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Anatomia de um excedente que passou à História

Portugal atingiu um excedente orçamental de 0,2% do PIB em 2019. A diferença entre o saldo divulgado pelo INE e o projectado pelo Governo resulta sobretudo de uma despesa abaixo da estimada no Orçamento. Mário Centeno alerta que a crise provocada pelo novo coronavírus deverá conduzir o país a um regresso ao défice.
  • Cristina Bernardo
26 Março 2020, 08h05

Foram precisos 46 anos de democracia para Portugal voltar a ter um excedente orçamental, mas a notícia de um desempenho melhor do que o estimado pelo próprio Governo foi recebida com contenção no Terreiro do Paço. Confrontado com a epidemia global da Covid-19, numa mensagem também para os investidores, agências de rating e instituições internacionais, o ministro das Finanças garantiu  que o país está preparado para enfrentar a crise, mas voltou a frisar que a vitória conquistada nas contas públicas em 2019 não se irá prolongar para este ano.

Em 2019, as Administrações Públicas tiveram um um saldo positivo de 404 milhões de euros, correspondente a 0,2% do PIB, revelou o Instituto Nacional de Estatística, esta quarta-feira, nos dados preliminares. No ano em que a economia portuguesa tinha crescido 2,2%, o saldo orçamental em contabilidade nacional ficou acima das projeções do Executivo de um défice de 0,1% do PIB, atualizadas no Orçamento do Estado para 2020 (OE2020). No essencial, a melhoria das contas públicas resultou de um aumento da receita de 3,8%, acima do crescimento da despesa de 2,3%.

As diferenças entre o resultado divulgado pelo organismo de estatística e o projectado pelo Governo, porém, reside principalmente numa despesa total abaixo daquela que era estimada no OE2020. As Finanças estimavam que a despesa ascendesse a 91 387 milhões de euros, mas o relatório do INE revela que esta se fixou em 90 604 milhões, numa diferença de 578 milhões de euros. Esta diferença é substancialmente maior do que a também registada na receita total, entre os dois documentos.

No OE2020, o Governo projectava que a receita total fosse de 91 213 e segundo os dados do INE fixou-se em 91 008, numa diferença de 205 milhões de euros. Ainda assim, entre 2018 e 2019, a receita total aumentou 3,8%, explicada pelo aumento de 3,9% da receita corrente, que foi impulsionada pelo aumento das contribuições sociais, impostos sobre a produção e a importação e, com menos peso, dos impostos correntes sobre o rendimento e património.

Por outro lado, o aumento de 2,3% da despesa total em 2019 face a 2018, resulta sobretudo do aumento de 2,7% da despesa corrente, uma vez que a despesa de capital diminuiu 3%. Para o aumento da despesa corrente contribuiu principalmente o incremento de 3,8% das prestações sociais, “exceto transferências sociais em espécie, correspondente a perto de 1,3 mil milhões de euros, mas também o aumento de 4,4% das remunerações”, identifica o relatório do INE. No sentido oposto, registou-se um menor peso da despesa com juros, com uma queda de 7,5%.

Porém, o ministro das Finanças admitiu que os cenários com os quais o Governo está a trabalhar para este ano são de recessão, devido à paralisação da economia. Embora tenha enquadrado a crise num cenário global, realçou que existirá “uma redução muito acentuada da atividade económica no segundo trimestre”. Ainda assim, garantiu que espera “uma recuperação no sentido da normalidade no resto do ano”.

O cenário de excedente orçamental de 0,2% do PIB, projectado pelo Governo no OE2020, está, no entanto, já fora da equação, tal como o primeiro-ministro, António Costa, tinha sinalizado.

“É cedo para construir cenários numericamente detalhados; estaremos a falar de números podem facilmente fazer com que o saldo orçamental se venha deteriorar em alguns pontos percentuais do PIB”, admitiu Mário Centeno.

Numa altura em que o fantasma da anterior crise das dívidas soberanas começa a surgir na Europa, o ministro das Finanças deixou, ainda assim, “duas certezas“: “Tudo faremos para restaurar a confiança e regressar à normalidade. Outra certeza, é que o país nunca esteve tão bem preparado para uma crise desta natureza, como hoje. Essa é uma nota de confiança que quero hoje partilhar com todo os portugueses”, afirmou.

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