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Ideias para promover o conhecimento financeiro em Portugal

Instituições do sector financeiro avançam propostas que respondem ao problema da iliteracia financeira. Portugal é considerado o pior país da Europa neste campo. Por Almerinda Romeira
29 Outubro 2022, 17h00

Inês Oom de Sousa
Presidente da Fundação Santander Portugal

A literacia financeira é fundamental em todas as idades e em todos os setores da sociedade. Chave para a inclusão, contribui diretamente para sete dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Os números do Banco Central Europeu dizem que Portugal ocupa o último lugar no ranking da literacia financeira na zona euro. Perante este cenário, é um imperativo nacional atuar rapidamente, promovendo a educação. Existem conceitos que entendidos em determinadas idades podem ser transformadores ao longo da vida.

A transmissão destes conceitos é uma prioridade para a Fundação Santander Portugal. Temos uma estratégia para melhorar a educação financeira ao longo das várias faixas etárias. Começamos pelos mais novos, nos bancos das escolas e dos liceus, mas estamos a trabalhar para alargar aos alunos de ensino superior, aos profissionais, às empresas e ao público sénior.

Aqui anuncio, em primeira mão, o lançamento de um programa através do qual vamos entrar nas salas de aula do Ensino Secundário. O programa FinanceiraMente vai convidar os alunos a participar em quatro workshops onde vão aprender as consequências ou as vantagens das suas escolhas financeiras. Com este programa vamos percorrer escolas de vários distritos do nosso país. Nos próximos três anos, queremos alcançar cerca de 2 710 alunos de 95 turmas.

Outra das nossas iniciativas foi o lançamento do livro “Maria e o Segredo da Poupança”. Dirigido às crianças do 1º ciclo do Ensino Básico, pretende ajudar os mais novos a compreender os conceitos básicos do funcionamento do dinheiro e da poupança. Ao defender que “é no poupar que está o ganho” transmite uma cultura de responsabilidade e sustentabilidade, contra o desperdício e gastos inúteis.

António Simões, presidente executivo do Santander Espanha e responsável regional para a Europa, escreve no prefácio que “o melhor dia para começarmos a poupar terá sido ontem” e que “o segundo melhor dia para o fazermos é o dia de hoje”.

Vamos começar todos agora?

 

João Baptista Leite
Chairman e CEO da UNICRE

Antes de mais, é fundamental tentar perceber a génese do problema. A verdade é que os baixos níveis de literacia financeira em Portugal não são um tema novo e têm vindo a ser referenciados, de tempos em tempos, na agenda mediática. Em janeiro deste ano, fomos confrontados pelos dados do Banco Central Europeu, relativos a 2020, que colocavam o país em último lugar no ranking de literacia financeira da Zona Euro. Tendo em conta estes indicadores e o próprio pessimismo dos consumidores no que diz respeito à sua situação financeira, de acordo com o inquérito do INE, importa perceber de que forma é que a aposta no aumento dos níveis de literacia financeira pode contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais exigente, com um sistema financeiro mais resiliente e, consequentemente, um país mais informado. Como referi, e após perceber a génese do problema, importa trabalhar na solução e é aqui que as Instituições Financeiras podem (e devem) desempenhar um papel fulcral. Felizmente, existem cada vez mais entidades a criar soluções tecnológicas, como, no caso da UNICRE, com a app UNIBANCO, que têm como principal finalidade aumentar a literacia financeira dos utilizadores. A criação destas ferramentas permite produzir um maior “awareness”, na medida em que, através de um contacto mais direto, conseguimos explorar temas como, por exemplo, a importância de uma gestão mais eficiente do dinheiro ou de desenvolver hábitos de poupança. Por sua vez, e para fomentar uma decisão mais informada sobre este tema, esta resposta pode passar, também, pela utilização dos canais de comunicação internos e externos das próprias Instituições, como temos vindo a implementar no blog e nas redes sociais do UNIBANCO e da REDUNIQ. A criação destes projetos de literacia financeira, que tornem o tema facilmente comunicável e de simples compreensão, nos próprios canais, apesar de parecer simples de implementar, acaba por ser uma ótima solução para chegar, com as mensagens-chave, aos adultos e, particularmente, aos jovens.

 

João Pratas
Presidente da APFIPP – Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios

O aumento da literacia financeira da população portuguesa, tal como de qualquer outra, não é um processo imediato, mas sim um projecto de longo prazo, em que se procura reforçar os conhecimentos, hoje, para que possam resultar em atitudes e em decisões mais informadas e conscientes, no futuro.

Sendo um processo contínuo, a abordagem dos temas relacionados com a literacia financeira deve iniciar-se desde tenra idade, ou seja, o seu desenvolvimento em contexto escolar revela-se uma aposta essencial. Actualmente, a sua abordagem vê-se, muitas vezes, refém da boa vontade da comunidade escolar, o que é dificultado num cenário de cargas programáticas exigentes e já de si pesadas. A literacia financeira deveria ser entendida como uma parte integrante da formação de cada cidadão, e, nessa medida, faria toda a diferença atribuir-lhe um estatuto obrigatório no plano escolar, indo além da sua integração na disciplina “Educação para a Cidania”.

Para a abordagem da literacia financeira nas escolas, é necessária a existência de recursos didáticos que apoiem os alunos e professores na aprendizagem destes temas e é precisamente neste quadro que tem vindo a ser desenvolvido um projecto de produção de “Cadernos de Educação Financeira”, uma parceria, entre o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, o Ministério da Educação e quatro Associações do sector financeiro (a Associação Portuguesa de Bancos, a Associação Portuguesa de Seguradores, a Associação de Instituições de Crédito Especializado e a APFIPP – Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios), que até ao momento já conduziu à elaboração de cadernos para o 1.º, 2.º, 3.º Ciclos de Escolaridade e para o Ensino Secundário.

Mas importa salientar que a literacia financeira se deve desenvolver muito para lá dos meios de ensino tradicionais. Um exemplo de literacia financeira que nos parece essencial seria por exemplo, o Estado divulgar de forma clara quais as perspetivas para as pensões de reforma da população. Trata-se de um tipo de informação que o Estado detém, que contribuiria muito para a forma como os portugueses se relacionam com esta temática.

 

Henrique Tomé
Analista da XTB

Portugal é o país da Zona Euro com o pior nível de literacia financeira. Embora tenha existido uma maior consciencialização para este problema, os portugueses continuam a estar no fundo da tabela quando comparamos o nível de literacia com os restantes países da Zona Euro.
Existem vários fatores que nos ajudam a entender melhor os dados publicados pelo Banco Central Europeu (BCE), os quais passo a referir.

1 Falta de cultura de investimento
Na generalidade, os portugueses continuam a confiar o seu dinheiro nos bancos através de depósitos a prazo, cuja rentabilidade é francamente modesta e nem sequer acompanha a inflação, traduzindo-se numa perda do poder de compra dos clientes que optam por este tipo de aplicações. No caso dos portugueses que decidem investir, muitos também continuam a confiar no seu gestor de conta (que muitas vezes não têm formação / conhecimento na área) para aplicarem parte do capital disponível em produtos financeiros que não conhecem, onde por vezes se traduz também em situações onde os investidores assumem riscos elevados devido à falta de conhecimento em relação ao instrumento financeiro que decidiu alocar parte do seu capital.

2 Papel dos pais e da escola na educação financeira
Os pais têm um papel importante na educação financeira dos mais novos, no entanto, dada a falta de cultura financeira e o facto de muitos não alocarem parte do capital em produtos financeiros, acabam por passar más práticas aos mais novos. Muitas vezes os pais estimulam apenas a poupança sem referirem a importância e os benefícios de se investir parte do capital disponível. Por outro lado, a escola tem um papel fundamental para combater a literacia financeira, através da educação financeira dos mais novos.

3 Instituições financeiras
Por último, mas não menos importante, as instituições financeiras, como por exp. Bancos de Investimento (não confundir com os de retalho), fundos de investimento, corretoras têm um papel muito importante para a melhoria do nível de literacia financeira no país.

 

Lúcia Leitão
Diretora do Departamento de Supervisão Comportamental do Banco de Portugal e Presidente da Comissão de Coordenação do Plano Nacional de Formação Financeira

Nunca foi tão urgente reforçar a literacia financeira. A inflação e o aumento das taxas de juro afetam a situação financeira de muitas famílias, já fragilizadas pelo impacto da COVID-19. A literacia financeira é uma ferramenta essencial para tornar as famílias mais resilientes a choques adversos e mais capacitadas para a tomada de decisões financeiras adequadas.

Melhorar os conhecimentos e influenciar atitudes e comportamentos financeiros da população é, todavia, um projeto que exige um esforço continuado que tem de ser assumido como um compromisso de longo prazo. Carece, por outro lado, do apoio de um conjunto alargado de parceiros próximos dos diferentes públicos alvo. O Banco de Portugal, a ASF e a CMVM, têm vindo a trabalhar, desde 2011, no âmbito do Plano Nacional de Formação Financeira, com ministérios e organismos públicos, associações do setor financeiro e de defesa dos consumidores e ONG para, em conjunto, levarem a formação financeira a diferentes segmentos da população. Este trabalho passa por formar formadores que multiplicam as iniciativas de formação e pela produção de materiais formativos adequados às características e necessidades dos vários grupos sociais. A parceria do Plano com o Ministério da Educação é um muito bom exemplo desta opção estratégica, entretanto reforçada com a obrigatoriedade da formação financeira nas escolas.

Para massificar as iniciativas de formação financeira, o Plano lançou o portal Todos Contam e a plataforma de e-learning e têm vindo a realizar campanhas de sensibilização, com destaque para a Global Money Week e a Semana da Formação Financeira. O portal Todos Contam e a página de Facebook do Plano divulgam conteúdos e iniciativas que o Plano desenvolve diariamente.

O processo de transformação digital veio sublinhar a importância de promover a formação financeira digital da população, tarefa que o Banco de Portugal assumiu desde 2016, tendo conduzido diversas campanhas com estaque para a #ficaadica, dirigida sobretudo aos mais jovens. Desde 2021, com o apoio da Comissão Europeia e da OCDE, assumiu a definição de uma estratégia de literacia financeira digital para promover a formação financeira digital, indispensável à utilização segura e esclarecida de produtos e serviços financeiros digitais e à inclusão financeira digital da população.

 

Eduardo Farinha Pereira
Diretor do Departamento de Supervisão Comportamental da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF)

Em 2011 o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros avançou para a criação de um Plano Nacional de Formação Financeira (PNFF, “o Plano”), por considerar que a educação financeira constitui um importante complemento das medidas de proteção do consumidor, o objetivo último dos supervisores, promovendo a estabilidade financeira. O PNFF constitui um instrumento para o enquadramento de iniciativas de promoção da literacia financeira, permitindo sinergias e ganhos de escala que não seriam possíveis se os supervisores não trabalhassem juntos. É reconhecido internacionalmente, sendo a nossa estratégia apontada como um caso de sucesso e como referência para outros países. As iniciativas desenvolvidas por cada supervisor no âmbito dos produtos disponibilizados pelos setores por si supervisionados, e o trabalho continuado e estruturado das equipas dos três supervisores dedicadas ao tema da literacia financeira, no âmbito do Plano, com a realização de inúmeras ações de formação junto dos diversos públicos-alvo, tem contribuído para que Portugal tenha vindo a obter resultados muito interessantes nos inquéritos internacionais realizados, quer à população adulta, quer aos empresários de micro e pequenas empresas, quer ainda aos jovens. Num mundo em rápida mudança, as linhas de ação estratégica carecem de um permanente ajustamento, têm de ser dinâmicas para ir ao encontro das necessidades em cada momento.

Os temas da resiliência financeira, enfatizada pela pandemia – que veio pôr em evidência o profundo impacto de situações adversas no bem-estar económico e financeiro de toda a população –, do digital e da sustentabilidade, por exemplo, integram as preocupações do Plano para 2021-2025, procurando precisamente contribuir para um melhor nível de literacia nestes domínios. A promoção da resiliência financeira dos indivíduos e das famílias ganha especial importância no caso da ASF, visando capacitá-los para responderem a choques adversos inesperados, permitindo-lhes manter a capacidade de cumprir as suas responsabilidades financeiras e assegurar o seu bem-estar financeiro, nomeadamente através da poupança e de uma gestão de riscos adequada. Nos últimos anos, a ASF tem procurado diversificar o tipo de conteúdo que disponibiliza ao consumidor, bem como os canais usados para a sua divulgação. Acreditamos que essa melhoria na comunicação nos permite segmentar melhor o tipo de consumidor e as necessidades específicas ao nível da informação financeira.

E, naturalmente, permite-nos impactar um maior número de pessoas. A aposta nos canais digitais, e sobretudo nas redes sociais, tem apoiado esta estratégia. No âmbito do Plano, constituem prioridades formativas para os próximos anos, no âmbito da resiliência financeira, de acordo com as linhas de ação estratégica definidas: i) estimular o exercício de planeamento e gestão do orçamento familiar;

ii) sensibilizar para a importância de Pág. 2 / 2 hábitos de poupança e divulgar as características e riscos dos principais produtos financeiros para a aplicação informada da poupança;

iii) divulgar os produtos financeiros para cobertura de riscos associados a produtos de investimento e as suas características;

iv) sensibilizar para os compromissos decorrentes do recurso ao crédito, bem como para as implicações do sobre endividamento e para as medidas de prevenção e gestão de situações de incumprimento;

v) sensibilizar para a importância do planeamento financeiro da reforma e para os produtos financeiros disponíveis para o efeito, suas características e riscos; e

vi) promover hábitos de precaução e sensibilizar para a noção de risco, divulgando as características dos seguros e o seu papel na mitigação de riscos. A ASF e, acredito, os outros supervisores, irão continuar a eleger a literacia financeira, a primeira linha de defesa dos consumidores, como uma das suas prioridades.

 

São Igreja
Assessora do Conselho de Administração da CMVM e membro da Comissão de Coordenação do PNFF

As decisões financeiras estão presentes em todas as fases da vida e a sua qualidade condiciona o bem-estar futuro. É fundamental capacitar os cidadãos para fazerem as perguntas certas e tomarem decisões conscientes para uma gestão adequada das suas finanças pessoais.

É por isso que a promoção da literacia financeira, a par da transição para uma economia mais sustentável, está no centro das prioridades estratégicas da CMVM.

Assim, importa, por um lado, a divulgação de informação de elevada qualidade, fiabilidade, consistência, comparabilidade e acessibilidade e, por outro, implementar programas de literacia financeira robustos com ações de formação e sensibilização para os diferentes públicos-alvo, fomentado assim a adoção de atitudes e comportamentos baseados em conhecimento.

Sendo este um investimento a longo-prazo, a sua eficácia depende da capacidade para atingir um público extenso e diversificado nas várias vertentes da literacia financeira. Por isso, os três supervisores financeiros (CMVM, BdP e a ASF) decidiram, em 2011, juntar esforços e criar o Plano Nacional de Formação Financeira, agregando mais de três dezenas de parceiros. Acreditamos que esta cooperação é a chave para o sucesso.

Para chegar aos diferentes públicos-alvo privilegiámos as parcerias. O Ministério da Educação na formação nas escolas (alcançámos cerca de 50% dos agrupamentos de escolas de todo o país e centenas de alunos), o Ministério da Economia, através do IAPMEI/TP para a formação de MPME, o Ministério do Trabalho, o IEFP e a CCDR-N, as associações do setor financeiro, entre outros.

Reforçámos a publicação de informação dedicada aos consumidores e investidores, através de recomendações e alertas sobre temas como a sustentabilidade, a utilização de canais digitais, os criptoativos e a utilização de redes sociais como fonte de informação.

O compromisso da CMVM com esta agenda é absoluto.

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