As crises são fenómenos cada vez mais globais, caracterizadas por imparidades nas cadeias de valor da produção de bens e serviços e perdas avultadas de negócios e rendimentos, colocando em risco a viabilidade das estruturas organizacionais. No imediato, as crises suscitam muitas dúvidas e questões; e, posteriormente, lançam suspeitas e incertezas quanto ao futuro, tanto das organizações, como das pessoas, impondo mudanças abruptas, mesmo em atividades que até aí apresentavam um dinamismo invejável.
Todavia, as crises têm de ser mitigadas, sendo os danos sociais e económicos devastadores. Recorde-se a destruição provocada pela Grande Depressão de 1929 na economia dos Estados Unidos da América[1]: a riqueza gerada caiu 50% (nos primeiros 5 anos, ao passar de 105 para 56,4 biliões de dólares), um terço dos bancos faliram, o desemprego subiu para 25%, gerando um elevado número de sem-abrigo, os preços da habitação reduziram 67%, o comércio internacional caiu 65% e a deflação subiu acima de 10%. A recuperação foi lenta, só a bolsa de valores demorou 25 anos a recuperar.
Encontrar as respostas adequadas a diferentes níveis – económico, social, científico e, sobretudo, político – que concorram para uma solução integrada é o grande desafio que temos pela frente. À data, o gasto público foi elemento decisivo para relançar a procura agregada e gerar os rendimentos que sustentaram o relançamento do processo produtivo, aos diferentes níveis – o “New Deal” de Franklin Roosevelt funcionou e, em 1934, a economia cresceu 17% e o desemprego caiu. São vários os fatores que devem ser considerados, mas nunca se deve perder de vista a realidade que nos circunda. Por um lado, a nossa força relativa face ao problema, que é ínfima. Por outro lado, a capacidade de reagir rapidamente e de mobilizar meios humanos, materiais e financeiros, que é limitada*.
Gráfico 1 Dívida Bruta / Receitas Orçamentais por País*
Gráfico elaborado por Eduardo Leite e Ricardo Jorge Silva
É neste contexto que perspetivamos a resposta do covid-19 e as reações dos diferentes países na reunião do Euro-grupo. De um lado (Grupo I) – Itália, Portugal, Espanha e França, já que a Grécia, está relegada para um segundo plano pela pandemia (felizmente os impactos são reduzidos), e pelo outro (Grupo II) – Áustria, Holanda, Finlândia, mas podíamos juntar todos os outros países da União Europeia. A Alemanha arbitra, já que a França, nesta questão, é também parte interessada. Se analisarmos o Gráfico 1 – rácio entre a Dívida Bruta por Nível de Receitas Orçamentais por País, acima apresentado, percebemos porquê. Os países do Grupo I apresentam, pré-covid19, um rácio da dívida em relação às receitas orçamentais muito elevado – a variar entre 1,84 da França e 3,78 da Grécia – donde deve ser excluída a Irlanda, pois além do valor ser dos mais elevados (2,5), apresenta uma dívida de 63,6% em relação ao PIB, o que contrasta com os restantes países deste grupo com dívidas entre 98,4 e 181,20% do PIB, simultaneamente as mais elevadas na União Europeia. Portugal detém um rácio de 2,84 (o 3º mais elevado) e uma dívida de 121,90%. Os países do Grupo II mostram um rácio entre 1,62 da Croácia e 0,22 da Estónia, com dívidas inferiores a 75% da riqueza gerada.
Mesmo que o benefício seja comum, no espaço da União Europeia, face à existência de um perigo real de incidências e reincidências na casa partilhada, será possível criar uma solução de responsabilidade comum – os famigerados “Coronabonds”? Neste quadro, não parece politicamente aceitável para os responsáveis políticos dos restantes países membros, mesmo com a Alemanha a intermediar. As dívidas brutas são elevadíssimas e a capacidade de as reduzir a curto e médio prazo (o valor do indicador) é muito diminuta para os países de Grupo I. Nós, Portugueses, temos que começar a desbravar um novo caminho.
Tal como abril recentemente invocado, este é um momento unir toda a Nação no combate ao covid-19 e, no consequente, regresso ao futuro. Sem unanimismos, mas com uma ambição renovada em construir um futuro ainda melhor. Na realidade, apesar de tratar-se de uma doença, não está, como se previa, a destruir o Sistema Nacional de Saúde, mas a ameaçar Portugal.
Recordando Sophia de Mello Breyner, é uma (nova) revolução.
Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta
Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício
Como a voz do mar
Interior de um povo
Como página em branco
Onde o poema emerge
Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação
27 de abril de 1974
O NOME DAS COISAS
Sophia de Mello Breyner Andresen
[1] https://www.thebalance.com/effects-of-the-great-depression-4049299.
* fonte. PORDATA (2020, 27 abril). Países: UE27 (2020) – União Europeia 27 (desde 2020); UE28 – União Europeia (28 Países); ZE19 – Zona Euro (19 Países); DE – Alemanha; AT – Áustria; BE – Bélgica; BG – Bulgária; CY – Chipre; HR – Croácia; DK – Dinamarca; SK – Eslováquia; SI – Eslovénia; ES – Espanha; EE – Estónia; FI – Finlândia; FR – França; GR – Grécia; HU – Hungria; IE – Irlanda; IT – Itália; LV – Letónia; LT – Lituânia; LU – Luxemburgo; MT – Malta; NL – Países Baixos; PL – Polónia; PT – Portugal; UK – Reino Unido; CZ – República Checa; RO – Roménia; SE – Suécia
[frames-chart src=”https://s.frames.news/cards/divida-publica/?locale=pt-PT&static” width=”300px” id=”40″ slug=”divida-publica” thumbnail-url=”https://s.frames.news/cards/divida-publica/thumbnail?version=1588073657691&locale=pt-PT&publisher=www.jornaleconomico.pt” mce-placeholder=”1″]
Taguspark
Ed. Tecnologia IV
Av. Prof. Dr. Cavaco Silva, 71
2740-257 Porto Salvo
online@medianove.com