou e o maior contacto das pessoas com comunicação digital aumentou a sua exposição a estes produtos, mas frequentemente sem conhecer os riscos associados, explica Ana Passos, economista sénior do gabinete de proteção financeira da Deco.
“Normalmente a pessoa toma conhecimento [deste tipo de ativos] nas redes sociais, até porque utilizam muitas vezes figuras públicas [para promovê-los]”, refere, lembrando os inúmeros casos de pessoas que, com investimentos de diferentes magnitudes, diariamente contactam a agência de defesa do consumidor com preocupações ligadas a estes ativos.
Regulação ainda escasseia
A possibilidade de fraude é bastante real na generalidade dos sectores de vendas ao consumidor, mas quando o produto são “representações digitais [que] só funcionam a nível virtual e não estão garantidos pelo nosso sistema, não têm por detrás um banco central”, esse risco torna-se mais gravoso, continua Ana Passos. Por um lado, há a possibilidade de malware ou problemas de software dificultarem ou impedirem o acesso a estes ativos; por outro, e pior ainda, por vezes as plataformas através das quais os investimentos são feitos desaparecem de um dia para o outro.
“E sem garantia nenhuma para quem investe”, continua, porque “ainda não há regulamentação”. A Comissão do Mercado e Valores Mobiliários (CMVM) apenas requer um registo “por causa do branqueamento de capitais”, pelo que o investidor continua desprotegido; acresce que “muitas dessas plataformas estão sediadas noutros países”, o que significa que “a CMVM não tem intervenção nenhuma”.
Isso mesmo lembra o Banco de Portugal (BdP) na sua comunicação “Ativos Virtuais, Riscos Reais”, na qual procura “chamar a atenção para os seus riscos”. Um dos principais prende-se com a supervisão, que “incide apenas sobre algumas entidades, não abrangendo, por exemplo, grandes plataformas sem presença física em Portugal e sem obrigações fiscais perante as autoridades portuguesas”.
Outro aspeto para o qual os investidores devem estar atentos é a grande volatilidade dos criptoativos, o que pode levar o valor real dos investimentos a flutuar significativamente em curtos intervalos. O BdP classifica-os mesmo como “sobretudo instrumentos de investimentos especulativos, com muitos riscos associados”, e Ana Passos reforça a atenção que é preciso dar às suas flutuações.
“Ouvimos que a valorização destes ativos tem sido grande, mas a queda também pode ser grande. São muito voláteis”, afirma. E, mais uma vez, estas perdas não estão de forma alguma cobertas por entidades supervisoras, reforça.
Montanha russa de valorizações
Muitos terão sido os investidores que no último ano viram lucros avultados no mercado dos criptoativos e/ou de seguida experienciaram quedas pronunciadas, com as oscilações tremendas que muitos destes instrumentos têm vivido. Tomando novamente a bitcoin como referência, a moeda virtual viu o seu valor duplicar no ano passado, mas crashou no início de 2022, caindo para menos de metade do máximo de 68 mil dólares (67.440 euros).
Desde aí, uma ligeira recuperação em março animou os investidores, mas os criptoativos têm vindo a negociar longe do fulgor dos tempos da pandemia e cada vez mais interligados com o resto do mercado bolsista. Como tal, a performance recente tem sido tímida, mas menos pessimista do que a generalidade da bolsa, com as perspetivas de recessão a arrefecerem significativamente os ânimos em vários sectores.
“As principais criptomoedas têm estado a lateralizar há pelo menos 4 meses, sinalizando até alguma estabilidade em relação aos mercados tradicionais. Ao contrário das equities que continuam a bater novos mínimos este ano, o mercado cripto tem-se mostrado resiliente”, refere Henrique Tomé, analista da XTB.
A queda tem-se prendido sobretudo com o sentimento geral do mercado, continua Henrique Tomé, e pelo menor apetite por risco dos investidores, mas “em nada tem estado relacionado com a perda de credibilidade do sector”.
“Apesar das sequências de falências de várias instituições inseridas no ecossistema cripto, como Voyager, Celsius, projeto Luna, entre outras, as fragilidades no sector acabaram por não danificar a credibilidade entre os investidores que continuam a ver o mercado cripto cada vez mais como uma alternativa de investimento para quem pretende diversificar o seu portfólio”, ilustra.
Ainda assim, estas falências são focos de preocupação e mantém-se “o risco de os projetos mais especulativos no mercado cripto desaparecerem devido à falta de fundamentos por detrás dos mesmos”. Como tal, torna-se ainda mais importante “obter o máximo de informação possível sobre aquele produto para permitir saber quais são os riscos, qual é a rentabilidade, se há ou não risco de perder o capital todo que estou a investir”, completa Ana Passos.
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