O atual n.º 4 do art.º 27.º, n.º 1 da Lei das Associações Públicas Profissionais (Lei n.º 2/2013, de 10.01., de agora em diante, LAPP), prevê a possibilidade dos Estatutos da Ordem dos Advogados (OA) e da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE), regularem a admissibilidade, a criação e o funcionamento de sociedades multiprofissionais que tenham por objeto principal, o exercício de uma profissão regulada em conjunto com outros profissionais inscritos ou não noutras associações profissionais.

Esta possibilidade deve-se ao facto de advogados, solicitadores e agentes de execução participarem na atividade dos tribunais e como tal na realização da justiça.

No que diz respeito aos advogados e solicitadores, a Constituição, os respetivos Estatutos e a própria Lei de Organização do Sistema Judiciário procuram garantir a estes profissionais a necessária independência, autonomia técnica e isenção para o exercício do patrocínio judiciário, estando apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas da profissão.

No caso dos agentes de execução, exercendo os mesmos atividades acometidas aos tribunais e que não integrem a reserva de atos exclusivos dos juízes, compreende-se que também eles tenham que ter rigorosas garantias de atuação independente e isenta, apenas sujeita a critérios de legalidade e ao controlo jurisdicional da sua atividade.

Ora, vem isto a propósito da LAPP ter sido recentemente alterada no Parlamento, prevendo-se no texto aprovado que aqueles profissionais possam integrar qualquer estrutura societária multidisciplinar, tenha ela o objeto que tiver, sem qualquer possibilidade de controlo da legalidade e do respeito pela deontologia profissional por parte destas estruturas através das Ordens profissionais que tutelam aquelas atividades profissionais.

Na verdade, a nova alteração aprovada no Parlamento, possibilita que as sociedades multidisciplinares que praticam atos próprios daquelas profissões, possam ser detidas e geridas exclusivamente por profissionais não inscritos na OA e na OSAE, o que faz com que estas associações profissionais não tenham qualquer controlo sobre a atividades destas sociedades, que não têm sequer que estar inscritas nas referidas associações.

Assim, enquanto as sociedades de advogados, de solicitadores ou de agentes de execução têm a obrigação de estar inscritas nas respetivas Ordens e pagarem inclusive quotas, tal como os seus associados, as sociedades multidisciplinares previstas na nova lei escapam por completo à tutela daquelas Ordens. Aliás, tais sociedades multidisciplinares, escapam por completo a qualquer tutela, apesar de poderem praticar atos próprios daquelas três profissões.

Com efeito, a independência daqueles profissionais, a preservação do segredo profissional, a proibição de atuarem em conflito de interesses e o cumprimento das muitas regras deontológicas daquelas profissões, deixam de ter qualquer tutela das Ordens profissionais em causa e, como tal, qualquer aplicabilidade na prática. Em conclusão, a alteração proposta que prevê um modelo desregulado de sociedades multidisciplinares que integrem profissões jurídicas que participam na atividade dos tribunais, é ilegal e inconstitucional.