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24 horas de desilusão e frustração no Porto Santo

O seu regresso é uma denúncia e um apelo para que não finjamos que o Porto Santo é uma ilha dourada para todos.
9 Julho 2019, 07h15

1 de julho de 2019, 21h45, Aeroporto do Porto Santo.

A sala de espera está a abarrotar com os passageiros dos dois voos da TAP para Lisboa programados quase para a mesma hora: um para as 22h15 e o outro para as 22h20. Sorte para os primeiros, que já estão prestes a embarcar, enquanto os segundos não sabem quando isso acontecerá, porque o avião que os levará ainda está longe de aterrar.

Com a partida do primeiro voo dentro do horário, a sala de espera tornou-se respirável e os bancos foram suficientes para acolher o cansaço de todos os passageiros do segundo voo.

O turismo aumenta; é desejável que continue a aumentar, mas não se ouvem vozes de preocupação com a subdimensão do aeroporto para tantos desejos. Não é só a dimensão do aeroporto; é, também, a qualidade dos materiais, que apresentam um desgaste evidente de quase 30 anos de uso. Já alguém responsável olhou com olhos de ver para as casas de banho ao lado da sala de espera? Não repararam? Pois podem ter a certeza de que aquela degradação e aquele aspeto de abandono – capazes de envergonhar qualquer anfitrião com um pouco de brio – não passarão despercebidos aos turistas. Há muitos géneros de postais e este, para muitos, há de perdurar na memória meses ou anos.

Já passa das 23h00 quando embarcam os passageiros do segundo voo dessa segunda-feira para Lisboa. Ainda assim, salvo algumas olheiras mais cansadas, tudo parece normal. Tudo, mesmo? Não, aquela jovem que fala alto com uma senhora com medo de andar de avião, não está normal. Fala como quem não tem medo de ser ouvida, ou melhor, fala como quem quer ser ouvida. Precisa que lhe digam que tem razão, que faz muito bem abandonar o Porto Santo de imediato, que qualquer um tomaria as decisões que tomou nas últimas horas, ainda que saiba que ela é exceção. Ela tinha acabado de conhecer muitos dos que aceitaram fazer parte da regra e de a confirmar, mas não se conforma, não percebe como não é ela que está do lado da regra. A sua fuga é a prova de que não só não compreende a regra como se recusa fazer parte dela.

Solta uma torrente que tudo leva à sua frente, incapaz de ouvir o pânico da sua interlocutora, que vai aumentando com o aproximar da hora da partida. Esta jovem tem de se libertar daquela revolta, precisa que a oiçam. Chegou há pouco mais de 24 horas, sorridente, com uma mala carregada de futuro; regressa agora abatida, revoltada e com a certeza de que a vida real é bem mais dura do que a sonhada. Tem 23 anos, é aluna do curso de turismo da Universidade do Algarve. Prometeram-lhe um estágio profissional num hotel da ilha do Porto Santo; receberia 400 € por mês, por 8 horas diárias de trabalho. Preparou tudo ao pormenor: procurou uma agência de trabalho, que lhe garantiu alojamento numa moradia com condições dignas, mas o que encontrou foi um beliche nas instalações de um clube local, longe do local de trabalho; a casa de banho oferecia uma sanita para 15 raparigas. Foi um choque de frente com a vida; foi brutal! Ficou destruída! Tinha deixado o trabalho de verão garantido, próximo de casa. Arriscou porque queria abrir horizontes, mas eles fecharam-se à sua chegada, caiu num precipício, donde procurava sair agora. Comprou a viagem de regresso a um preço exorbitante, mas se esperasse mais um ou dois dias seria bem mais caro. Era o sinal de que precisava para não hesitar. Não, não podia haver qualquer dúvida. Tinha de voltar! Voltava, mas não calará a sua revolta.

Foram pouco mais de 24 de frustração e de grande revolta que lhe mostraram a crueza da vida; viu gente muito nova submeter-se a condições degradantes para ter trabalho, por necessidade. Também encontrou pessoas muito gentis, como quem a recebeu, que desculpabiliza. No entanto, nada lhe podia fazer mudar de ideias, porque jamais poderá pactuar com situações de degradação e de exploração como as que encontrou na ilha.

O seu regresso é uma denúncia e um apelo para que não finjamos que o Porto Santo é uma ilha dourada para todos.

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